Trabalho escravo urbano já representa 30% das ocorrências no Brasil

Presidente da Anamatra alerta que metade dos casos autuados pela fiscalização envolve imigrantes

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, participou, nesta quarta (27/1), do Seminário Virtual “Trabalho escravo em tempos de pandemia: este vírus, ainda?”, promovido pela Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e pela Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

No painel desta quarta, a presidente Noemia Porto atuou como moderadora do tema “Trabalho escravo e pandemia: um cenário desafiador”. Ao abrir os debates, a magistrada afirmou que é preciso entender o que é ser escravo no século 21, lembrando que, em todo o mundo, há mais de 45,8 milhões de pessoas sujeitas a alguma forma de escravidão moderna. A controvérsia sobre o tema, segundo ela, reside no Brasil onde ainda há uma ideia de negacionismo sobre essa realidade. “É como se a questão do trabalho escravo, da servidão, da subserviência, da ausência de liberdade para o trabalho fossem coisas do passado, não nos diz respeito e não está perto de nós”, observou.

Não faltam exemplos, aponta Noemia Porto. Ela citou o episódio ocorrido em março de 2020, em que mãe e filha bolivianas atravessaram a fronteira para o Brasil, após receberem uma promessa de trabalho em uma oficina de costura, em São Paulo. Teriam moradia, alimentação e um salário mensal equivalente a aproximadamente R$780,00. As imigrantes, como tantos outras, foram surpreendidas com uma jornada de trabalho exaustiva, das 7h às 22h, inclusive aos domingos, com breves intervalos para uma alimentação precária, recebendo um terço do salário mínimo. A presidente da Anamatra lembrou que a situação foi flagrada por auditores fiscais do Trabalho, equipes do MPT e agentes da Polícia Federal.

Segundo a juíza, o exemplo é emblemático ao atentar para uma nova realidade, a do trabalho escravo no meio urbano, que já representa 30% dos casos no País. Porto alerta, ainda, para a escravização de mulheres e imigrantes. “Nos casos flagrados pela fiscalização, os dados apontam, que 50% dos libertados nas cidades são imigrantes. O que se nota é que a questão do trabalho escravo contemporâneo comporta diversas interseccionalidades, seja a questão interseccional da raça, seja o deslocamento para a cidade, seja o alcance, também, das mulheres, diz respeito à cor da pele e a um ciclo de pobreza, a uma ideia de subsistência, que possibilita que a escravidão ainda permaneça no século 21”.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel conseguiu resgatar, em 2020, 942 trabalhadoras e trabalhadores em situação precária análoga à escravidão no meio rural e urbano. Foram 266 estabelecimentos fiscalizados, dois a mais que em 2019, sem pandemia.

O webinário integra as atividades alusivas ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, comemorado em 28 de janeiro. A Anamatra, que integra a Conatrae, é uma das entidades apoiadoras do evento. O professor-titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Ricardo Antunes, sociólogo do Trabalho, participou do debate com a presidente da Anamatra e analisou o impacto que a pandemia trouxe no mercado de trabalho. E, para o sociólogo, a pandemia não é a causa do flagelo do desemprego. ´´Ela exacerba, desnuda e intensifica - numa proporção que o mundo está vendo hoje -, a devastação do trabalho. Estamos acompanhando o desenvolvimento de um processo onde tornou-se normal falar em milhões de desempregados no Brasil´´, comentou.

Para o professor, a divulgação, em maio de 2020 pelo IBGE, de queda na informalidade no mercado de trabalho provocou avaliações equivocadas. ´´Num primeiro momento parece ser uma notícia positiva, mas não. A dimensão trágica era maior. Reduzia-se a informalidade porque houve um aumento do desemprego no mercado informal. Esse é o cenário que estamos vendo. O que era exceção, virou regra: a informalidade. É como se o moderno fosse desfigurar o modelo formal de trabalho. Flexibilizar é um eufemismo para mascarar a precarização e a desregulamentação´´, alertou.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Denis Maracci Gimenez também participou do debate. ´´A degradação do trabalho não começou com a pandemia. Do total de ocupações fechadas durante a pandemia, dois terços são entre trabalhadores precários e informais. A crise bateu muito mais forte em cima daqueles que já não tinham muito. O peso sobre a informalidade é muito grande entre aquelas ocupações que foram geradas entre o período de estagnação anterior à pandemia´´, analisou Denis Maracci.

Semana de debates

O evento virtual terá continuidade nesta sexta (29), com debate sobre o tema “Trabalho escravo e pandemia: de olho na cidade e no campo”. Participação o Coordenador da Campanha Nacional da CPT, Frei Xavier Plassat, o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima, o Auditor Fiscal do Trabalho da Detrae Thiago Barbosa, e o agente de prevenção do CDVDH/CB de Açailândia (MA), Marinaldo Soares.

 

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