Justiça tem de ser protetiva do trabalho humano e não apenas do emprego, defende presidente da Anamatra

Juíza Noemia Porto participa de debate sobre os 15 anos da Emenda Constitucional 45

 

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, participou, nesta quinta (6/8), de “live”, promovida pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da 16ª Região (Ematra 16/MA). O evento teve como tema a competência da Justiça do Trabalho 15 anos após a Emenda Constitucional 45 e contou com a participação do presidente da Amatra 16 (MA), Carlos Eduardo Evangelista, em mesa conduzida pelo juiz do Trabalho Lucas Castro, diretor da Amatra.

Em sua intervenção, a presidente falou das mudanças promovidas pela EC 45, em especial do art. 114 da Constituição Federal. “Um dos resultados mais visíveis da reforma foi a nova escritura do dispositivo, que lega à Justiça do Trabalho a competência para dirimir todos os conflitos relacionados às relações trabalhistas, retirando de vez o confinamento do âmbito do contrato de emprego”.  

Segundo Noemia Porto, há muitos questionamentos sobre o papel da Justiça do Trabalho, cuja especialidade legada pelo constituinte derivado são as relações do mundo do trabalho. Nessa linha, na avaliação da magistrada, a comunidade jurídica fez muito durante esses últimos 15 anos, mas ainda há muito a se fazer. “Nós insistimos em interpretar o alcance do art. 7 como dependente do contrato de emprego. E ele é um artigo de melhoria e não de clausura. Ele lega a promessa da melhoria da condição social do trabalhador, não necessariamente do empregado”.

A presidente da Anamatra explicou que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho chegou em um momento em que já havia uma prática jurídica em curso e uma doutrina histórica, que sempre enxergou o contrato de trabalho como condição de aplicação das normas de proteção social. “A Constituição Federal, contudo, em seu texto originário, fez essa abertura e não essa clausura, ou seja, ela estabeleceu um patamar mínimo civilizatório para todos os trabalhadores e trabalhadoras, empregados ou não”. Nessa linha, para a magistrada, a EC 45 “abre alas para a Justiça do Trabalho” no sentido de possibilitar a proteção jurídica à totalidade dos trabalhadores.

Na avaliação da presidente, nesses 15 anos, muitas ações trabalhistas ainda carregam esse dualismo entre o emprego e o não emprego. “Se reconhecem requisitos infraconstitucionais, define-se a proteção jurídica da Constituição; se esses requisitos não estão presentes, a atribuição protetiva da Constituição é negada. E isso se reflete no setor econômico, onde os trabalhadores passam a ser denominados de qualquer outra coisa, menos de empregados. Surgem expressões como parceiros, pessoas jurídicas, colaboradores, associados, etc”. Nesse cenário, segundo Noemia Porto, o uso da linguagem nunca é neutro. “Quando se atribuiu qualquer outro nome, se está retirando esse patamar jurídico prometido pela Constituição democrática de 1988”.  
  
Para a presidente da Anamatra, o sistema de justiça laboral já fez muito no decorrer desses 15 anos, mas não o suficiente. “A Constituição promete a ideia da empregabilidade como fio condutor de proteção jurídica. E é um problema quando a Justiça do Trabalho não garante essa proteção para a totalidade dos trabalhadores, aplicando requisitos de norma infraconstitucional para tentar compreender a Constituição. Se continuarmos com essa trajetória, essa proteção será sempre mais excludente do que includente. Uma justiça social atua sempre como garante de direitos fundamentais que precisam ser paulatinamente cada vez mais inclusivos”, defendeu.

Nessa linha, na avaliação de Noemia Porto, compete à Justiça do Trabalho chamar para o seu debate quais são as normas de proteção jurídica essenciais para a totalidade dos trabalhadores que vivem do trabalho, mas que não são empregados e estão dentro do contingente inimaginável de mais de 51% dos informais. “Que resposta a Justiça do Trabalho terá para eles?  É a própria  superioridade da Constituição que está em xeque. A Justiça tem de ser protetiva do trabalho humano e não apenas do emprego”, finalizou.

Jurisprudência - A presidente Noemia Porto, respondendo às indagações do presidente da Amatra 16, também fez considerações sobre o mérito do julgamento da ADI 3395 do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações envolvendo servidor celetista e o Poder Público, excetuando-se, apenas, as demandas envolvendo as relações jurídico-estatutárias. “Essa é a única exclusão para a competência da Justiça do Trabalho, ou seja, as hipóteses em que o servidor ascende ao cargo público tendo observado, rigorosamente, o acesso por concurso público. O mérito da ADI inaugura um novo ciclo de interpretação do art. 114 para o alcance de uma competência que sempre foi nossa”.

A presidente da Anamatra também defendeu que, no caso do trabalhador ou trabalhadora 4.0, não pode estar afastada a competência da Justiça do Trabalho. “A proteção jurídica constitucional independe do vínculo de emprego. Outras nações, reconhecidamente mais liberais, têm reafirmado o patamar de empregalidade como uma resposta jurídica a esse modo contemporâneo de trabalhar”. Esses “novos trabalhadores” colocam em debate problemas velhos, segundo a presidente, como a visibilidade previdenciária, a segurança alimentar, via garantia remuneratória, e a extensão da jornada de trabalho.

A presidente recordou o trabalho que a Anamatra fez ao mapear os resultados de muitos conflitos de competência apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Também falou da atuação da Associação na defesa da competência da Justiça do Trabalho para as hipóteses de autorização, via alvará, do trabalho infantil artístico. “Temos rigorosamente uma questão de trabalho. Não é uma Justiça qualquer, mas uma Justiça garante dos direitos fundamentais de conteúdo econômico social trabalhista”.

Confira a íntegra da live, no canal da Ematra 16 no Youtube:

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