Texto publicado no portal JOTA é assinado pelo presidente Guilherme Feliciano e pela advogada trabalhista Olívia Pasqualetto
Em artigo intitulado "Ciência, independência e plurivalência: de polêmicas emancipatórias", o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, e a advogada trabalhista Olívia Pasqualetto esclarecem os objetivos da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Anamatra e outras entidades para debater questões sobre a interpretação da Lei nº 13.467/2017, que dispõe sobre a reforma trabalhista, bem como apontam o que esperar da Magistratura no atual cenário. Confira aqui a íntegra do artigo, ou leia abaixo:
Ciência, independência e plurivalência: de polêmicas emancipatórias
O que esperar da magistratura do trabalho?
Guilherme Guimarães Feliciano* e Olívia Pasqualetto*
INTRODUÇão. A 2ª jornada DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO: O QUE FOI?
Pouco antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 (que se daria em 11 de novembro de 2017), tendo em vista a aguda insegurança por ela suscitada ─ notadamente pelas dúvidas de constitucionalidade e de convencionalidade de vários de seus preceitos ─, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho idealizou e deliberou organizar, juntamente com a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília, nos dias 9 e 10 de outubro de 2017, dedicada aos debates sobre a interpretação da Lei nº 13.467/2017, que dispõe sobre a “reforma trabalhista”.
A 2ª Jornada pretendeu ser um evento aberto e democrático, contando com a participação de mais de 600 operadores de Direito de todo o país, dentre Magistrados (cerca de 350, incluídos dez Ministros do Tribunal Superior do Trabalho e, na abertura, a Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal), advogados trabalhistas, procuradores do Trabalho, auditores fiscais do Trabalho e professores universitários. Foram igualmente convidados, com todas as formalidades cabíveis, as assessorias das principais entidades nacionais representativas de trabalhadores e empregadores.
A dinâmica do evento consistiu em realizar primeiramente um debate de teses e, posteriormente, a elaboração, aprovação e publicação de enunciados que, examinando a lei em tese, pudessem servir de norte hermenêutico a toda a comunidade jurídica interessada (incluídos juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, professores universitários e advogados trabalhistas, mas não apenas). Seriam, doravante, o primeiro parâmetro hermenêutico coletivo para a nova legislação. Nesse cenário e com essa finalidade, os participantes debruçaram-se sobre as diversas possibilidades de interpretação da nova lei, considerando os seguintes grupos (ou eixos) temáticos:
COMISSÃO 1 – Aplicação subsidiária do direito comum e do direito processual comum. Princípio da intervenção mínima. Prescrição trabalhista e prescrição intercorrente. Grupo econômico e sucessão de empresas.
COMISSÃO 2 – Jornada de trabalho. Banco de horas. Remuneração e parcelas indenizatórias. Danos extrapatrimoniais: tarifação e outros aspectos.
COMISSÃO 3 – Prevalência do negociado sobre o legislado. Negociação coletiva (aspectos formais). Saúde e duração do trabalho. Ultratividade das normas coletivas.
COMISSÃO 4 – Trabalhadora gestante e trabalhadora lactante. Trabalhador autônomo exclusivo. Hiperssuficiente econômico. Arbitragem e cláusula compromissória.
COMISSÃO 5 – Comissões de representação de empregados. Dispensas individuais e coletivas. Procedimento de quitação anual. Programas de demissão voluntária.
COMISSÃO 6 – Teletrabalho. Contrato de trabalho intermitente. 1Contrato de trabalho a tempo parcial. Terceirização.
COMISSÃO 7 – Acesso à justiça e justiça gratuita. Honorários advocatícios. Honorários periciais. Litigância de má-fé e dano processual.
COMISSÃO 8 – Sistema recursal e limitações à edição de súmulas. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Ação de homologação de acordo. Aspectos gerais da execução trabalhista.
As propostas de enunciados foram encaminhadas para prévia avalição à Comissão Científica do evento e, uma vez validadas quanto à forma e à pertinência, seguiram para debate e votação nas oito Comissões Temáticas. Por fim, as propostas aprovadas nas Comissões foram submetidas ao crivo da Plenária, que encerrou o evento. As decisões coletivas em cada fase eram terminativas, não cabendo qualquer espécie de recurso ou revisão. Optou-se, em cada detalhe, pelo modelo mais dialógico e democrático possível.
Simples assim. Sem mistérios, atropelos ou vezos subversivos. E, no entanto, tal evento científico surpreendentemente valeu, a este primeiro articulista, a referência nominal em editoriais em três dos maiores jornais do país2. O debate instilou curiosos temores.
2. OS ENUNCIADOS APROVADOS (PANORAMA). REVISITANDO A pluricentralidade E A MULTINORMATIVIDADE do direito do trabalho: A CONSTITUIÇÃO, AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS e OS princípios específicos como antídotos hermenêuticos
Compreendamos melhor, porém, o que se passou.
A Comissão Científica da 2ª Jornada foi composta por membros indicados pela Diretoria da ANAMATRA, todos juízes do Trabalho, pertencentes ou não à própria Diretoria e ao Conselho de Representantes da entidade. A essa comissão chegaram 344 propostas, das quais 125 tornaram-se enunciados aprovados pela Plenária (o que revela, por óbvio, que nem todas as teses encaminhadas foram aprovadas, e que muitas foram aglutinadas ou combinadas entre si). Inicialmente despretensiosa, terminou representando, àquela altura, o maior evento nacional sobre a Lei da Reforma Trabalhista, praticamente dobrando as presenças da 1ª Jornada, organizada entre 21 e 23/11/2007.
Os enunciados encontram-se disponíveis abertamente na página virtual do evento3, tendo sido organizados a partir dos oito grupos temáticos apresentados acima.
No eixo 1, os enunciados aprovados centraram-se, especialmente, em três grandes temas:
(i) a compreensão da Lei nº 13.467/2017 ─ e de suas (im)possibilidades ─ sob critérios de controle de constitucionalidade e de convencionalidade, como também à luz dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica e social e dos princípios especiais que historicamente têm informado o Direito do Trabalho;
(ii) a constituição do “novo” grupo econômico, para os efeitos do art. 2º, §2º, da CLT, e a responsabilidade (solidária) entre empresas que atuam em uma mesma cadeia produtiva, bem como a responsabilidade (solidária) do sucessor trabalhista; e
(iii) as possibilidades de interrupção da prescrição trabalhista fora da hipótese prevista no § 3º do art. 11 da CLT e a incompatibilidade da prescrição total com a Constituição Federal (art. 7º, XXIX).
No eixo 2, destacaram-se os enunciados sobre:
(i) os limites constitucionais do banco de horas e a necessária intervenção sindical para sua validade jurídica;
(ii) a jornada 12 x 36 nas relações de emprego comum e a obrigatoriedade constitucional de negociação coletiva para validá-la, assim como a necessidade de licença prévia da autoridade administrativa se se desenrolar em ambiente insalubre, firmando-se, em todo caso, a premissa de ser esse um regime de trabalho excepcional e residual;
(iii) as horas de trajeto (“in itinere”) e as possibilidades jurídicas de seu cômputo na jornada de trabalho, mesmo após a Lei nº 13.467/2017 (e fora dos seus limites);
(iv) a descaraterização do acordo de compensação de horas quando forem prestadas horas extras habituais e/ou em número superior a duas diárias;
(v) o tempo à disposição e as exceções às novas hipóteses do art. 4º, §2º, da CLT;
(vi) as parcelas habitualmente pagas ao trabalhador e a sua integração ao respectivo salário, independentemente do nome que a elas seja dado pelo empregador;
(vii) os danos extrapatrimoniais ─ inclusos os danos existenciais, agora textualmente reconhecidos pela legislação trabalhista (vide art. 223-B/CLT) ─ e a previsão constitucional de reparação ampla e integral das respectivas lesões (como já reconhecido, a propósito, pelo próprio STF ─ v., e.g., o RE n. 396.386/SP, rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 29.6.2004);
(viii) as novas restrições legais à equiparação salarial à luz do princípio constitucional da isonomia; e
(ix) a intangibilidade constitucional da gratificação de função percebida por dez anos ou mais, à luz do princípio da segurança jurídica (e, por ele, do princípio da confiança legítima).
No eixo 3 ─ um dos que, a propósito, mais produziu enunciados ─, destacaram-se, com aprovação plenária, os seguintes conjuntos de enunciados:
(i) enunciados redimensionando a polêmica “prevalência” do negociado sobre o legislado (art. 611-A/CLT) à luz das garantias constitucionais e dos princípios e subprincípios basilares do Direito do Trabalho (dentre os quais o princípio da proteção e o subprincípio da norma mais favorável, que tem previsão textual no caput do art. 7º da Constituição), de modo a ressignificar a hierarquia dinâmica das fontes formais no Direito do Trabalho e o próprio princípio da adequação setorial negociada4;
(ii) enunciados denunciando a inconstitucionalidade, a inconvencionalidade e o manifesto retrocesso social na possibilidade de (re)enquadramento dos graus de insalubridade por negociação coletiva, por afetar o direito à saúde laboral, à redução dos riscos inerentes ao trabalho e ao direito a um meio ambiente do trabalho equilibrado (vejam-se, e.g., os artigos 7º, XXII, 200, VIII, e 225 da Constituição e, bem assim, o inteiro teor da Convenção nº 155 da OIT, em vigor no ordenamento nacional)5;
(iii) enunciados acusando, em vários outros casos, a impossibilidade de se negociar coletivamente em prejuízo da saúde do trabalhador, considerando-se, inclusive, aspectos relacionados à jornada de trabalho e intervalos (embora a Lei nº 13.467/2017, em seu art. 611-B, parágrafo único, disponha que “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”, contrariando a realidade, a ciência médica e os próprios fundamentos históricos do Direito do Trabalho6);
(iv) enunciados problematizando as modificações havidas no chamado “imposto sindical” (rectius: contribuição sindical obrigatória), notadamente pela necessidade de lei complementar para se alterar a natureza ou a própria exigibilidade de um tributo federal; e
(v) enunciados considerando a vedação legal da ultratividade das normas coletivas ─ que revisou, no particular, a inteligência da Súmula n. 277 do TST ─ à luz do princípio da não-regressividade social (art. 26 do Pacto de San José da Costa Rica).
No eixo 4, merecem menção, dentre os tantos aprovados, enunciados que trataram:
(i) da nova figura do trabalhador “hiperssuficiente” ─ e do respectivo regime jurídico ─, ante a sua notória contrariedade para com a letra da Constituição (que não faz qualquer distinção de natureza salarial ao reger, no art. 7º, os “trabalhadores urbanos e rurais”, excepcionando, dentre os subordinados, apenas os domésticos), os princípios históricos do Direito do Trabalho e diversas convenções da OIT;
(ii) da inconstitucionalidade da permissão legal indiscriminada ao trabalho da gestante e da lactante em ambientes insalubres, agredindo direitos fundamentais das trabalhadoras e malbaratando o melhor interesse da criança (e do feto), em desacordo com o texto do art. 227 da Constituição (que reserva, à criança e ao adolescente, proteção integral e absoluta prioridade)7;
(iv) do entendimento plenário de que a novel figura do “trabalhador autônomo exclusivo” não poderia impedir, em absoluto, o reconhecimento judicial do vínculo empregatício, mesmo diante de instrumentos contratuais que a declarem, “si et quando” estiverem presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego (art. 3º/CLT), à luz do próprio princípio da primazia da realidade (que segue informando o Direito do Trabalho8); e
(v) da impossibilidade de instituição de cláusula compromissória de arbitragem em se tratando de créditos decorrentes da relação de emprego, dado seu caráter alimentar e, portanto, a sua indisponibilidade e inderrogabilidade.
No eixo 5, destacaram-se enunciados aprovados com os seguintes conteúdos:
(i) inconstitucionalidade e inconvencionalidade das dispensas coletivas “potestativas”, sem prévia negociação com os sindicatos profissionais representativos da categoria9;
(ii) limites constitucionais aos efeitos do termo de quitação anual, que não poderá obstar o pleno acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF);
(iii) critérios de validade formal e material para a rescisão contratual por mútuo consentimento (art. 484-A da CLT), anotando-se, ainda, que o ônus da prova da regularidade do negócio jurídico de distrato caberá ao empregador, em razão da revogação do art. 477, §1º da CLT;
(iv) representação judicial e administrativa dos trabalhadores como prerrogativa constitucional das entidades sindicais (art. 8º, III, CF), sendo, portanto, admissível a participação de dirigentes sindicais nas comissões de representação dos empregados (artigos 510-A a 510-D da CLT), a despeito do que dispõe o art. 510-C, §1º;
(v) garantias de emprego reservadas aos membros das comissões de representação de empregados (cabimento, extensão, natureza jurídica); e
(vi) invalidade dos negócios jurídicos que, no campo laboral, aniquilem direitos recorrendo a questões de forma/formalidade.
No eixo 6 – que também suscitou intensos debates e inúmeros enunciados aprovados ─, têm especial expressão, dentre os aprovados, os enunciados que se debruçaram sobre:
(i) o novo regime legal do teletrabalho à luz da proteção constitucional do emprego, de que resulta (i.1) o custeio dos equipamentos de trabalho pelo empregador (donde a abusividade de cláusulas contratuais que, diante da redação do novo art. 75-D, caput, da CLT, pretendam imputar ao empregado tais despesas); (i.2) no pagamento de horas extraordinárias quando for possível o controle de jornada do teletrabalhador (donde a inconstitucionalidade ─ ou a necessária interpretação conforme (“verfassungkonformen Auslegung”) ─ do novel inciso III do art. 62 da CLT); (i.3) na potencial responsabilidade civil do empregador pelos danos materiais, morais e existenciais infligidos ao empregado nos contextos de teletrabalho; e (i.4) no dever constitucional patronal, mesmo em contratos de teletrabalho, quanto ao controle razoável dos riscos labor-ambientais a que se submete o teletrabalhador (incluindo a redução desses riscos, ut art. 7º, XXII, CF);
(ii) a inconstitucionalidade “tout court” do novo regime de trabalho intermitente, ou, se superada, a interpretação conforme do novo regime legal, notadamente quanto aos seguintes aspectos: (ii.1) a necessária previsão de um patamar salarial mínimo mensal para o trabalhador intermitente, atendendo-se aos termos do art. 7º, IV, CF; (ii.2) a prévia estipulação da carga horária que será reservada ao trabalhador intermitente (distinguindo-o do “zero hour contract”britânico)10; (ii.3) a necessidade do pagamento das férias do intermitente no momento do respectivo gozo (e não de forma parcelada, ao longo das prestações de serviço); (ii.4) a incompatibilidade do regime de trabalho intermitente com demandas permanentes de trabalho11; e (ii.5) o computo do efetivo tempo à disposição do trabalhador intermitente ─ quando, p. ex., estiver aguardando ordens (art. 4º, caput, da CLT) ─ como tempo de serviço (afastando a compreensão de que, no trabalho intermitente, não haja hipótese de tempo à disposição; poderá haver, a depender das circunstâncias).
(iii) a impossibilidade de contratação de trabalhadores por tempo parcial no âmbito do comércio, em virtude da aplicação do art. 3º, §1º da Lei nº 12.790/2013 (e à vista da especificidade da legislação, como também do princípio da norma mais favorável); e
(iv) os limites constitucionais e legais da “nova” terceirização, ante as alterações postas para a Lei n. 6.019/1974, com ênfase para a incompatibilidade da terceirização de atividade-fim (ou de “atividade principal”, na dicção da Lei n. 13.467/2017) com as normas constitucionais e internacionais que protegem a dignidade da pessoa humana e vedam a mercantilização do trabalho humano (matéria que, diga-se, está em discussão no STF, por intermédio da ADI n. 5.735/DF12); ou, se superada: (iv.1) a impossibilidade de terceirização de atividade-fim junto a órgãos da administração pública direita ou indireta; (iv.2) a necessidade de isonomia salarial entre trabalhadores terceirizados e empregados da tomadora de serviço que realizem idênticas atividades; (iv.3) a exigência legal, para a empresa de prestação de serviços, de capacidade econômica compatível com a execução do contrato (donde o vício do negócio jurídico se não puder ser constatada “ab ovo”, podendo gerar a vínculo de emprego direto com a tomadora e/ou a sua responsabilidade solidária pelo passivo trabalhista); (iv.4) a possibilidade de representação sindical de terceirizados pelos sindicatos representativos dos empregados contratados diretamente; e (iv.5) a responsabilidade solidária entre empresas tomadora e prestadora de serviço no tocante à prevenção de riscos labor-ambientais, de acordo com a Norma Regulamentadora nº 9 do Ministério do Trabalho.
No eixo 7 ─ que inaugura as discussões no campo processual ─, destacaram-se, por sua vez, enunciados a tratar dos seguintes aspectos:
(i) a inaplicabilidade da regra de sucumbência honorária aos processos trabalhistas já em curso no dia 11/11/2017, à vista do princípio processual da causalidade e, mais, por se tratar, na hipótese do novel art. 791-A da CLT, de norma processual com efeitos materiais, irretroativos no particular (eis que a expectativa dos custos e riscos processuais geradores de obrigações materiais é aferida no momento da propositura da ação)13;
(ii) a possibilidade de arbitramento de honorários de sucumbência recíproca (art. 791-A, §3º, CLT) apenas em caso de indeferimento total do pedido específico;
(iii) a inconstitucionalidade da previsão de que as despesas do beneficiário da justiça gratuita com honorários advocatícios ou periciais sejam custeadas com os créditos trabalhistas reconhecidos em juízo, nos próprios autos ou em outros processos trabalhistas quaisquer (e, nesse exato sentido, a Procuradoria-Geral da República terminou por ajuizar a ADI n. 5.766/DF ─ sob a relatoria do Min. L. ROBERTO BARROSO, ─ questionando a constitucionalidade das alterações impressas aos artigos 790-B, caput e parágrafo 4º, e 791-A, parágrafo 4º, da CLT, como também na autorização do uso de créditos trabalhistas auferidos em qualquer processo, pelo demandante beneficiário de justiça gratuita, para pagar honorários periciais e advocatícios de sucumbência14);
(iv) a possibilidade de antecipação de honorários periciais, nos atuais termos do art. 2º, §2º da Resolução 66/2010 do CSJT;
(v) a inaplicabilidade da regra de sucumbência em ações regidas por leis especiais (como, p. ex., as ações civis públicas e coletivas, os writs constitucionais etc.);
(vi) a violação direta e oblíqua do direito ao efetivo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) ante a cobrança de custas de hipossuficiente econômico15;
(vii) o reconhecimento do direito processual à emenda da petição inicial, em favor do autor, antes da prolação de sentença de extinção processual sem resolução de mérito porque desatendidas as exigências formais da Lei n. 13.467/2017;
(viii) a vedação de o advogado figurar, em um mesmo processo, como preposto e advogado do empregador;
(ix) o reconhecimento do momento processual da audiência trabalhista como o momento-limite para a possibilidade de desistência da ação sem o prévio consentimento do réu (ainda que a contestação tenha sido apresentada em momento anterior); e
(x) o entendimento de que a participação das entidades sindicais subscritoras da convenção ou do acordo coletivo de trabalho, como litisconsortes necessárias, nas ações que tenham como objeto a anulação de cláusulas dos respectivos instrumentos coletivos (art. 611-A, §5º, CLT), não as obriga ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em tais processos, desde que não hajam dado causa ao processo.
Por fim, no eixo 8, ressaltem-se, dentre os enunciados aprovados, os que reconhecem:
(i) as especificidades do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, para além do que está textualmente dito no novo artigo 855-A da CLT; e, nesse contexto, as possibilidades de emprego das tutelas de urgência de natureza cautelar (arts. 300 e 308 do CPC/2015) no contexto desse mesmo incidente;
(ii) a possibilidade de recusa, por parte do juiz do Trabalho, à homologação de quaisquer acordos que não tenham plena adequação constitucional ou legal16;
(iii) a inconstitucionalidade, por violação da proibição de excesso, de certos limites impostos à edição ou alteração de súmulas e outros enunciados jurisprudenciais no âmbito da Justiça do Trabalho;
(iv) a aplicabilidade dos artigos 520 e 521 do Código de Processo Civil ao processo do trabalho pós-reforma, admitindo-se, portanto, a liberação de depósitos em dinheiro em favor do reclamante, independentemente de caução prévia;
(iv) a necessidade de se imprimir interpretação conforme a Constituição ao novel art. 878 da CLT, de modo a permitir a execução de ofício de créditos trabalhistas também em casos nos quais as partes estejam representadas por advogado;
(v) as possiblidades remanescentes de impulso processual oficial e de execução trabalhista de ofício, inexistindo nulidades processuais em tais hipóteses;
(vi) a possibilidade de redirecionamento imediato da execução trabalhista para fins de responsabilização de sócios, por analogia com a hipótese do art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor, quando decretada a recuperação judicial da empresa;
(vii) a aplicabilidade, às entidades sindicais, da redução pela metade do depósito recursal, que a Lei n. 13.467/2017 reservou a toda entidade sem fins lucrativos (art. 899, §9º, CLT);
(viii) a inconstitucionalidade ─ ou a necessidade de interpretação conforme ─ do novel art. 883-A da CLT, no que exige prazo mais dilatado (45 dias17) para efeito de protesto de sentença ou para a inscrição do executado em órgãos de proteção ao crédito e/ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, e no que autoriza o cancelamento daquela inscrição pela simples garantia da execução, tudo à luz dos princípios constitucionais da razoabilidade, da efetividade e da duração razoável do processo;
(ix) os parâmetros constitucionais (re)definidores das regras sobre transcendência (art. 896-A, §1º, CLT), como, p. ex., na consideração de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil para fins de caracterização da relevância social e jurídica (art. 896-A, §1º, III e IV), na impossibilidade de tão aguda restrição temporal para as respectivas sustentações orais (art. 896, §3º, CLT: cinco minutos) e no adequado exercício da técnica do “distinguishing” para aferir (ou não) a transcendência, visando à compatibilização ─ e não ao desrespeito ─ para com a jurisprudência sumulada (art. 896-A, §1º, II); e
(x) a necessidade de que a homologação de acordo extrajudicial (arts. 855-B a 855-E da CLT) se promova de acordo com os princípios e regras de regência geral da jurisdição, inclusive as relacionadas à competência territorial do juízo e à possibilidade de recurso da não-homologação à instância superior.
A partir do mapa temático acima traçado, é possível convir que, para além do mero fornecimento de alternativas hermenêuticas para os dispositivos alterados ou acrescentados pela Lei nº 13.467/2017 ─ muitos dos quais, como visto, agridem a letra e/ou o sentido da Constituição Federal e das convenções da OIT, tendo já merecido, no todo, nada menos do que quinze ações diretas de inconstitucionalidade no STF18 ─, os enunciados aprovados na 2ª Jornadaproporcionam a leitura conforme dos novos preceitos legais, à luz de princípios constitucionais (dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, isonomia, proporcionalidade/razoabilidade, efetividade/eficiência, devido processo legal, inafastabilidade da proteção judiciária, duração razoável do processo etc.) e dos próprios princípios específicos do Direito do Trabalho, alguns dos quais indevidamente escamoteados pela Reforma Trabalhista. Logo, tais alternativas podem mesmo preservar vários desses novos preceitos legais, por afastarem a sua inconstitucionalidade “tout court”; e, nessa vereda, fazem respeitar o labor do Parlamento, sem jamais perder de vista a vontade do poder constituinte originário.
Os princípios específicos do Direito do Trabalho ─ e, em especial, o princípio da proteção, cuja função é justamente “proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes”19 ─ não podem ser negligenciados sem que se desnature, desde a fonte formal, o próprio Direito do Trabalho. Sua razão histórica aparece reavivada, em gênese e essência, nos conteúdos desta 2ª Jornada, porque o que dela deriva recompõe e repõe, no devido lugar, as funções da legislação trabalhista: promover o equilíbrio e a igualdade ─ em sentido material ─ das partes em uma relação contratual de tipo economicamente assimétrico, obstar a mercantilização do trabalho humano20 e fomentar a justiça social21.
Os princípios específicos do Direito do Trabalho têm, ademais, assento constitucional formal (veja-se, e.g., o caput do art. 7º, que positiva o subprincípio da norma mais favorável)22. A Reforma Trabalhista não poderia espancá-los ou proscrevê-los, mesmo que fosse essa a vontade do Legislativo.
3. À GUISA DE CONCLUSÃO: AS REPERCUSSÕES “PÓS JORNADA”. O QUE ESPERAR DA MAGISTRATURA DO TRABALHO?
Como dizíamos à partida, o “day after” da 2ª Jornada trouxe uma violenta reação de certos segmentos sociais mais conservadores. Veículos da grande imprensa chegaram a utilizar expressões pejorativas para qualificar o colóquio, equiparando-o a “boicotes”, “sabotagens” ou “guerrilhas”, como se os operadores do Direito e do Processo do Trabalho não pudessem discutir criticamente as novas dimensões do seu principal instrumento.
Se, porém, não se pouparam as mais ácidas críticas e mesmo algumas levianas agressões, tampouco se viu entrega ou rendição. Nas fileiras judiciais e nos segmentos sociais mais democráticos, seguiu forte a defesa da independência técnica dos juízes trabalhistas e de sua liberdade de expressão, pilares que são do próprio Estado Democrático de Direito. A civilização não retrograda.
A propósito ─ e é importante que se diga ─, a 2ª Jornada não implicou em tomada de posição institucional por parte da ANAMATRA, cujas instâncias deliberativas estatutárias são necessariamente outras (em especial o Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, cuja próxima edição ─ a 19ª ─ realizar-se-á em maio de 2018, na cidade de Belo Horizonte/MG). Mas revelou, sem dúvida, acentuadas tendências. Suscitou importantes reflexões em torno das modificações que a Lei nº 13.467/2017 imprimiu à Consolidação das Leis do Trabalho e à Lei n. 6.019/1974. Permitiu, ademais, que a Magistratura do Trabalho bradasse, no olho da tempestade, aquilo que deveria ser evidente em uma sociedade democrática, de instituições republicanas e plurais: toda e qualquer lei, a versar sobre quaisquer matérias, está sujeita à interpretação das cortes judiciais, como pressuposto inafastável para a sua aplicação aos casos “sub judice”.
Da mesma forma, é cediço que, no atual modelo constitucional brasileiro, toda lei, a versar sobre quaisquer matérias, está sujeita não apenas ao controle concentrado de constitucionalidade ─ exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, com efeitos de vinculação geral (art. 102, I, “a”, e §1º, CF) ─, mas também pelo controle de constitucionalidade difuso, que pode ser realizado incidentalmente por qualquer juiz brasileiro, em qualquer grau de jurisdição, com efeitos restritos ao caso concreto. Tem sido assim, no ideário jurídico americano, desde o julgamento de Marbury vs. Madison pela Suprema Corte estadunidense (1803). E, enquanto houver fôlego democrático, seguirá assim.
Os enunciados da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho são ferramentas que galvanizam a reflexão jurídico-científica, no seu melhor e mais amplo espectro, em torno de um foco dinâmico: a Reforma Trabalhista de 2017. Nessa acepção mais dilargada, tais enunciados podem ser libertadores. E, talvez, justamente por isso, incomodem tanto.
Como dissemos alhures, o bom debate é criador. Que venham, a partir destes primeiros, outros e melhores enunciados! O Direito não se esgota na lei. E a segurança jurídica que o Direito pode inspirar deriva inexoravelmente da confiança que nele se pode depositar, e que não se resolve nos textos (KANT, BOBBIO). Resolve-se, sim, em uma complexa equação que incorpora, qual variáveis, os justos conceitos, uma grande experiência e, sobretudo, muito boa vontade.
Deu-se um passo. A jurisprudência completará o caminho. Não deve ser temida. Não deve ser coarctada. Não deve ser lograda.
Referências bibliográficas
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FELICIANO, Guilherme Guimarães. OLIVEIRA, José Antonio Ribeiro de. DIAS, Carlos Eduardo de Oliveira. FILHO, Manoel Carlos Toledo. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: LTr, 2018 (no prelo).
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RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. Tradução e Revisão Técnica de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 2000.
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1 2ª JORNADA NACIONAL DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO. Temas. Disponível em < http://www.jornadanacional.com.br/verpagina.asp?secao=2&titulopagina=Temas >. Acesso em 14 dez. 2017.
2 De um modo geral (para além das citações nominais), ver, e.g., “Desobediência civil”, O Globo, 13.11.2017; “Guerrilha trabalhista”, Folha de S. Paulo, 14.10.2017; “Comício judicial”, O Estado de S. Paulo, 15.10.2017; “Juízes e procuradores resistem à reforma trabalhista”, O Estado de S. Paulo, 19.10.2017; “Afronta ao Estado de Direito”, O Estado de S. Paulo, 20.10.2017; “A sensatez do Presidente do TST”, O Estado de S. Paulo, 29.10.2017; e assim sucessivamente.
3 2ª JORNADA NACIONAL DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO. Temas. Disponível em < http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados.asp >. Acesso em 14 dez. 2017.
4 Pelo princípio da “adequação setorial negociada” ─ denominação que, a partir da obra de GODINHO DELGADO (v.Curso de Direito do Trabalho, 10 ed. São Paulo: LTr, 2011, passim), ganhou ares de universalidade na cena acadêmica nacional (mas que, sob outros títulos, já era bem conhecida da doutrina juslaboralista) ─, as normas negociadas somente prevalecem sobre as normas heterônomas caso implementem padrão superior de direitos – alterações “in mellius”-; ou sob negociação coletiva, ainda que “in pejus”, nas restritas hipóteses constitucionais e nos casos de direitos trabalhistas de indisponibilidade relativa. Seus fundamentos são constitucionais, à luz do art. 7º, caput, da Constituição, donde se concluir que qualquer solução hermenêutica que parta do art. 611-A da CLT para reconhecer uma possibilidade indiscriminada de negociação coletiva “in pejus” estará desconforme ao texto constitucional.
5 A rigor, a Presidência da República terminou por referendar, nessa matéria, a compreensão jurídica vazada na plenária da 2ª Jornada, já que a Medida Provisória n. 808/2017, ao alterar diversos dispositivos do art. 611-A da CLT, veio a prever que quaisquer negociações coletivas em matéria de enquadramento de grau de insalubridade deverão respeitaras normas legais e administrativas que dispõem a respeito (logo, haverão de se curvar ao “minimum minimorum” tuitivo da normativa heterônoma preexistente, como proposto e aprovado na 2ª Jornada). Tal MP, editada na primeira semana após a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, recebeu quase mil propostas de emendas durante sua tramitação legislativa, batendo todos os recordes conhecidos no âmbito da Câmara dos Deputados. Salta aos olhos, a propósito, que, ao ser proposta, a “Reforma Trabalhista” prometesse justamente mais segurança jurídica…
6 O Peel’s Act de 1802 (ou“Health and Moral’s of Apprentices Act”), considerado a primeira lei trabalhista da contemporaneidade, foi editado precisamente para fazer frente ao adoecimento de jovens trabalhadores na indústria têxtil algodoeira da Inglaterra oitocentista. Entre suas várias medidas de prevenção, encontrava-se a limitação da jornadados trabalhadores daquele segmento, como forma de amenizar o problema (que, à altura, já era percebido como uma crise de saúde pública). Duzentos e quinze anos depois, o gênio legislativo brasileiro declara que as questões de jornada nada dizem com a saúde e a segurança do trabalhador; e, não bastasse, reservam à novidade a eufemística expressão “modernização trabalhista”.
7 Também aqui, a MP n. 808/2017 “amenizou” os termos originais da Lei n. 13.467/2017, especialmente quanto à trabalhadora gestante (que, pelo texto da MP, somente poderá trabalhar em ambientes de insalubridade leve ou média se apresentar atestado médico a expressamente autorizá-la; a regra, portanto, será a proibição). Em relação à lactante, porém, pouco mudou ─ como se o único (ou o principal) interesse juridicamente relevante, no contexto, fosse o da trabalhadora.
8 E, mais uma vez, a MP n. 808/2017 deu razão póstera às prelibações da 2ª Jornada: modificando o art. 443-A/CLT, o texto da MP passa a proibir cláusulas de exclusividade e a prever exatamente essa possibilidade ─ óbvia “a se” ─ de se reconhecer vínculo empregatício, caso se constate haver, no caso concreto, subordinação ao tomador de serviços.
9 O que, de resto, a Justiça do Trabalho passou a reconhecer, referendando a tese aprovada na 2ª Jornada.Emblemáticas, no particular, as decisões exaradas em torno das demissões coletivas protagonizadas, meses depois, pela universidade Estácio de Sá. Vejam-se, p. ex., as decisões prolatadas na 68ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ (juíza ANA LARISSA LOPES CARACIKI), na 11ª Vara do Trabalho de Belém/PA (juíza CAMILA AFONSO DE NOVOA CAVALCANTI) e na 3ª Vara do Trabalho de São José/SC (juiz FABIO AUGUSTO DADALT), entre outros. Mais recentemente (5.1.2018), nos autos da Reclamação Correicional n. 1000393-87.2017.5.00.0000, em que era requerente a Sociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda., o Presidente do TST, Min. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, no exercício regimental das funções do Corregedor Geral da Justiça do Trabalho, suspendeu decisão judicial da Des. BEATRIZ RENCK, do TRT da 4ª Região, que suspendia demissões coletivas no âmbito do Rio Grande do Sul. Baseou-se no artigo 13, par. único, do Regimento Interno da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho ─ cuja constitucionalidade foi questionada pela ANAMATRA na ADI n. 4168/DF, sob a relatoria do Min. CELSO DE MELLO, ainda em tramitação─, em deliberação monocrática que, a nosso ver, configurou insuperável intromissão administrativa correicional em matéria eminentemente jurisdicional, a violar, entre outras, as garantias do juiz natural e da independência jurisdicional.
10 Trata-se do Enunciado n. 85 da 2ª Jornada, que ora transcrevemos, por seu especial interesse: “O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NO BRASIL NÃO CORRESPONDE AO ‘ZERO HOURS CONTRACT’ BRITÂNICO. Nos contratos de trabalho intermitente, é obrigatório indicar a quantidade mínima de horas de efetiva prestação de serviços, pois não se admite contrato de trabalho com objeto indeterminado ou sujeito a condição puramente potestativa, consoante artigos 104, II, 166, II, e 122 do Código Civil, aplicáveis subsidiariamente à matéria, nos termos do art. 8º, par. único [rectius: §1º] da CLT”.
11 Essa será, doravante, uma diretriz fundamental para a aferição da regularidade da contratação intermitente, diante do silêncio legislativo a respeito. Com efeito, ante a ausência de delimitações claras para as “serventias” do trabalho intermitente, seria razoável supor que uma montadora de veículos ou um banco pudesse substituir a maioria de seu pessoal por trabalhadores intermitentes que se revezassem, dia a dia, nas linhas de produção e/ou no atendimento à clientela? A nós, parece claro que não, por uma série de razões técnico-jurídicas ─ inclusive constitucionais ─ e socioeconômicas. A compreensão de que o trabalho intermitente deve servir às atividades econômicas intermitentes (p. ex., serviços de buffet para finais de semana, atividades de DJ’s etc.) resolve tais problemas por um bom caminho.
12 No pedido original, o Procurador-Geral da República pedia, “de início, que, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, esse Supremo Tribunal conceda, com a brevidade possível, em decisão monocrática e sem intimação dos interessados, a ser oportunamente submetida a referendo do Plenário, medida cautelar para: a) suspender eficácia de toda a Lei 13.429/2017, por inconstitucionalidade formal; b) sucessivamente, para suspender eficácia dos arts. 2o, caput e § 2o, e 10, caput e §§ 1o e 2o, da Lei 6.019/1974, inseridos pela Lei 13.429/2017, que disciplinam o regime de locação de mão de obra temporária, e para afastar interpretação dos arts. 4o-A, 5o-A e 9o, § 3o, da Lei 6.019/1974, inseridos pela Lei 13.429/2017, que implique admitir terceirização de atividades finalísticas de empresas privadas e de entes e órgãos da administração pública direta e indireta. Requer que se colham informações da Presidência da República e do Congresso Nacional e que se ouça a Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição da República. Superadas essas fases, requer prazo para manifestação da Procuradoria-Geral da República. Requer que, ao final, seja julgado procedente o pedido, para declarar inconstitucionalidade: a) formal da Lei 13.429/2017; b) dos arts. 2o, caput e § 2o, e 10, caput e §§ 1o e 2o, da Lei 6.019/1974, inseridos pela Lei 13.429/2017; c)sem redução de texto, dos arts. 4o-A, caput, 5o-A e 9o , § 3o, da Lei 6.019/1974, inseridos pela Lei 13.429/2017, de modo a afastar interpretação que permita terceirização de atividades finalísticas de empresas privadas e da administração pública, direta e indireta; d) sem redução de texto do art. 4o-A, § 1o, para afastar da expressão “ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços” sentido de autorização para subcontratação de serviços; e) sem redução de texto do art. 4o-A, § 2o, para afastar da expressão “qualquer que seja o seu ramo” sentido de autorizar terceirização de atividades finalísticas de empresas privadas e estatais exploradoras de atividade econômica; f) sem redução de texto do art. 4o-A, § 2o, para reconhecer a possibilidade de configuração de vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas tomadoras de serviços, no caso de terceirização de atividades finalísticas de empresas privadas” (g.n.).
13 Em sentido similar, no passado recente, consolidou-se a jurisprudência processual penal quanto a diversas novas regras processuais penais ─ de efeitos materiais ─ inseridas pela Lei n. 9.099/1995 (que, por serem mais benéficas, deveriam retroagir para alcançar processos ajuizados antes da entrada em vigor da lei, tal qual se dá com a norma penal mais favorável). Veja-se a respeito, entre outros, NETO, José Affonso Dallegrave. “(In)aplicabilidade imediata dos honorários de sucumbência recíproca no processo trabalhista”. In: http://www.amatra9.org.br/opiniao-inaplicabilidade-imediata-dos-honorarios-de-sucumbencia-reciproca-no-processo-trabalhista/ (acesso em 9/1/2018). Para a nossa opinião, veja-se, ainda,http://lei13467.blogspot.com.br/2017/08/tema-1-eficacia-da-norma-processual-no.html (acesso em 9/1/2018).
14 Para a PGR, com integral razão,“[a] legislação impugnada investe contra garantia fundamental da população trabalhadora socialmente mais vulnerável e alveja a tutela judicial de seus direitos econômicos e sociais trabalhistas, que integram o conteúdo mínimo existencial dos direitos fundamentais, na medida de sua indispensabilidade ao provimento das condições materiais mínimas de vida do trabalhador pobre”.
15 O que também é objeto da ADI n. 5.766/DF, da PGR, que aponta a inconstitucionalidade do novel parágrafo 2º do artigo 844 da CLT (previsão de condenação do beneficiário de justiça gratuita a pagamento de custas quando der causa a arquivamento do processo por ausência à audiência inaugural), notadamente à vista da previsão inserida no parágrafo 3º, que condiciona o ajuizamento de nova demanda ao pagamento das custas devidas no processo anterior.
16 Assim, p. ex., os acordos fraudulentos, ruinosos, temerários ou simulados (v., a respeito, FELICIANO, Guilherme G. Por um processo realmente efetivo: tutela processual de direitos humanos fundamentais e inflexões do “due process of law”. São Paulo: LTr, 2016, passim); ou ainda, no plano formal, acordos celebrados por quem não é parte legítima “ad causam”, ou por quem não detém plena legitimidade “ad processum” (e.g., aquele que não estiver assistido ou representado por quem de direito) etc.
17 No processo civil, esse prazo é inferior, o que deflui dos artigos 517 e 523 do CPC/2015.
18 Isto em janeiro de 2018, quando se finalizava este artigo.
19 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 2000, p. 35.
20 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração de Filadélfia. 1944, p. 19. Disponível em < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf >. Acesso em 14 dez. 2017.
21 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração de Filadélfia. 1944, p. 5. Disponível em < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf >. Acesso em 14 dez. 2017.
22 Veja-se, por todos, FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso Crítico de Direito do Trabalho: Teoria Geral do Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013, passim (notadamente o tópico 6.3.1).