O problema não está na produtividade dos juízes, mas na falta deles, afirma entidade
A Anamatra repercutiu, nesta sexta-feira (29/12), reportagem da Revista Exame, de 27/12/2017, de autoria do jornalista Álvaro Bodas (clique aqui para ler), que tenta abordar os motivos da lentidão no Judiciário. De acordo com o Presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, “o teor da reportagem confirma integralmente as ponderações que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho vem fazendo, já há cerca de seis anos, quanto aos desgastes impostos à Magistratura e ao seu progressivo desinteresse, como opção de carreira, entre os melhores quadros oriundos das faculdades de Direito. A se aprofundarem as perdas remuneratórias e a se aprovarem as tantas propostas legislativas que direta ou indiretamente amesquinham as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, a curva tendencial fatalmente apontará para um futuro próximo com muito mais demandas e muito menos juízes, menos qualificados e menos motivados”.
Segundo o texto da Exame, o Brasil possui o 30º Judiciário mais lento do mundo, entre 133 países, segundo o Banco Mundial. Isso não se explica, porém, pela baixa produtividade dos juízes brasileiros. Ao contrário, “[o] Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM) em 2016 foi de 1.749 processos, o que significa a solução de mais de sete processos ao dia, em média, por juiz. São números muito melhores do que a média anual de 959 processos dos juízes italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses, por exemplo, de acordo com dados de 2014. Ao que poderia ser creditada, então, a lentidão da nossa Justiça? Uma das causas apontadas é justamente a falta de juízes. (...) Judiciários estrangeiros que funcionam melhor têm mais juízes e um número infinitamente menor de processos”. Há poucos juízes, também na perspectiva da população brasileira. Enquanto na Europa a média é de 17,4 juízes para cada 100.000 habitantes, no Brasil essa média é de apenas 8,2 magistrados para cada 100.000 habitantes. Os juízes brasileiros recebem, ademais, o dobro de novos casos por ano, relativamente aos colegas europeus.
Em 2016, o Poder Judiciário brasileiro encerrou o ano com quase 79,7 milhões de processos em tramitação, sendo 29,4 milhões de novos casos e quase igual número de ações baixadas. Daí porque os juízes brasileiros estão entre os mais produtivos do mundo, como aponta a reportagem. A Justiça do Trabalho, presente em 624 municípios brasileiros, foi o ramo do Judiciário com a maior alta no volume de ações. Mas, enquanto na Justiça em geral o percentual de processos não solucionados naquele ano teve um índice médio de 73%, na Justiça do Trabalho esse índice chegou a 6,8% (o menor entre todos os ramos judiciários).
Para a Anamatra, afirmar que a Justiça é lenta é ilação que, em si mesma, a nada serve. Interessa, ao revés, analisar de maneira aprofundada quais os motivos dessa lentidão. Entre os principais motivos que prejudicam a prestação jurisdicional célere e adequada – como já demonstrado em diversos dos relatórios “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – estão o excesso de processos, que sobrecarregam todas as instâncias, a falta de uma estrutura adequada que garanta condições mínimas de trabalho para magistrados e servidores e, no caso específico da Justiça do Trabalho, recentes cortes orçamentários que estão sendo superados com dificuldades (em 2016, a Justiça do Trabalho sofreu corte orçamentário de 30% nas despesas de custeio e de 90% nas despesas de investimento).
Justiça do Trabalho - Sobre a Justiça do Trabalho, a reportagem dá especial enfoque às cerca de 11 mil ações trabalhistas que ingressam por dia, em média. Só em 2016, foram mais de três milhões de novos processos. Elas representam 40% das ações que ingressam na Justiça da União, totalizando 7,6 milhões de processos envolvendo rescisões, danos morais ou remunerações diversas do trabalho. Seriam muito mais numerosas que as ações trabalhistas nos EUA (cerca de 70 vezes mais) ou no Japão (cerca de 1.000 vezes mais).
Mas a Anamatra ponderou, a respeito, serem duvidosos os percentuais apresentados na publicação. Convém analisar, p. ex., o que se entende por “ações trabalhistas” para o efeito estatístico, já que a competência material da Justiça do Trabalho brasileira alcança qualitativamente muito mais causas do que os tradicionais dissídios entre trabalhadores e empregadores (art. 114, I a IX, da Constituição); abrange, inclusive, parcela respeitável das próprias execuções fiscais (que, segundo a própria reportagem, correspondem à classe processual que mais “infla” os números da judicialização no Brasil). A entidade lembrou ainda que, de acordo com a pesquisa “Justiça em Números” do CNJ, em 2016 a Justiça do Trabalho foi o ramo do Judiciário que mais resolveu processos por meio de conciliação (26%), índice que aumenta para 40% quando apenas a fase de conhecimento de primeiro grau é considerada. Também foi a Justiça do Trabalho o ramo que obteve maior percentual de processos novos ingressados por meio eletrônico: foram mais de 99% no primeiro grau, 92,1% nos Tribunais Regionais do Trabalho e 100% no Tribunal Superior do Trabalho (TST), enquanto a média geral nos outros ramos da Justiça é de 70,1%.
Na Justiça do Trabalho, por fim, o índice de atendimento à demanda – indicador que verifica se o tribunal foi capaz de baixar processos em número equivalente ao quantitativo de casos novos – ficou em 100,3%, o que mostra o esforço para evitar o aumento dos casos pendentes. Em média, a cada grupo de 100 mil habitantes, 12.907 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2016. Na Justiça do Trabalho, foram 1.721,2.
Para Feliciano, “é certo que o volume de trabalho judicial aumenta exponencialmente ─ e a reforma Trabalhista provavelmente não modificará isto, a médio e longo prazos ─, mas o número de juízes e desembargadores não, o que explica os nossos gargalos no quesito celeridade. E, não bastasse, vagas existentes não são supridas. É preciso, a uma, revalorizar as carreiras típicas do Poder Judiciário, para que os melhores profissionais do Direito voltem a buscar a Magistratura e todas as vagas sejam preenchidas. E, a duas, é preciso reestruturar o Poder Judiciário nacional, considerando-se a nossa população e os nossos naturais índices de litigância. Os parâmetros da Lei n. 6.947/1981 (que “estabelece normas para criação e funcionamento de Juntas de Conciliação e Julgamento e dá outras providências”), em seus artigos 1º e 2º, há muito são ignorados; e a lei segue em vigor. Políticas de solução alternativa de conflitos são bem-vindas, desde que não mediocrizem direitos fundamentais e nem dificultem o pleno acesso à Justiça; e já são muito bem praticadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Mas não bastarão. No campo jurídico-social, elevada rotatividade de empregos, aguda desigualdade social e legislação tecnicamente imperfeita são os grandes motores da judicialização. E, neste momento, é exatamente esse o cenário que se abre à Justiça do Trabalho para o biênio 2018-2019”.
Durante o Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em setembro deste ano em Brasília/DF, a Associação, por meio de seu presidente, também registrou ser “importante que as metas nacionais de produtividade não sejam lançadas sem correspondentes metas estruturais, uma vez que o aumento da produtividade não prescinde de condições mínimas de trabalho para magistrados e servidores, a bem da sua própria integridade psicossomática”. Da mesma maneira, a Anamatra pugnou pela relativização das metas quantitativas em relação a ações trabalhistas acidentárias que envolvam perícias, pela sua natural demora. Não foi atendida, porém, em nenhum dos seus pleitos.