Magistrado fez a conferência de abertura da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado proferiu a conferência de abertura da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, evento promovido pela Anamatra de hoje (9/10) até terça, com o apoio de diversas entidades, para discutir a aplicação e interpretação da Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que entra em vigor no dia 11 de novembro. Em sua intervenção, o ministro ressaltou a importância do evento como forma de promover um “estudo coletivo” da nova norma e defendeu que sua aplicação, assim como ocorre com as demais leis do país, seja feita à luz das previsões da Constituição Federal. “Qualquer norma jurídica, por mais clara que possa parecer, precisa de interpretação”, defendeu.
O ministro centrou a sua apresentação explicando os cinco métodos de interpretação previstos na hermenêutica jurídica, alguns deles, segundo ele, já superados com os acontecimentos históricos e da ciência do Direito brasileiro, em especial após a promulgação da Constituição em 1988. Nesse último ponto, falou do método gramatical, que previa a interpretação literalista da manifestação linguística da lei, e do histórico, que preconizava a aplicação da lei com base nos anais do Parlamento ou de reuniões do Poder Executivo (não considerado um método por alguns juristas).
Para o ministro Maurício Godinho, os três outros métodos (mais modernos) são consensuais na literatura hermenêutica e podem ser aplicados ao mundo jurídico atual, o que inclui a Lei nº 13.467/2017 e suas alterações no âmbito do direito individual, coletivo e processual trabalhista: os métodos lógico-racional (compreensão da norma jurídica a partir do seu sentido lógico de forma não isolada e dentro do contexto normativo), o sistemático (integração da norma jurídica ao contexto do conjunto sistemático do Direito mais próximo) e o teleológico (observância dos fins sociais e humanísticos da norma).
No caso dos métodos lógico e sistemático, o ministro defendeu que a Lei nº 13.467/2017 seja interpretada no contexto da CLT e das demais leis ordinárias de natureza trabalhista e social e também de outros institutos, quando a lei assim reportar, a exemplo do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. “Outro plano de integração é a própria Constituição Federal, que obviamente é a matriz geral de todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro”, apontou, defendendo inclusive a inviabilidade geral da norma, caso a mesma afronte a Carta Magna. As normas internacionais de direitos humanos das quais o país é signatário também foram apontadas pelo ministro dentro desse plano. “Esses documentos compõem sim o Direito do Trabalho no país, pois internamente atuam como normas supralegais por decisão do Supremo Tribunal Federal. Não há constitucionalismo humanístico e social sem prevalência da pessoa humana na ordem jurídica. Seria uma contradição que afrontaria todas as regras de hermenêutica”, comparou.
Com relação à interpretação teleológica o ministro explicou que ela acentua os métodos lógico-racional e o sistemático e é enfatizada por todos os diplomas legais brasileiros, determinando que o intérprete sempre tenha em mente, ao fazer a leitura de qualquer norma jurídica, os fins sociais e humanísticos objetivados. “Esses três métodos têm de ser utilizados de maneira conjugada e harmônica, cada um agregando ao outro, para atingir uma compreensão civilizada e adequada à matriz constitucional e internacional ratificada vigorante na ordem jurídica interna”, explicou o ministro.
Legislação trabalhista – Segundo Godinho, a interpretação da lei trabalhista sempre foi feita no sentido de acentuar esses três métodos modernos, em especial o teleológico. O caput art. 8º da CLT, que preceitua a necessidade da interpretação da norma jurídica sem que interesses pessoais e de classe prevaleçam sobre o interesse geral, social ou do conjunto jurídico enfocado por aquele ramo, corrobora para esse entendimento. “Esses parâmetros me parecem fundamentais na leitura da nova lei”, disse.
O ministro trouxe como exemplos dessa tese as restrições impostas pela reforma no que se refere a grupo econômico, cujo conceito deve ser interpretado de forma mais ampla, assim como já ocorre no conjunto jurídico geral como um todo, bem como a prescrição intercorrente e a interrupção da prescrição, cujas aplicabilidades devem ser feitas levando em conta o contexto lógico-racional, sistemático e teleológico. “Norma supressora de direito deve ser aplicada de forma restrita e estrita”, defendeu.
Godinho também mencionou a necessidade de se analisar com cautela a previsão do art. 8º, §3º, da Lei nº 13.467/2017, que preceitua a intervenção mínima dos juízes nos acordos e convenções coletivas de trabalho. “A interpretação literal nos levaria a algo absurdo. Então o Poder Judiciário não é mais Poder Judiciário? Não há separação de Poderes? Não existe mais acesso à Justiça no campo constitucional brasileiro para um juiz do Trabalho? De que adianta o acesso se o juiz não pode dizer o direito?”, indagou.
O magistrado criticou ainda as restrições impostas pela nova lei às indenizações por danos extrapatrimoniais, em especial no que se refere ao acesso aos bens de um trabalhador pelos seus herdeiros, cujos parâmetros observados devem ser os do Código Civil. A tarifação do dano também é preocupação do ministro, que ressalta a necessidade de ser observar o art. 5º, que prevê que o mesmo deve ser proporcional ao agravo. “Não cabe o tarifamento, muito menos em relação ao salário do trabalhador. Isso é discriminação. Temos uma Constituição no país e ela se aplica sempre. Não há lei que tenha tamanho poder em qualquer Estado Democrático de Direito”, disse.
Ao final de sua conferência, o ministro Maurício Godinho também manifestou a sua preocupação com as restrições da Lei nº 13.467/2017 à algumas parcelas, que deixam de ter natureza salarial, às dispensas coletivas, à liberação da terceirização, à negociação coletiva, à duração do trabalho e intervalo sem correlação com a saúde, às normas do direito processual e sua relação com o acesso à Justiça, entre outras mudanças impostas pela nova norma.