Magistrado participou de painel sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais
O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, participou na última semana do seminário "A saúde do trabalhador e os transtornos mentais à luz das recentes reformas trabalhistas", promovido pela Escola Judicial do TRT15 (Campinas e Região. O magistrado levou sua contribuição no painel "Reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais à luz da Lei 13.467/2017", que reuniu também o desembargador João Batista Martins César, presidente do Comitê Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da 15ª Região.
A coordenação dos debates coube ao presidente do Tribunal, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, que comentou sobre a importância do evento. "Não adianta ficarmos lamentando os equívocos da reforma trabalhista. A nova lei tem de ser aprofundada e debatida, para podermos aplicar a CLT da melhor forma possível, pensando sobretudo nos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho", conclamou o magistrado.
Feliciano iniciou sua participação questionando os pressupostos econômicos da reforma trabalhista, em especial a ideia de que o direito do trabalho é "inimigo" da produtividade das empresas. "Há uma década o Brasil esteve próximo do pleno emprego e tínhamos a mesma legislação trabalhista agora considerada um entrave ao desenvolvimento do País. Esse fundamento não se sustenta. O propósito da lei é a mediocrização do direito do trabalho, sua apequenização, com base no princípio da intervenção mínima do Estado", avaliou o juiz Guilherme Feliciano. Ele criticou sobretudo o fato de se negar ao juiz o exame de eventuais vícios nas negociações entre patrões e empregados. "O contrato de trabalho é o único negócio jurídico cujo teor não poderá mais ser analisado pelo juiz, que deverá se limitar a cuidar das questões formais, em flagrante violação ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal".
Para o presidente da Anamatra, a fixação de "bandas" deverá ser vetada pelo STF, a tomar pela decisão da Corte, em abril de 2009, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130. Por maioria, os ministros do Supremo decidiram que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), que regulava o valor das indenizações por dano moral de forma tarifada, era incompatível com a atual ordem constitucional. "As bandas limitam a livre convicção motivada do juiz. Há que se aferir as circunstâncias do fato. Imaginem que o elevador de uma empresa despenca com o CEO da empresa, um trabalhador e um visitante. Pela nova lei, se o dano moral sofrido for considerado grave, o trabalhador e o executivo da empresa vão receber uma indenização de até 20 vezes o seu último salário. Já o visitante poderá reclamar na Justiça Estadual, e aí o céu é o limite. Isso fere a isonomia constitucional”.
O magistrado ainda lembrou que muitas inconstitucionalidades e incongruências da nova lei foram reconhecidas pelo próprio governo, que prometeu vetar alguns pontos por meio de medida provisória. “Até agora nenhuma MP foi editada. Somos a única magistratura limitada por lei a um regime de bandas, embora a Justiça do Trabalho seja a que mais tutela a personalidade humana. Cabe aos juízes do trabalho, no seu controle difuso de constitucionalidade, identificar a inconstitucionalidade da tarifação da CLT”.
Já focando no tema central de sua palestra, o presidente da Anamatra abordou os danos morais decorrentes das mudanças nos processos produtivos do final do século XX, em especial das novas formas de contratação e gerenciamento, como a terceirização e a subcontratação, que, segundo ele, têm “ganhado o imaginário dos empresários”. Para o magistrado, ainda que essas mudanças tenham reduzido muito a margem de erro na produção, do ponto de vista humano as novidades foram trágicas, provocando transtornos mentais e comportamentais, entre os quais os mais frequentes são a depressão, o transtorno bipolar, o alcoolismo e o TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2003, 5 mil pessoas morrem diariamente durante o trabalho. Já as doenças ocupacionais, conforme o mesmo levantamento, somam 160 milhões de casos por ano no mundo. Só os transtornos mentais graves incapacitam de 5% a 10% da população ativa mundial.
Guilherme Feliciano também chamou a atenção para o fato de que a lei não faz referência a dolo ou culpa, o que, segundo ele, permite que se atribua ao causador do dano responsabilidade objetiva ou subjetiva, dependendo da hipótese. "Se o dano implicar desequilíbrio ao ambiente do trabalho, podemos aplicar o artigo 14, parágrafo 1º, da lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente [Lei 6.938/1981], o qual obriga o poluidor, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. Assim, em caso de depressão ou neurose profissional causadas por assédio, devemos reconhecer a responsabilidade objetiva da empresa por esse dano”.
Na avaliação do magistrado, a tônica deve ser evitar o dano, com a incorporação, à lógica protetiva do direito do trabalho, de alguns princípios do direito ambiental, como o da proteção, inscrito no artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal, e o da precaução, estabelecido como Princípio 15 da Declaração da Rio 92, documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. Conforme esse princípio, incorporado à Lei de Biossegurança, quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. "Isso significa que, quando houver ameaça de dano, ‘in dubio pro natura', ou seja, ‘pro homine'. Se há dúvidas sobre o risco de uma caldeira explodir, desligue-se a caldeira”.
Feliciano concluiu conclamando todos a "fazer uma boa limonada com o limão oferecido pelos legisladores. Temos um novo paradigma legal, mas por trás deles temos valores, princípios e regras constitucionais. Basta entender isso. Tudo o que se criou, se for compreendido com a lente da Constituição Federal, será para o bem”.
* Com informações e foto do TRT 15