Associadas da Anamatra fazem relato sobre episódios de violência na Cinelândia (RJ) no dia 28/4

Agência Brasil

Vários órgãos de imprensa divulgaram matérias sobre violência no dia 28/4, por ocasião da greve geral. O Jornal Nacional deste sábado trouxe imagens do momento em que um estudante foi agredido em Goiânia (está em estado grave) http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/04/estudante-agredido-por-policial-em-protesto-em-goiania-esta-em-estado-grave.html; também sobre a desproporcionalidade da atuação da Polícia Militar na Cinelândia, onde havia uma manifestação pacífica, e de “vândalos” (termo que sempre usa), conforme matéria no link a seguir: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/04/mp-vai-investigar-excessos-de-vandalos-e-de-policiais-no-rio.html

Embora seja dever constitucional das forças de segurança a preservação da ordem pública, não podem elas mesmas, por ação descoordenada e desmedida, provocar mais transtornos em locais com grade número de pessoas, colocando em risco a vida e a integridade de quem vai ao espaço público exercer o sagrado direito de protestar pacificamente, fazendo a escolha cidadã de DIZER NÃO ao que entende estar caminhando mal, como no caso das reformas trabalhista e da Previdência, que se ainda não despertou alguns que estejam desinformados, representa o maior pacote de desmonte de diretos dos últimos setenta anos.

No caso das bombas jogadas gratuitamente pela Polícia na Cinelândia, vários profissionais do meio jurídico ali estavam, inclusive três Juízas do Trabalho, associadas da ANAMATRA, que divulgaram pelas redes sociais os seguintes depoimentos, aqui reproduzidos:

Relato de Áurea Regina Sampaio, Juíza do Trabalho (RJ) – “Eu estava na manifestação de ontem (28/04/2017) no Rio de Janeiro. Por volta das 17h20 cheguei com alguns colegas na Cinelândia, onde havia milhares de pessoas. Professores, servidores públicos, sindicalistas, juízes, procuradores, bancários, enfim trabalhadores e cidadãos protestando de forma veemente e pacífica contra as reformas trabalhista e previdenciária.

Além dos manifestantes, havia pessoas saindo do trabalho, turistas, crianças, idosos sentados nos bares, tudo dentro da normalidade. A manifestação estava apenas iniciando e uma parlamentar estava discursando.

De repente, sem que nada de anormal ou ação violenta tivesse acontecido, a polícia apareceu e começou a jogar bombas de gás pra todo lado. Ninguém conseguia entender o que estava acontecendo. As pessoas corriam de um lado para outro tentando se proteger das bombas e das balas de borracha.

Eu e mais três colegas conseguimos entrar num prédio próximo e nos refugiamos no escritório de duas advogadas, que gentilmente nos acolheram, e da janela ficamos observando a ação da polícia, que continuou os ataques até quando não havia mais ninguém que conseguisse permanecer no local.

Achamos que a situação tinha se acalmando e decidimos ir para a estação do metrô da Gloria. Contudo, próximo aos Arcos da Lapa nos deparamos com uma praça de guerra. Ônibus incendiados, inúmeros policiais jogando bomba, pessoas correndo assustadas.

Conseguimos nos refugiar num pequeno mercado, onde estavam aproximadamente 30 pessoas, entre elas um grupo de turistas do interior de São Paulo, apavorados.

O dono fechou a porta, mas ela não conseguiu impedir a entrada do gás da bomba que a polícia jogou logo em seguida. Ficamos encurralados, respirando gás.  A garganta e os olhos ardendo. Fomos todos para o interior da câmera frigorífica do mercado, com a porta aberta, único local onde era possível respirar.

O pavor aumentava, porque a cada instante ouvíamos os estrondos de mais bombas. Não havia alternativa, o centro da cidade estava cercado pela polícia, que enxergava qualquer pessoa como vândalo e inimigo.

Infelizmente a mídia só noticia os atos isolados de vandalismos na tentativa de justificar a ação truculenta da polícia do Rio de Janeiro e desqualificar as pessoas que foram participar da manifestação.

Não acreditem!  Não é verdade!

O que ocorreu, realmente, foi uma repressão desproporcional e truculenta, repito, contra cidadãos que estavam exercendo o seu direito sagrado e constitucional de se manifestar livremente.

Para não ouvir a voz do povo, a opção foi jogar bombas que impossibilitam momentaneamente a respiração normal, a visão e a fala. Lamentavelmente a missão foi cumprida. Dispersaram os manifestantes, calaram a voz do povo.

Pretendo com esse relato esclarecer os fatos e alertar a sociedade sobre o perigo que se esconde atrás do apoio a este tipo de ação da polícia e do Governo.

Independente de ser contra ou favor das reformas, não podemos, como cidadãos, deixar que nos calem. Seria a morte da democracia, que tanto tempo levamos para reconquistar”.

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Relato de Lila Carolina Lopes – Juíza do Trabalho (RJ) – “Amigos, Eu tinha saído do Facebook, mas volto hoje para, a exemplo de tantos outros, dar o depoimento do que VI E VIVI, e que possivelmente não será mostrado nos grandes jornais... Ninguém me contou, eu estava lá.

Vi pessoas que foram pacificamente protestar contra as reformas trabalhista e da previdência serem impedidas de realizar a manifestação, marcada para as 17h na Cinelândia, porque já nessa hora os policiais jogavam bombas e gás pimenta, gratuitamente.

Vi as pessoas correndo assustadas, vi pessoas chorando, vi pessoas que se perderam dos amigos, vi indignação em todos os olhos... Vi muitas pessoas se ajudando. Vivi tudo isso também.

Não acreditem que jogaram bombas para conter “vândalos” e que a polícia somente “reagiu”, como li em alguns jornais. Isso pode ter ocorrido isoladamente ou depois, isso eu não vi... A manifestação na Cinelândia estava pacífica, estava começando, e foi reprimida pelos policiais. Uma repressão duríssima, violenta e covarde contra o sagrado direito de manifestação.

Atenção: isso não é um post sobre ser contra ou a favor da reforma trabalhista. Não se trata disso. É sobre você ir às ruas com seus amigos protestar pacificamente e ser expulso por bombas. É sobre você tentar verbalizar aquilo em que acredita mas não conseguir respirar e ficar tossindo depois de levar gás pimenta na cara.

Muito triste”

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Relato da Rosane Catrib – Juíza do Trabalho (RJ) - “Imaginando não haver violência maior do que a projetada alteração prejudicial de nada menos que 104 artigos da CLT, “reforma” urdida em não mais que duas semanas, a ser votada sem qualquer debate parlamentar sério, na calada de uma noite dessas, como só age um Legislativo há muito divorciado da sociedade e da realidade, decidi participar das manifestações públicas contra as reformas da previdência e trabalhista. Com um grupo de colegas juízes do trabalho e funcionários do TRT-01, imbuídos todos da ideia de contribuir para a construção de um País mais justo - ou, quando não, pelo menos um País mais honesto, democrático, possível -, saímos do foro da Rua do Lavradio em direção à Cinelândia.

Necessário dizer que eu tudo fazia a despeito das preocupações e advertências de meu marido e de minha sobrinha, que conosco vive, diante das notícias de tumulto e violência havidas em manifestações anteriores, além do desvirtuamento dos ideais dessas manifestações por conta dessa violência mesma.

E, com efeito, não conseguimos chegar à Praça, de onde ouvimos as bombas e gritos, e de onde as pessoas já fugiam apavoradas.  Decidimos, então, retornar ao Tribunal, o que também nos foi impedido, vez que a polícia militar também vinha, com suas bombas, escudos e cassetetes, impedindo a dispersão dos manifestantes, vale dizer, pacíficos: não vi ninguém de preto, com pedras, paus ou qualquer ato de vandalismo; eram, como nós, pessoas comuns que foram pegas em seus caminhos cotidianos ou em seu desejo, pacífico e legítimo, de viver em um País melhor.

Por duas horas, então, vivi algo do terror, da violência real cujos detalhes serão aqui poupados, assim como poupei meu marido e sobrinha, tão logo cheguei em casa, sã e salva, restaurado o nosso mundinho.

Mas e o País?  Na tevê, imperava uma terra desvirtuada: a terra da violência fútil, da baderna sem sentido, do ódio desmedido às instituições.   Tudo dito como se as manifestações não passassem de uns poucos encapuzados atirando pedras na polícia, queimando ônibus e quebrando vidraças de bancos.  Tudo dito como se as projetadas reformas fossem inconteste salvação, coisa de “primeiro mundo”, um pouco de civilização rejeitada pela bugrada ignorante.

Então, havia sido minha manifestação desvirtuada, como dissera meu marido?  Não, me respondeu ele mesmo, me fazendo ver que a virtude, como uma qualidade moral, já existia no exato momento em que eu me propus a sair de nosso mundinho para buscar um País melhor, mais justo, mais honesto, de forma pacífica, adulta, civilizada.

Ficou visível, assim, o problema maior da manifestação distorcida cujos propósitos, ideias e ideais, são tão facilmente escondidos, a ponto de serem silenciados como se inexistissem. Fica um gosto amargo na boca, real porque sintoma da inalação de gás lacrimogênio, e a indagação: como protestar contra leis autoritárias e governantes arbitrários sem parecer desrespeitoso para com as instituições?  Como ir às ruas pacificamente se a própria polícia se predispõe à violência? É preciso encontrar respostas urgentes”.

A divulgação desses depoimentos tem a finalidade de esclarecer sobre o ocorrido naquele dia e naquele espaço, para que o Brasil não aceite a troca da democracia pela banalização da violência.

 

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