Juízes do Trabalho visitam o Conselho de Estado da França

Participantes do 9º Congresso Internacional da Anamatra conhecem um pouco mais do órgão responsável pelo aconselhamento do Governo

Os 120 juízes do Trabalho que participam na França do 9º Congresso Internacional da Anamatra conheceram, na tarde desta segunda-feira (20/2), o Conseil d´État (Conselho de Estado), órgão de cúpula da Justiça Administrativa francês. Os congressistas foram recebidos pelo conselheiro Yves GOUNIN, delegado para Relações Internacionais do órgão, a quem coube a explanação sobre a história, as missões e a organização do Conselho, criado em 1779 por Napoleão Bonaparte. 

O Conselho, segundo explicado por GOUNIN, possui dupla função: jurisdicional e consultiva. É o conselheiro do Governo na preparação de propostas legislativas e de pareceres sobre questões administrativas ou políticas públicas e é juiz supremo da ordem jurisdicional administrativa, responsável pelo contencioso das atividades do Poder Executivo, das coletividades territoriais, das autoridades independentes e dos estabelecimentos públicos administrativos ou dos organismos que dispõem de prerrogativas de poder público. Abaixo do Conselho de Estado estão as oito Cortes Administrativas de Apelação e os 42 Tribunais Administrativos, esses últimos responsáveis pelos processos em primeira instância. 

O professor esclareceu também a obrigação do Governo de submeter ao Conselho todos os projetos de lei e decretos antes de passar ao Parlamento. “Mas o parecer não obriga o Governo a seguir, ele tem a liberdade de tomar uma decisão diferente do que recomendamos, porém em 85 a 90% dos casos o parecer é seguido”, disse. Segundo  o Yves GOUNIN, o papel do Conselho de Estado não é dar a opinião pessoal de um ou outro conselheiro, mas sim de ajudar a elaborar uma lei que foi construída, politicamente, pelo Governo. “Nós ajudamos, por exemplo, o Governo a modificar os artigos do Código Civil que reservavam o casamento apenas aos casais heterossexuais”, exemplificou. 

GOUNIN também deu exemplos da atuação contenciosa do Conselho de Estado em dissídios individuais com reflexos na ordem pública da França, a exemplo de um caso de proibição de show de caráter xenofóbico e racista por parte de um prefeito, tendo o artista recorrido à instância administrativa para revogar o ato, e da suspensão dos decretos que proibiam o uso de burkinis (trajes muçulmanos) em praias francesas,

O palestrante também falou sobre a composição do Conselho de Estado, com cerca de 300 membros recrutados junto à Escola Nacional de Administração (ENA) e um terço indicado pelo Governo, essa última cota reservada aos membros dos tribunais administrativos e cortes administrativas de apelação. Além disso, alguns membros optam por trabalhar fora do Conselho em apoio a outras atividades ligadas ao Poder Executivo em uma reserva de “alto escalão” junto ao Presidente da República e ao Primeiro Ministro, por exemplo. 

Ao final de sua apresentação, Yves GOUNIN fez um comparativo entre os ramos da Justiça francesa: a Justiça Administrativa e a Justiça Judiciária. “Não há uma simetria”. Nesse aspecto, o conselheiro explicou que o orçamento da Judiciária é dez vezes superior e o número de efetivos é três vezes superior. “A Justiça Civil e a Penal julgam, em média, cerca de dez vezes mais casos que a Administrativa". Mas, segundo GOUNIN, tais diferenças não prejudicam o funcionamento do órgão. “Por sermos pequenos, nós conseguimos nos defender, por exemplo, com relação aos cortes orçamentários”, finalizou.

Matéria trabalhista – Coube à Sophie-Justine LIEBER, Rappourter Public da 4ª Câmara da Seção de Contencioso, falar dos litígios trabalhistas que podem ser submetidos à jurisdição administrativa francesa. “Muitas decisões do Direito do Trabalho vão intervir no campo da Administração Pública e o juiz administrativo é o competente nessas questões”, explicou.

Justine também falou dos papéis do juiz administrativo nos dissídios de natureza trabalhista, sendo o primeiro deles o regulamentar dos textos que regulam o Direito do Trabalho. “É o poder clássico de aplicação da lei”, explicou. A palestrante trouxe diversos exemplos desse papel, a exemplo da regulação da representatividade sindical a nível nacional com relação à legitimidade de acordos coletivos e o estabelecimento da obrigatoriedade das eleições sindicais a cada quatro anos. 

O segundo papel do juiz administrativo, de acordo com a conselheira, é a possibilidade da extensão de um acordo coletivo de um ramo profissional para outro, mudança essa possível após a reforma trabalhista de 2016. O Conselho de Estado tem também o dever de rever os atos de demissão coletiva denunciados pela inspeção do trabalho, bem como de “proteger” um empregado com mandado sindical da despedida arbitrária. Segundo LIEBER, a função do fiscal do Trabalho, que está ligada ao Ministério do Trabalho na França, é de extrema importância, gozando esses servidores de alto poder. “A relação entre empregado e empregador é de natureza desequilibrada. Devemos proteger o mais fraco, em especial quando ele representa um mandado sindical, pois estamos protegendo toda a coletividade”. LIEBER também exemplificou a atuação do Administrativa da Justiça francesa para coibir casos de assédio moral e dispensas discriminatórias.  

Ao final de sua exposição, Sophie-Justine falou da importância da Justiça Administrativa para o Direito do Trabalho, bem como de seu “diálogo” com a Justiça Judiciária. “O juiz administrativo tem um espaço restrito, mas não negligenciado em matéria de Direito do Trabalho e ele faz isso com muito cuidado, discutindo sempre com o juiz de Direito (de forma formal e informal) quando já existe um litígio em andamento”.  

* Texto produzido com a colaboração do juiz Firmino Alves Lima (Amatra 15 – Campinas e Região). Confira abaixo comentário do magistrado sobre as palestras. 

“As palestras do Conselho de Estado mostram muito bem o elevado poder da jurisdição administrativa francesa sobre as relações de trabalho, apontando que o Estado francês tem um papel primordial na defesa do valor social do trabalho, principalmente na atuação dos entes de inspeção do trabalho, que gozam de poder destacado na organização estatal francesa”. 

 

 

Fotos: Alexandre Alves

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