Magistrados conhecem a organização judiciária da França

Foto: Alexandre Alves

Palestrante do Congresso Internacional da Anamatra fala do desafio do país onde os litígios ficam separados em diversas jurisdições

A segunda palestra desta segunda-feira (20/2) do 9º Congresso Internacional da Anamatra teve como tema “A organização judiciária na França” e foi proferida pela magistrada Laurence PÉCAUT-RIVOLIER, inspetora geral adjunta dos serviços judiciários e membro da Association Française de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale). A mesa foi presidida pela diretora de Eventos e Convênios da Anamatra, Anna Carolina Gontijo, e pelo professor Antoine Jeammaud, da Université Lumière Lyon 2.

No início de sua exposição, a magistrada falou dos dois grandes ramos da Justiça francesa: a  Justiça Administrativa e Justiça Judiciária. No caso da esfera judiciária, a magistrada explicou a forma de ingresso dos juízes à carreira, por meio de concurso nacional, podendo atuar em diversas matérias, como por exemplo nas varas de família, de menor e de assuntos penais. “Mudamos muito de função tendo como ideia o fato de que o magistrado deve ser plural, para atender o seu interesse e também da sociedade”, explicou. 

A Justiça Judiciária tem na Corte de Cassação o seu órgão de cúpula, responsável apenas por matérias de Direito e não de fato, seguida pelas Cortes de Apelação. Já na primeira instância, atuam os Tribunais de Grande Instância, que tomam decisões de forma colegiada, e os Tribunais de Instância, nos quais um único juiz decide sobre litígios civis e penais. Há, ainda, Tribunais Especializados: de Comércio (formado por juízes não togados e um membro do Ministério Público do Trabalho), de Segurança social, além dos Conseil de Prud’hommes (juízes não togados).

“Uma das dificuldades que temos na França é o fato de os litígios estarem separados em diversas jurisdições”, disse a magistrada. Nesse ponto, explicou, por exemplo, que os processos trabalhistas podem ser jugados nos Conseil de Prud’hommes (casos individuais), nos Tribunais de Grande Instâncias (casos coletivos), de Segurança Social (casos relativos a questões previdenciárias) e no Tribunais de Instâncias (casos relativos à representação da empresa). 

Conseil de Prud’hommes - Na segunda parte de sua exposição, Laurence PÉCAUT-RIVOLIER falou dos Conseil de Prud’hommes, conselhos formados por magistrados leigos (que não fizeram concurso)  e que foram escolhidos entre representantes de empresas e trabalhadores. Segundo, a magistrada, esses conselhos, competentes para julgar os litígios individuais trabalhistas, evoluíram nos últimos anos para acolher mulheres e cobrir todo o território francês, por exemplo. Atualmente, há 210 conselhos espalhados pelo pais, 14 mil conselheiros, 800 deles apenas na capital francesa, Paris. Recentemente, a França reformulou a forma de composição dos conselhos, feito anteriormente por eleição. “O problema é que não havia uma participação alta, além de ser uma eleição alta (100 milhões de euros). Com a mudança, os conselheiros passaram a serem designados por instituições representativas patronais e de trabalhadores”. Esses conselheiros são remunerados de forma proporcional ao tempo em que se dedicam a cada um dos processos.

Ainda sobre a composição dos conselhos, a magistrada explicou que atualmente os mesmos são compostos por 75% de homens realidade essa que vai mudar a partir das próximas eleições com a exigência legal de que sejam compostos por 50% de cada gênero. A repartição também é muito desproporcional  em relação à formação dos conselheiros, de acordo com a juíza, com 45% dos conselheiros patronais com formação superior, o que não ocorre entre os conselheiros advindos da representação dos empregados. 

Em que pese não haver a figura do juiz profissional, esses conselhos podem recorrer à ajuda de um magistrado de carreira quando a solução dos litígios termina de forma empatada, o que ocorre em cerca de 30% dos casos. “Umas das propostas da reforma trabalhista é que, desde que o processo chegue aos conselhos, ele seja presidido por um juiz profissional”. Segundo a magistrada, a mudança não foi bem recebida pelos conselheiros, que a consideram um desvio de origem. 

Segundo Laurence PÉCAUT-RIVOLIER, tem diminuído o número de conselhos na França, em parte, devido à introdução de um dispositivo legal na lei francesa que possibilita acordos entre empresas e empregados quando da ruptura do contrato. Para se ter uma ideia, esses conselhos julgaram 185 mil casos em 2015 contra 900 mil dos Tribunais de Grande Instância. Segundo a palestrante, apenas 2,3% das rupturas contratuais feitas de forma coletiva são conflituosas, contra 92% de processos relativos à ruptura de contratos individuais de trabalho. “De três em cada quatro casos, o empregado tem ganho de causa. Quando o patrão procura o conselho (cerca de 2% apenas), ele tem ganho de três em cada quatro causas. A problemática não é o fato de termos um conselho que deliberadamente está do lado do trabalhador”, esclareceu. 

* Texto produzido com a colaboração do juiz Fernando Reis de Abreu (Amatra 1/RJ). Confira abaixo comentário complementar do magistrado às palestras:

"Na separação de poderes francesa, o Executivo e o Legislativo entendem que os seus atos administrativos não podem julgados por apenas um juiz concursado. Com ele não foi eleito, não tem legitimidade para contestar esses atos de outros Poderes. Então, na França, a teoria de separação dos Poderes seria uma teoria de separação de Poderes 'à francesa' na qual foi criada a jurisdição administrattiva para julgar especificamente esse atos". 

 

 

Foto: Alexandre Alves

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