“Sindicatos não podem perder o seu papel de instrumento de defesa dos interesses trabalhistas”

Ministro Maurício Godinho alerta para os riscos da prevalência do negociado sobre o legislado

 

As propostas de flexibilização da CLT previstas no Projeto de Lei 427/2015 são vistas com preocupação pela grande maioria dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que defendem a relevância de se manter os parâmetros constitucionais e legais do Direito do Trabalho brasileiro. O alerta foi feito pelo ministro do TST Maurício Godinho que representou a Anamatra em audiência pública realizada nesta terça-feira (5/7) na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados. O PL busca autorizar a homologação, pela Justiça do Trabalho, de acordo e conciliações extrajudiciais em processos trabalhistas e tem como apensados os PLs 944/2015 e 4.962/2016.

O ministro reforçou que a Constituição Federal prevê de maneira equilibrada direitos em todas as esferas da sociedade. “A Constituição colocou como ponto central da sua construção alguns princípios humanísticos-sociais fundamentais como a centralidade da pessoa humana na vida social, a dignidade da pessoa humana, a justiça social, a valorização do trabalho e do emprego, o bem-estar individual e social”, disse. Godinho enfatizou que a Constituição não deixou de reconhecer o sistema econômico da iniciativa privada, mas a diretriz constitucional considera que os incentivos à ela se façam em harmonia a esses princípios constitucionais.

Sobre a possibilidade da homologação dos acordos extrajudiciais, conforme propõe o PL 427/2015, Godinho destacou já ser ampla a prerrogativa aberta pela ordem jurídica e pela Constituição à negociação coletiva trabalhista. “A autorização que a Constituição dá para a negociação coletiva tem que ser compreendida dentro da lógica com que o texto constitucional regula o exercício do poder no país. De maneira geral, a ordem jurídica já dá proteções e prerrogativas muito fortes ao poder econômico. E se a legislação alterar a natureza jurídica dos sindicatos para os transformar em um instrumento de rebaixamento de direitos dos trabalhadores, os próprios sindicatos estarão conspirando contra a sua existência e seus interesses”, alertou. Nesse ponto, de acordo com o ministro, é preciso analisar com cautela as propostas previstas no referido PL.

Godinho lembrou, ainda, do “Documento em Defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no Brasil”, recentemente elaborado e assinado por 20 ministros do TST que alerta para os discursos, crescentes em época de crise, em defesa da desregulamentação dos direitos trabalhistas, da redução de benefícios sociais, da terceirização e da mitigação da responsabilidade social das empresas. O documento já tem adesão de mais de 1.800 pessoas, entre magistrados, procuradores, advogados e representantes da sociedade civil. “77% daquela corte superior estabelece a relevância de se manter os parâmetros constitucionais e legais do Direito do Trabalho brasileiro e não se pode se valer de uma situação de crise econômica para se reduzir o patamar de gestão trabalhista e de direitos, fixados, inclusive, na Constituição e nas leis do país, gestadas, estruturadas e aperfeiçoadas pelo parlamento”, pontuou.

O ministro do TST assinalou o papel importante da Justiça do Trabalho na resolução de demandas judiciais. “A jurisprudência trabalhista tem enfrentado, nas últimas décadas, o tema da negociação coletiva e os poderes e os limites dessa negociação. Ela consegue, ao enfrentar alguns milhares de processos no seu dia a dia, cotejar com tranquilidade, equilíbrio e máximo de atenção a adversidade de interesses envolvidos. Essa é a linha central da jurisprudência trabalhista e me parece ser a linha efetivamente constitucional, porque ela leva em consideração esses princípios humanísticos que são fundamentais para uma economia e sociedade civilizadas, e são absolutamente compatíveis ao bom desenvolvimento da economia produtiva-capitalista, como tem se mostrado ao longo dos últimos 27 anos”, finalizou.

Manutenção de direitos

O vice-presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, também fez intervenção durante a audiência destacando que hoje, em tese, já é possível que trabalhador e empregador façam acordo extrajudicial, sem lei que impeça. “A grande questão são os efeitos dessa conciliação se eventualmente isso for discutido perante a Justiça do Trabalho. A Constituição Federal já prevê essa negociação envolvendo redução de salário com consequente redução de jornada. Mas a questão que se põe é, por que isso vem em modo de lei? O que preocupa a Anamatra é a lacunosidade desse texto e quais serão os efeitos da aprovação do PL 427”, alertou.

A audiência foi conduzida pelo presidente da Comissão, deputado Wolney Queiroz, e contou com a participação do presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho, e do 1º vice-presidente da Ctasp, deputado Orlando Silva. Pela Anamatra também participaram o diretor de Assuntos Legislativos, Luiz Colussi, a diretora de Aposentados, Virgínia Bahia, além de representantes do Ministério Público, das centrais sindicais e de confederações. O presidente da Anamatra, Germano Siqueira, que não pode participar da audiência por compromissos simultâneos no Congressos, disse que " é sempre importante deixar claro que as regressões de direitos sociais não constituem pensamento predominante na Magistratura nem no Tribunal Superior do Trabalho".

 

 

Foto Capa: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

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