Anamatra responde a críticas da ministra aposentada Eliana Calmon em encarte na Folha de S. Paulo

Em informe publicitário em favor da terceirização, magistrada afirma que Justiça do Trabalho tem “deformação estrutural”

O presidente da Anamatra, Germano Siqueira, divulgou nesta quarta (23/9) artigo no qual responde a críticas da ministra aposentada Eliana Calmon em informe publicitário veiculado na Folha de S. Paulo da última quinta (17/9).

Na publicação, custeada por sindicatos patronais em favor da regulamentação da terceirização, a magistrada afirma que a Justiça do Trabalho tem uma “deformação estrutural”, que “abocanha quase o dobro dos recursos destinados à Justiça Federal”, que o juiz brasileiro tem “formação deformada” e que a CLT “não atende às necessidades da sociedade brasileira”.

“A ministra aposentada Eliana Calmon chega ao fundo do poço de sua trajetória pública figurando como garota propaganda da precarização e quebra dos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros”, critica Germano Siqueira.

Confira abaixo a íntegra do artigo:


No fundo do poço

Por Germano Siqueira, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e juiz do Trabalho na 7ª Região (CE)

Depois de constrangedoramente recusada nas urnas do Estado da Bahia, quando concorreu ao cargo majoritário de senadora, obtendo apenas 8,4% dos votos, perdendo eleição até mesmo em seu condomínio, para síndica, o que bem evidencia a faixa de credibilidade que seu discurso desperta em quem a conhece, a ministra aposentada Eliana Calmon chega ao fundo do poço de sua trajetória pública figurando como garota propaganda da precarização e quebra dos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, como tristemente pode ser visto em encarte pago (patrocinado por várias empresas), veiculado pela Folha de S. Paulo (17/9), semelhante a esses apêndices publicitários de propagandas para vender xampu, escovas de dentes e papel higiênico, que são reproduzidos nas mídias regionais, fora da linha editorial, para atrair a atenção dos leitores.

É a mesma ministra que, quando esteve no Conselho Nacional de Justiça, promoveu contra a magistratura uma espécie de macarthismo correicional, em busca de popularidade fácil. Na época, sem amparo legal nem constitucional(e seria ilegal e inconstitucional em relação a qualquer cidadão brasileiro) jogava ao vento a pecha “bandidos de toga” ao se referir a magistrados, de forma indeterminada , sem nunca indicar o(s) "bandido(s)" a que se reportava em suas falas, projetando a figura dos malfeitores no imaginário social, no "buraco negro" das redes sociais, materializando injustamente essa imagem na figura de cada juiz, com a potencialidade de enfraquecer a instituição Poder judiciário e o próprio Estado. O máximo e inconcebível ato de insensatez, sem qualquer autocrítica ou arrependimento por desacreditar uma instituição tão importante para a democracia.

Algo semelhante, embora em outro contexto, ocorreu nos Estados Unidos e a opinião pública americana, já cansada de presenciar violações de liberdades, foi levada para superar o Macarthismo por ação de jornalista da Rede CBS ( Edward Murrow), revoltando-se contra aquele estado de coisas (o ambiente de “caça às bruxas”) , levando o senador McCarthy ao isolamento e à decadência (destino de todos os machartistas) , mas não sem que antes muitas pessoas tivessem comprometidas as suas carreiras profissionais e inclusive tirado a própria vida.

Na atividade judiciária Eliana Calmon e seu “vanguardismo do atraso” passou. E na “entrevista” combinada para o referido encarte, a ex-ministra fala sobre o que não conhece, invocando suposto argumento de autoridade (“no meu tempo de corregedoria”...) para dizer coisas tão disparatadas como que a Justiça do Trabalho “abocanhava”(?!) quase o dobro do orçamento da Justiça Federal, mesmo esse ramo produzindo 2,7 milhões de sentenças e a do Trabalho 3,3 milhões de julgamentos.

Mas informação completa, definitivamente, não parece ser o forte de Sua Excelência. Ao sugerir uma inconsistência orçamentária, apenas aparente, fica no ar o engano, a serviço dos patrocinadores do encarte. Na verdade, ambas as estruturas (Justiça do Trabalho e Justiça Federal) dão semelhantes respostas aos jurisdicionados em número de sentenças produzidas (em torno de 4 milhões ao ano, em números atuais), é verdade, mas o que esse discurso precisa traduzir e revelar, primeiro, são as finalidades institucionais e constitucionais distintas dos dois ramos judiciários, a Justiça do Trabalho para lidar com as relações de trabalho e sua dinâmica; a Justiça Federal para tratar dos interesses da União. Além do mais, se a ideia fosse apenas correr em busca de números frios, bastaria aos magistrados do Trabalho, que recebem quase todas as petições iniciais com de 15, 20 ou mais pedidos, decorrentes de três ou quatro núcleos de causa petendi, ao contrário das que chegam à Justiça Comum (estadual ou federal), que exigissem o protocolo de ações separadas, o que teria o efeito de multiplicar os 4 milhões de processos novos na estatística para 20 ou 25 milhões. É preciso, no entanto, mais seriedade nessa discussão.
Na verdade, são estruturas distintas, peculiares e importantes, mas não menos respeitáveis umas que as outras e essa falsa controvérsia (tosca mesmo), é trazida unicamente para instrumentalizar interesses contrariados, em detrimento de 100 milhões de trabalhadores que dela podem carecer um dia (cidadãos, eleitores brasileiros que não podem ser excluídos da tutela estatal), além de milhares de empresas, sujeitos sociais que encontram no Judiciário trabalhista o campo adequado para a solução dos conflitos, na medida que se trata de órgão com mais de setenta anos de existência no Brasil e desenvolve suas funções de forma madura e imparcial.

É importante lembrar, aliás, que a Justiça do Trabalho, como ramo especializado, existe também na Alemanha, na França, e até mesmo nos EUA há interferência estatal nas relações de trabalho é possível. No Brasil, a Justiça do Trabalho tem sido reconhecida por estudiosos como modelo de eficiência, destacando-se, no papel de mediar o conflito capital e trabalho, por via conciliatória ou por sentença, como importante vetor de pacificação social.

É preciso, portanto, que a voz de figuras oportunistas, detratoras das instituições e de seus agentes, desconectadas dos anseios do povo, ao ponto de defender posições que promovem o rebaixamento de sua condição social, sem nenhuma qualificação para opinar sobre os assuntos importantes como terceirização (inclusive do ponto de vista jurídico), não sejam acolhidas em ambiente de debate sério, a não ser como o que foi veiculado, ou seja, uma peça publicitária, sem nenhum compromisso com verdade.
Brasília, 22 de setembro de 2015


Foto: Gláucio Dettmar/ Agência CNJ

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