Um debate sobre o relacionamento do Poder Judiciário com a imprensa e a própria sociedade deu o tom do painel entre o jornalista da Folha de S. Paulo Fred Vasconcelos (Blog do Fred) e a docente da USP e pesquisadora do CNPq Maria Tereza Sadek na manhã desta quarta-feira (30/4) no 17º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), que acontece em Gramado (RS) simultaneamente ao 4º Encontro Nacional de Magistrados do Trabalho Aposentados. O debate foi mediado pelo juiz do Trabalho da 1ª Região Roberto da Silva Fragale Filho.
Primeiro expositor, o jornalista Fred Vasconcelos iniciou falando que a transparência do Poder Judiciário é uma exigência da sociedade e, muitas vezes, esse é diálogo é prejudicado pela crescente demanda judicial em detrimento da solução dos litígios em tempo razoável. “Temos uma séria de recursos protelatórios”, avaliou. Segundo ele, essa “demora do Judiciário” prejudica também a saúde dos próprios juízes. “E só agora vejo o CNJ criar uma comissão para discutir a saúde do juiz”.
Fred Vasconcelos falou ainda do que denominou “boas práticas” da Justiça do Trabalho, em especial atuando em temas como o combate à flexibilização dos direitos e a terceirização. “A pauta da Justiça do Trabalho é muito rica”, disse. Mas, segundo o jornalista, o maior efeito que se poderia ter na divulgação de práticas de maus empregadores seria nos meios de comunicação locais. “Mas, muitas vezes, nesses locais a imprensa está sendo vítima de pressões políticas”, alertou.
O jornalista avaliou que, nos tempos atuais, a imprensa passou a cobrir o Judiciário por dentro pois, até então, o que chamava a atenção eram as grandes denúncias envolvendo grandes personalidades. “Mas essa abertura não resultou do talento investigativo dos jornalistas. Foi o Judiciário que se abriu para a imprensa através do CNJ, por exemplo”. Nesse ponto, também deu como exemplo a questão da quebra de sigilo do processo do mensalão. Mas, apesar do aprimoramento desse relacionamento, um dos obstáculos encontrados pela imprensa, na visão do jornalista, é a dificuldade de acompanhar o tempo do processo. “Hoje temos uma competição pelo ‘furo’ online, o que contribui para uma cobertura superficial”, opinou.
Ao final de sua exposição, Fred Vasconcelos saudou a iniciativa da Anamatra ao se dispor a ouvir a sociedade. “Nós jornalistas não cultivamos como deveríamos a prática de ouvir e aceitar opiniões divergentes”, disse. Citando as palavras do presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt: ‘em uma sociedade democrática, a independência da Magistratura é a maior garantia da sociedade’, acrescentou: “E também a independência da imprensa”.
Em sua intervenção, a professora Maria Tereza Sadek contextualizou historicamente a relação do Poder Judiciário com a sociedade, demonstrando as diferenças nesse relacionamento nos sistemas parlamentarista e presidencialista de governo. Nesse aspecto, explicou que o Judiciário nem sempre foi um poder, a exemplo do que aconteceu no parlamentarismo. “Ele não detém o controle de constitucionalidade das decisões do Legislativo ou do Executivo”, disse. Mas, de acordo com a professora, atualmente a realidade é diversa. “No Brasil chegamos a uma situação em que o Poder Judiciário é muito empoderado, tem muito mais força”, disse.
“A ideia no estado liberal era é de que o juiz estava afastado da sociedade. Daí a ideia de que ele era apenas a boca da lei, apenas se pronunciava sobre aquilo que a lei dizia. Para o juiz típico da realidade liberal, as questões sociais não tinham importância”, disse. Mas, atualmente, o modelo de relacionamento do Poder Judiciário com a sociedade é distinto. “A relação com a sociedade abre um caminho que vai se alargando no decorrer do tempo. Todas as grandes questões passam pelo Poder Judiciário”. E, par Sadek, essas mudanças devem-se em especial ao reconhecimento dos direitos sociais a partir do século XX. “Esses direitos exigem um Estado interventor e, nessa medida, um Judiciário que corresponda a essa exigência. E a sociedade se torna um polo para o diálogo”.
O modelo constitucional da atualidade na visão de Sadek exige que o Judiciário se pronuncie sobre variados temas e isso muitas vezes é criticado pela imprensa. “O Judiciário se torna, para o bem ou para o mal, um ator político importante”. Outro aspecto que deve ser relevado, na visão da pesquisadora, é a heterogeneidade da sociedade. “Temos uma sociedade que vive com extrema desigualdade cumulativa e nós temos, do ponto de vista legal, uma cidadania universal. Temos uma contrariedade entre o que está na lei e o que encontramos na realidade: uma sociedade marcada por fortes privilégios”, disse.
Maria Tereza Sadek também falou da exposição do Judiciário, com invasões positivas, audiências públicas e julgamentos televisionados, o que ocasiona um “embate de natureza ética”. “Quando um juiz ele é a boca da lei ele a aplica e ponto. Mas, quando ele se abre em um diálogo para a sociedade, a ética é alterada e suas decisões passam a ter consequências sociais e econômicas que afetam a sociedade como um todo. E esse é um embate ético para o qual os magistrados não vêm sendo preparados,” opinou. Um dos problemas nesse sentido, na avaliação da professora, é o próprio currículo das faculdades de Direito, que ainda é positivista e baseado em preceitos adversariais e não de conciliação.
A professora explicou também que muitas decisões do Poder Judiciário têm reflexos na sociedade como um todo a exemplo dos julgamentos relativos à questão das cotas, pesquisas com células-tronco, união homoafetiva, nepotismo, aborto de anencéfalos e marcha da maconha. Nesse aspecto, afirmou que o Judiciário muitas vezes vem solucionando uma omissão legislativa. “Nas relações de poder, quando um poder não avança, o outro avança”.
Ao final de sua exposição, falou especificamente da Justiça do Trabalho e de seu desempenho mais célere frente a outras esferas do Judiciário . “Quando se pergunta à população quais são os seus direitos, ela reconhece dois: os trabalhistas do consumidor”. Por outro lado, segundo Sadek, muitos setores identificam na Justiça do Trabalho falta de imparcialidade em benefício dos empregados. “É como se dissessem que a Justiça do Trabalho tem um papel social e não de aplicar a lei”, finalizou.