O segundo dia do 17º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat) iniciou-se nesta quarta-feira (30/4) com a conferência do pesquisador do Instituto de Pesquisas Jurídicas (UNAM) do México Miguel Carbonell. O conferencista, que também é doutor em Direito pela Universidade de Madri (Espanha), falou sobre “O papel do juiz em um mundo globalizado”. A mesa da conferência teve a coordenação do ministro Barros Levenhagen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em sua exposição, o pesquisador ressaltou que o tema do trabalho do juiz é de grande atualidade, existindo abundante produção científica sobre a matéria. Nesse sentido, ofereceu aos participantes da conferência uma abordagem de dez teses que, segundo ele, devem orientar essa nova realidade da Magistratura do século XXI.
Uma das principais mudanças necessárias na visão de Miguel Carbonell está justamente ligada ao tema do próprio 17º Conamat. “O juiz do século XXI tem de saber se comunicar com a sociedade”, disse. Essa interação, segundo o pesquisador, inclui a presença dos magistrados nas redes sociais, como facebook e twitter. “Um juiz que não sabe se comunicar está deixando de fazer parte de seu trabalho”, opinou. Carbonell também defendeu que os magistrados façam um esforço para proferirem sentenças mais breves e pedagógicas. “Se vocês vão levar a sério o tema do Conamat, vocês têm de fazer sentenças mais compreensíveis”, disse.
Miguel Carbonell defendeu que os juízes utilizem o método denominado de ‘controle de convencionalidade’ em suas decisões, fazendo prevalecer as normas internacionais, em especial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, sobre a legislação interna. Na opinião do pesquisador, o Brasil tem diferenças profundas em relação ao sistema quando deveria continuar sendo protagonista em temas relativos aos direitos fundamentais, a exemplo do que ocorreu no caso Maria da Penha. “A América Latina precisa de um País como o Brasil apoiando os esforços pelos direitos fundamentais. Os juízes precisam aplicar os princípios que melhor protegem os direitos humanos”, afirmou.
O pesquisador opinou, ainda, no sentido de que os juízes desenvolvam novas formas de independência, que vão além do conceito histórico do “Espírito das Leis” de Montesquieu. “Antigamente, era a independência frente ao Poder Executivo. Hoje, esse conceito é insuficiente, pois a independência tem de ser frente aos poderes privados, meios de comunicação e grupos de interesse econômico”. Carbonell também falou da importância da independência interna, tanto das instituições quando de cada juiz.
Miguel Carbonell explicou que o juiz do século XXI tem de desenvolver uma argumentação jurídica sofisticada, frente aos novos e difíceis temas da atualidade. Nesse aspecto, lembrou que a Constituição Federal de 1988 é repleta de princípios, inclusive com relação aos próprios direitos fundamentais, e não apenas regras a serem seguidas. “Os princípios são mandatos de otimização e é necessário aplicar a ponderação de direitos. Há muitos direitos que podem entrar em conflito, portanto o trabalho do juiz tem de ser sofisticado”.
O pesquisador propõe que o magistrado trabalhe por maior acesso à justiça. “O certo é que o Estado Democrático de Direito pressupõe a inclusão de todos. Não pode ser uma sociedade de castas”, disse. Nesse ponto, defendeu ações coletivas que permitam a solução de muitos problemas com poucos processos. “O juiz enfrenta o dilema de, se através de seu trabalho, pode perfilar políticas públicas e qual o limite de sua atuação. “Ele pode interferir em ações boas ou ruins do governo? Ele pode se inserir nas políticas públicas?”, indagou, reconhecendo o alto grau de litigiosidade do Brasil, que possui mais de 90 milhões de processo em tramitação.
O compartilhamento de experiência entre os países também foi lembrado pelo pesquisador, pois, segundo ele, todos os juízes, não somente no Brasil, dividem os mesmos problemas, a exemplo da precarização do trabalho, da flexibilização das leis e da terceirização. “Não são problemas apenas do Brasil, mas de toda a América Latina e da Europa. Parece que o Estado está renunciando aos seus poderes e entregando-os ao poder privado”, alertou. Para Miguel Carbonell, se os problemas são comuns as soluções também precisam ser. “Na América Latina nos faz muita falta olhar para outros países. O juiz do século XXI deve fazer parte de uma comunidade além de suas fronteiras”.
O conferencista falou da forte tendência pela expedição de códigos de ética judicial, dos quais participou da redação de vários que, em sua maioria, buscam regulamentar a conduta privada, não a pública do magistrado. “O juiz deve buscar ser exemplar também em sua vida privada. Quando ele elege a carreira judicial, ele se compromete com um estilo de vida”, opinou, defendendo que sejam sempre observados os princípios de honradez e conduta respeitável, não apenas no ofício judicante.
Para fazer frente à realidade do século XXI, Miguel Carbonell acredita que os magistrados devem procurar o ativismo judicial como forma de impulsionar mudanças na sociedade. “Os juízes podem transformar a sociedade e emitir critérios que mudem a sua consciência social. As coisas não mudam se a lei não impulsionar essa mudança”, disse.
Ao final de sua exposição, o pesquisador fez um chamado para que os magistrados façam justiça. “Façam do Brasil e da América Latina lugares mais justos. O juiz do século XXI tem de fazer justiça e não apenas aplicar a lei. O trabalho de todos os magistrados é repartir justiça para termos um País melhor”, finalizou.