“Retrocesso sem precedentes” é o título do artigo do presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt, publicado na edição de domingo (5/1) do jornal O Globo. O texto foi colocado em contraposição ao editorial do jornal em favor da terceirização. “Escondido por trás das letras legislativas está um projeto que dilui a responsabilidade do empregador, acaba com a identidade das categorias profissionais e ameaça garantias consolidadas na Constituição e na CLT”, afirma Schmidt
Confira a abaixo a íntegra do artigo:
Retrocesso sem precedentes
PAULO SCHMIDT *
A Constituição consagrou aos trabalhadores diversos direitos. Mas não ficou só por aí. Ela prevê a progressividade dos direitos sociais, ou seja, que a lei pode e deve ser alterada, mas sempre com o objetivo de melhorar a condição social do trabalhador. Na contramão desse princípio, avança na Câmara dos Deputados a regulamentação da terceirização, por meio do Projeto de Lei 4.330/ 2010. Não se discute aqui a não regulamentação dessa realidade, que infelizmente existe e está a merecer um melhor debate de nosso legislador, mas sim de que forma isso está sendo feito, em contrariedade aos princípios constitucionais.
A regulamentação em curso só se preocupa com a economia e o lucro das empresas. Não há qualquer discussão efetiva para garantir direitos já conquistados nem de ampliá-los. Escondido por trás das letras legislativas está um projeto que dilui a responsabilidade do empregador, acaba com a identidade das categorias profissionais e ameaça garantias consolidadas na Constituição e na CLT.
Na prática, a lei possibilitará a terceirização em toda e qualquer atividade da empresa. Caminhamos para uma realidade com empresas sem empregados. Imagine a escola dos filhos sem professores, hospitais sem médicos, enfermeiros e auxiliares, uma construtora sem operários. Só vamos ver o rosto dos terceirizados que, sem vínculo com os estabelecimentos, nem mesmo vão saber nos indicar a quem reclamar. Diariamente chegam à Justiça do Trabalho
processos de terceirizados. São trabalhadores sem identidade de categoria, sem força. Não é empregado como os outros, não é temporário é "o terceirizado" E ele está separado dos demais trabalhadores da empresa não apenas por um uniforme ou um crachá, mas por salários mais baixos e direitos inferiores a colegas que desempenham as mesmas atividades.
Se isso tudo já deveria causar alarde, mais alarmante é fazermos uma perspectiva de como o projeto afetará a forma de contratação no país. Dos cerca de 44 milhões de empregados no Brasil, aproximadamente 11 milhões são terceirizados. Talvez em cinco anos, dos atuais 33 milhões de empregados diretos, algo em tomo de 10 milhões serão migrados para a terceirização. O resultado será uma drástica redução da massa salarial. Aliás, não é demasia supor que, em dez anos, o contingente de empregados terceirizados supere os diretos.
Os juizes do trabalho estão em alerta, e assim também devem estar os trabalhadores. Não fechemos os nossos olhos para o que está por vir: um retrocesso social sem precedentes, um drástico aumento da concentração de renda na mão e a diminuição do fator trabalho na renda nacional. Estão ceifando direitos! E não é assim que o Brasil vai crescer. A sociedade precisa acordar para preservar a supremacia da ordem constitucional, para que o nosso projeto de nação continue apontando para o futuro.
Paulo Schmidt é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho