O jornal Valor Econômico publicou na edição de hoje (3/8), na editoria de “Legislação & Tributos”, artigo de autoria do presidente da Anamatra, Luciano Athayde Chaves, sobre a Lei 12.275, que entrará em vigor no próximo dia 9 de agosto. A nova lei altera dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, passando a exigir depósito recursal para interposição de agravo de instrumento.
No artigo, o magistrado destaca, em especial, que a medida, de iniciativa do TST, “tem o louvável e importante objetivo de disciplinar uma parte do sistema de recursos trabalhistas, objetivando racionalizar e diminuir as hipóteses de recursos protelatórios”. Para Luciano Athayde, a nova lei contribuirá para assegurar uma prestação jurisdicional de qualidade, e em razoável prazo à sociedade brasileira.
Confira a íntegra do texto:
Justiça do Trabalho e depósito recursal
Luciano A. Chaves (*)
Assim como em outros ramos do direito, a Justiça do Trabalho dispõe de um sistema recursal, no qual é facultada à parte a busca pela reforma ou modificação de um julgamento, pelo mesmo órgão julgador ou por uma instância superior àquela que proferiu a decisão, conforme o caso.
O sistema recursal trabalhista, apesar de orientado por postulados de simplicidade e economicidade procedimentais, possui uma gama considerável de possibilidades recursais, inclusive com acesso a um tribunal superior específico, que é o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Embora considerado um dos ramos mais céleres do Poder Judiciário, especialmente no primeiro grau de jurisdição, a capacidade de resposta da Justiça do Trabalho nas demais instâncias decresce em relação direta com o volume de recursos interpostos perante os diversos tribunais, muitos com propósitos meramente protelatórios.
O depósito recursal - mera garantia oferecida pela parte recorrente -, e reversível em caso de êxito na pretensão recursal, existe precisamente com o objetivo de arrefecer o intento recursal desprovido de razões consistentes, prestigiando-se, assim, as decisões judiciais já tomadas, em benefício da rápida solução dos conflitos. Trata-se de um sistema há muito vigente na Justiça do Trabalho e com resultados de êxito.
Estatísticas dos tribunais têm apontado para um considerável acréscimo dos agravos de instrumentos, recursos que, no processo trabalhista, destinam-se a viabilizar a tramitação de um outro, que não foi admitido na origem. Sucede que, diferentemente dos demais, o agravo de instrumento é isento de custas processuais, preparo ou depósito recursal, o que, em muitos casos, estimula a sua interposição, causando retardamento processual.
Dados do TST apontam que só no ano de 2009 foram interpostos 142.650 agravos de instrumento no órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, o que representa 75% de todos os processos recebidos. Desses, 95% foram desprovidos, ou seja, não foram acolhidos pelo tribunal, o que aponta um expressivo número de interposições inconsistentes.
E as consequências do excesso do uso do agravo de instrumento são drásticas para o conjunto dos jurisdicionados já que o pagamento dos direitos trabalhistas é postergado. Isso sem falar da sobrecarga nas instâncias superiores - Tribunais Regionais do Trabalho e TST - o que prejudica o julgamento de outros processos.
Buscando aperfeiçoar o sistema recursal, sem qualquer mácula ao devido processo legal e ao contraditório, o TST encaminhou ao Congresso Nacional sugestão de proposta legislativa, que culminou na promulgação da Lei nº 12.275, de 29 de junho de 2010, que determina a obrigatoriedade do pagamento de valor equivalente a 50% do depósito o recurso que se pretende destrancar.
A nova lei tem, portanto, o louvável e importante objetivo de disciplinar uma parte do sistema de recursos trabalhistas, objetivando racionalizar e diminuir as hipóteses de recursos protelatórios.
Mas, a sanção da lei despertou críticas sustentadas, por exemplo, na assertiva de prejuízos ao trabalhador. Ora, o texto da Consolidação das Leis do Trabalho é expresso ao afirmar que o depósito é ônus do empregador ou tomador de serviços e tem natureza jurídica de garantia para que os créditos possam ser executados de imediato. Logo, não se onera o trabalhador que busca a Justiça do Trabalho.
Outra crítica diz respeito a uma possível restrição de direitos e de cerceamento do direito de defesa, pois muitas empresas não poderiam arcar com o depósito agora exigido para o agravo de instrumento na Justiça do Trabalho. Essa crítica também carece de demonstração já que números do TST, divulgados no último mês de abril, apontam que os recursos que chegam à Corte superior são, em sua grande maioria, da União e das empresas estatais, sendo a maior demandante da última instância da Justiça do Trabalho a União, com cerca de 22 mil processos. Das 342 empresas ranqueadas pelo TST, o número de empresas de pequeno porte é inexpressivo, o que denota que essas empresas resolvem os seus conflitos, em sua maioria, nas instâncias iniciais.
Diante de tal realidade, a lei de iniciativa do TST ostenta grande potencial para contribuir com uma das bandeiras da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que é a valorização das decisões da primeira instância do Judiciário Trabalhista, tal como sucede em muitos outros países.
Precisamos discutir uma certa "cultura recursal" vigente entre nós, onde prevalece o costume de se recorrer praticamente de toda qualquer sentença, objetivando, lamentavelmente, em boa parte das vezes, a protelação do fim do processo, rolando-se a dívida para mais adiante. É o retrato do que o Professor Boaventura de Sousa Santos chama de morosidade ativa, provocada pelos próprios atores do processo.
Assegurar a prestação jurisdicional de qualidade, e em razoável prazo, deve se constituir o fio condutor de qualquer proposta de aprimoramento da legislação processual. A garantia aos instrumentos de controle das decisões, como os recursos, deve conviver de forma harmônica e ponderada com aqueles igualmente elevados propósitos da tarefa de se distribuir justiça.
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Luciano Athayde Chaves é juiz do trabalho da 21ª Região (RN). Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).