NOTA OFICIAL DA ALJT SOBRE A CRISE GLOBAL E A DESPEDIDA DE TRABALHADORES
O grave impacto que a despedida produz sobre o direito fundamental do trabalhador a seu posto de trabalho tem sido subestimado em certo discurso jurídico e político.
Em uma nota oficial anterior, a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho defendeu que quanto maior a ameaça sobre emprego, condições de trabalho e salário, maior deve ser a resposta protetora de um sistema jurídico fundado no princípio da proteção e que tem por método o da compensação ou redução das desigualdades de poder que são inerentes às relações de trabalho.
Transcorridos alguns meses e tendo enfrentado todos os Estados, em diferentes graus, uma aceleração e aprofundamento do abismo econômico e social, cabe verificar que todos os esforços e os meios empregados para dar um ponto final à queda passam pelo apoio às grandes empresas e ao sistema financeiro, com uma notável indiferença comparativa pelos efeitos imediatos da crise sobre os trabalhadores. Recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um estudo segundo o qual somente 9,2% dos recursos dos planos de resgate aplicados em 40 países do mundo, incluindo todos os membros do G20, destinaram-se a promover o emprego. E que os gastos em medidas de política social representam apenas 1,8%.
É desde esta visão que o incremento do desemprego, que em alguns países chega – e tende a superar – os recordes históricos, se apresente como natural e inevitável. A OIT estima que em 2009 será registrado um incremento de 50 milhões de desempregados em todo o mundo, existindo risco de recessão prolongada no mercado de trabalho, que poderá prolongar-se por quatro ou cinco anos depois da recuperação econômica. Este contexto amplia a probabilidade de que sejam despedidos trabalhadores como represália ante o reclamo de seus direitos ou ao exercício da liberdade sindical, ou por outros motivos discriminatórios, porque os trabalhadores incluídos naquele universo são os mais vulneráveis quando a decisão de despedir é massiva. Pelas mesmas razões, idêntico destino parece reservado aos trabalhadores precários e a aqueles cujos vínculos jurídicos de subordinação são revestidos de distintas roupagens fraudulentas.
A despedida sem causa é uma forma de violência do poder privado que expropria ilicitamente o trabalho como meio de acesso à cidadania em uma sociedade democrática, impossibilita a efetivação dos direitos constitutivos daquele status e trunca gravemente a concreção do projeto vital do trabalhador.
O direito fundamental ao trabalho é inerente à dignidade humana e compreende o direito do trabalhador de não ser privado de seu trabalho de forma injusta. Todos os poderes do Estado, incluído o Judiciário, deveriam acentuar a tutela deste direito, consagrando a efetiva estabilidade no emprego prevista como alternativa mais favorável ao trabalhador na Convenção 158 da Organização internacional do Trabalho e no Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, opção muito mais justificada em tempos de crise.
No caso específico de despedida discriminatória, vige o princípio de direito internacional em virtude do qual toda violação de uma obrigação internacional que haja produzido um dano comporta o dever de repará-lo adequadamente, com o restabelecimento da situação anterior e a reparação das conseqüências que a infração produziu, assim como o pagamento de uma indenização pelos danos ocasionados.
A operatividade e auto-aplicação das normas internacionais de direitos humanos habilitam o trabalhador discriminado a demandar a nulidade da despedida discriminatória e a reparação dos danos e prejuízos sofridos, ainda quando não existam normas legais nacionais que regulem especificamente esta situação. Daí que a aplicação de normas estatais que só reconheçam ao despedido por motivos discriminatórios uma indenização tarifada ou integral ou sua interpretação nesse sentido restritivo, comprometeria gravemente a responsabilidade internacional do estado por violação aos direitos humanos e ao jus cogens.
A possibilidade de demandar a nulidade e a reintegração se funda ainda no fato de que a despedida de um trabalhador como represália ante o reclamo de seus direitos ou o exercício da liberdade sindical, ou por outros motivos discriminatórios, não só prejudica o despedido senão também os trabalhadores compreendidos no âmbito da empresa ou da ação coletiva por ele desenvolvida, que percebem objetivamente a ameaça de sofrer uma represália similar se exercerem aqueles direitos.
A Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT) se pronuncia em tal sentido e se permite convocar à mais urgente abordagem das conseqüências jurídicas e sociais das despedidas, com especial referência às despedidas discriminatórias. Sem olvidar outros temas fundamentais: o combate à degradação das condições de trabalho, a desregulamentação, a flexibilização e a precarização das relações de emprego.
Não temos tempo a perder. A história, como sempre, mantém sua ambigüidade, procedendo em duas direções opostas: em direção à paz ou em direção à guerra, à liberdade ou à opressão. A via da paz e da liberdade passa através da proteção dos direitos do homem, incluídos os trabalhadores. Não negamos que a via é difícil. Mas não há alternativas.
ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE JUÍZES DO TRABALHO
ABRIL DE 2009