Nos dias 19 e 20 de março, a Amatra 4 organizou o III Encontro Internacional de Professores do Direito e do Processo do Trabalho. Promovido pela primeira vez na capital gaúcha, o evento reuniu operadores do Direito do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile com o objetivo de promover o intercâmbio de idéias sobre diversos temas ligados à Justiça do Trabalho. O III Encontro ocorreu no Auditório Ruy Cirne Lima, no Prédio das Varas do Trabalho,
História do evento
Na abertura, o presidente da Amatra, Luiz Antonio Colussi, lembrou o primeiro encontro ocorrido em 2007, na cidade de Córdoba. “A parceria com o colega Manoel Carlos, da 15ª Região, acabou levando a segunda edição para Campinas no ano passado, quando acertamos que o Rio Grande do Sul seria o próximo anfitrião”, recordou Colussi. O dirigente ainda ressaltou a necessidade desta discussão num momento em que o cenário de crise se estende para quase todos os países, fazendo-se necessário que juízes, professores, advogados, e demais operadores de Direito, encontrem um ponto de equilíbrio.
Conferência de abertura: Direitos Fundamentais e o Ensino do Direito do Trabalho
O juiz de Direito e professor da Escola Superior da Magistratura da Ajuris, Ingo Wolfgang Sarlet, fez a conferência de abertura, pronunciando-se sobre os Direitos Fundamentais e o Ensino do Direito do Trabalho. O palestrante falou sobre a tendência das universidades de Direito se tornarem, cada vez mais, escolas de advocacia e disse ser equivocado o pensamento de que somente as escolas internas estão capacitadas a formar magistrados. “A nossa formação jurídica é contaminada desde a base”, criticou. Ingo falou ainda sobre o valor da dogmática jurídica e acredita que a crise de autoridade no Direito se deve a falta de excelência com que ela vem sendo praticada.
Os Princípios Aplicados ao Processo do Trabalho
O doutor em Direito e Ciências Sociais, Mario Garmendia Arigon, do Uruguai, abriu o primeiro painel de debates coordenado pelo secretário-geral da AMATRA IV, Rubens Clamer dos Santos. O uruguaio falou sobre A exigência da celeridade no processo do Trabalho. Para ele, quando se trata de um processo convencional, o tempo de tramitação pode ser sinônimo de garantia. Afinal, com mais tempo, são maiores as oportunidades das partes comparecerem e apresentarem as suas defesas. “O tempo pode estar associado ao recurso e à oportunidade de defesa, que o assunto seja analisado em diversas entrâncias e, ainda a oportunidade de ouvir uma segunda opinião”, observou. “No entanto, pode ter uma conotação negativa quando, ao se estender demais, agrava determinados problemas e passa a causar inconvenientes”, pondera Garmendia, salientando que a celeridade deve ser sempre um bem maior a alcançar. Para ele, a rapidez e a urgência são sinônimos da modernidade e a demora na solução do conflito é sinônimo de fracasso. “É preciso encontrar um ponto de equilíbrio”, acrescenta.
Garmendia diz que o processo é um instrumento e a sua finalidade é alcançar a eficácia, principalmente no Direito do Trabalho, quando o que está em jogo é a sobrevivência. “Se a celeridade no processo judicial é virtude, no processo trabalhista, é uma exigência”, pontuou.
O juiz do Trabalho e diretor da AMATRA IV, Rafael da Silva Marques, falou sobre o Processo como ciência para a concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores, citando Jean-Paul Sartre, ao falar sobre a necessidade de “olhar o novo com um novo olhar”. Para Rafael Marques, o processo do trabalho serve para concretizar o direito material. Ele relatou um caso de quando ainda era juiz
O painel da manhã do dia 19 foi concluído com a exposição de Maurício Cesar Arese, da Argentina, que abordou o tema Princípio da Igualdade e da não discriminação, Direito de defesa e acesso a Justiça no Contrato de Trabalho. O painelista defendeu o direito dos trabalhadores terem acesso à Justiça mesmo mediante contrato em vigor, mas reconheceu que a decisão gera conflitos no ambiente de trabalho. Para ele é importante que a justiça saiba conciliar o direito do empresário, com o direito disciplinar que é aplicado na empresa e o direito social, que protege o trabalhador. O professor concluiu a sua exposição observando que é obrigação tanto do legislador como do operador jurídico buscar também a otimização do trabalho.
O Ensino do Direito
Também entre os assuntos em destaque esteve o debate sobre o Ensino do Direito e do Processo do Trabalho. Uma Abordagem Crítica. Nesse painel, realizado na tarde de 19/3, e que contou com a presidência de mesa do desembargador aposentado José Fernando Ehlers de Moura, o juiz do Trabalho Francisco Rossal de Araújo e o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Streck, ambos com grande experiência docente, discorreram sobre o atual modelo de ensino jurídico no país. Diversos aspectos, entre eles o número de faculdades de Direito no Brasil e o tipo de ensino frente às novas tecnologias foram destacados pelos palestrantes. “Hoje, há 1.128 faculdades de Direito no país”, ressaltou Streck, lembrando ainda a necessidade de ter professores qualificados e livros de primeira linha para suprir essa excessiva demanda. Para ele, atualmente existe uma simplificação do Direito no cotidiano das escolas, sendo que, no geral, o professor lê para os alunos o que manual diz. “Penso que essa é uma questão fortíssima que temos de enfrentar”, assinalou.
A exposição do juiz Francisco Araújo, abordou, entre outros enfoques, a evolução do Direito no modelo educacional. Em sua análise, as diversas etapas dessa evolução levaram a um panorama um tanto inusitado para o mundo do ensino jurídico hoje: a existência de uma geração de professores que nunca estiveram em contato com as agruras da prática jurídica, “que nunca entraram num Tribunal, por exemplo”. Democrático, o magistrado alerta que “precisamos de teóricos, mas também de práticos, sobretudo, de uma massa crítica de pensadores. Isso é fundamental em termos de perspectiva do ensino jurídico no Brasil”, registrou. O juiz ainda criticou o que considera um processo de mercantilização que elevou o ensino jurídico a uma relação de consumo.
Responsabilidade nas Relações de Trabalho
No último dia dos trabalhos, 20 de março, o painel da manhã foi coordenado pelo juiz do Trabalho Rodrigo Souza Trindade. O primeiro painelista foi juiz argentino Daniel Brain que falou sobre Responsabilidades por Acidentes e Enfermidades do Trabalho. Ele assinalou que um contrato de trabalho gera responsabilidades para ambas as partes, sendo que ao trabalhador cabe prestar um serviço eficiente, ser pontual e aplicar as rotinas definidas pelo empregador. A este último, cabe, em especial, pagar o salário do seu funcionário e preservar a sua integridade física e psíquica. No decorrer da palestra, Brain ainda citou a responsabilidade do Estado no sentido de criar normas que protejam o trabalhador, previna o acidente do trabalho e as enfermidades dele correntes. Para isso, acredita que seja necessário estabelecer condições justas e satisfatórias de trabalho, garantias de igualdade de oportunidades, que outorgue os direitos reconhecidos pela Constituição Nacional e pelos tratados internacionais vigentes sobre os direitos humanos, e que reparem integralmente o dano para que o trabalhador acidentado possa reelaborar o seu projeto de vida dentro das limitações que lhe foram impostas pelo acidente e sem precisar violar o seu direito a propriedade.
O juiz do Trabalho da 4ª Região, Daniel de Souza Nonohay, fez a sua exposição sobre a Responsabilidade Civil Negocial, e a polêmica que vem acompanhando a Justiça do Trabalho desde a Emenda Constitucional 45, que ampliou a competência da JT. Ele referiu-se basicamente a relação de consumo e os serviços prestados pelos profissionais liberais.
“Nos últimos quatro anos eu pude identificar três correntes interpretativas que surgiram a partir da EC
A corrente majoritária entende que a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer as demandas envolvendo relações de consumo. No entanto, relação de consumo é qualificada por seus integrantes, os consumidores e os fornecedores.
O juiz do Trabalho lembrou que em tese as relações de consumo prestadas por profissionais liberais estariam reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor e citou como exemplo as ações de responsabilidade civil contra advogados e as cobranças de honorários advocatícios contratuais. Via de regra, essas ações são enviadas para a Justiça Comum, atendendo ao que diz a súmula 363, de que compete a Justiça Estadual, processar e julgar ação de cobrança ajuizada por profissional contra o seu cliente, fundamentado na natureza civil do contrato de honorários. “Vejam só a incoerência, encaminhamos ações para a Justiça Estadual com base em argumentos que ela refuta e, a Justiça Estadual, por sua vez, mantém as ações com base nos argumentos que nós refutamos”, lamentou Nonohay, lembrando que o objeto da ação é o mesmo e isso condena as partes à litigância.
Ao final da manhã, o uruguaio Alejandro Castello, fez uma exposição sobre Relações Trabalhistas nos Grupos Empresariais. Para Castello, os critérios que permitem melhorar e solucionar a problemática do trabalho dos Grupos Empresariais passa pela aplicação dos princípios do Direito do Trabalho, consideração de todo o grupo e reconhecimento da responsabilidade patrimonial frente ao trabalhador.
Princípios do Direito do Trabalho
Os Princípios do Direito do Trabalho e sua Concretização foi o tema do painel da tarde de 20/3 que reuniu Sérgio Contreras, advogado e professor chileno, Magda Barros Biavaschi, doutora
Carta: Antes do início do painel, foi lida a Carta do III Encontro, que marca as posições dos participantes do evento. No término desta matéria, está a íntegra do texto que assinala a importância da construção do direito crítico.
Ao iniciar sua exposição, Sérgio Contreras discorreu sobre a experiência do Chile no que se refere ao Direito do Trabalho, ressaltando que em 2006 se produziu uma reforma do trabalho no país que significou a mais importante em 80 anos. Nesse sentido, ele enfatizou que hoje há liberdade sindical com o objetivo de tutelar a liberdade civil e a não-discriminação. O advogado ressaltou ainda a importância do respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores como princípio de justiça. Como exemplo de condutas que rompem com essa realidade, ele citou a tentativa de uma empresa de usar detector de mentiras (polígrafos) em seus funcionários, considerada atentatória aos direitos fundamentais pela justiça chilena. A atual questão envolvendo o sigilo das mensagens eletrônicas recebidas e enviadas pelos empregados também foi abordada por Contreras. Segundo ele, sobre este tema, o Chile adotou a seguinte posição: o particular não pode ser aberto e o da empresa segue regramento interno do empregador.
Ao falar sobre o enfoque Os Princípios do Direito do Trabalho: Ordem Social e Ordem Econômica a doutora Magda Biavaschi observou que o encontro é organizado em tempo de uma profunda crise estrutural do capitalismo já há muito anunciada. Em seguida, criticou a flexibilização dos direitos do trabalhador como forma de superar a crise econômica. Pontuou que, de acordo com a OIT, os prognósticos não são nada alentadores: serão 151 milhões de postos de trabalho a menos até o fim de 2009 no mundo, sendo que somente a América Latina poderá perder algo em torno de 1,5 milhão. “Precisamos discutir as relações intrínsecas entre direito e economia para que constitua em nosso país uma sociedade mais justa”, disse, deixando uma interrogação aos presentes: “Discutir o Estado e seu papel será que não é a tarefa política de nosso tempo?”
No mesmo painel, que teve como presidente de mesa o desembargador do TRT-RS e representante da Escola Judicial do Tribunal, Paulo Orval Partichelli Rodrigues, houve a palestra do juiz do Trabalho Carlos Toselli. Los Princípios Del Derecho Del Trabalho
Encerramento
A palestra de encerramento, realizada pelo advogado, Doutor em Direito e professor dos cursos de pós-graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Ovídio Baptista da Silva, foi também um momento memorável do III Encontro. Entre as diversas abordagens cruciais feitas pelo experiente professor, ele observou que o Brasil conta hoje com uma justiça universal e exacerbadamente burocrática, citando, nesse sentido, a carga extraordinária de processos para cada juiz. “Hoje, a jurisdição serve a interesses preponderantemente administrativos, mercantis, mas não à justiça”, referendou. “Nossa estrutura caducou. Se alguém tem que mexer com isso, somos nós. Venho a esses encontros porque acho que é um dever moral nosso. Sartre dizia que para agir, não precisa haver esperança, porque a alternativa para não agir é fugir”, finalizou sob aplausos da atenta platéia.
A palestra de encerramento foi coordenada pelos juízes do Trabalho Marcos Fagundes Salomão (vice-presidente da Amatra IV) e Valdete Souto Severo (secretária cultural da Associação).
Carta III Encontro Internacional dos Professores do Direito e do Processo do Trabalho
Nós, professores e operadores do direito do trabalho, reunidos neste Encontro Internacional dos Professores do Direito e do Processo do Trabalho, resolvemos firmar como nossos compromissos fundamentais.
a) Defender e praticar a revisão crítica do ensino jurídico, visando a uma aplicação comprometida com a efetivação dos direitos sociais.
b) Fomentar o debate acerca da importância do aperfeiçoamento constante da nossa visão do direito, contextualizando-o.
c) Praticar o uso intransigente e visceralmente comprometido do texto constitucional, valorizando seu caráter e pacto social e político que fundamenta e justifica determinada sociedade.
d) Aprofundar o estudo do princípio da proibição do retrocesso social com critério de aplicação e efetivação dos direitos sociais constitucionais trabalhistas.
e) Utilizar as regras processuais trabalhistas de modo a conferir efetividade ao direito material.
f) Fazer democracia a partir do direito, respeitando e consolidando os parâmetros constitucionais.
Enfim, em momento peculiar da história e, pois, do direito do trabalho, firmamos o compromisso de honrar e concretizar a Constituição. Com isso, estamos estabelecendo, nesse Encontro Internacional, um pacto com os direitos sociais consolidados. E o pacto consiste não apenas em repetir o rol de direitos sociais, exalta-los ou confiar no acerto do nosso legislador constituinte, mas sim em efetivá-los, torná-los a realidade em nossas relações de trabalho.
O ensino jurídico é a melhor estrada a ser trilhada para que esse desafio seja superado. Devemos Criar pontes que permitam a construção de um direito crítico, comprometido e contextualizado, com os olhos voltados para o futuro, mas sempre atento ao que a história vem nos ensinando.
Porto Alegre, 20 de Março de 2009.