*Da Alemanha, colaboraram os juízes Fátima Stern e Henrique Cavalcante
O segundo dia (14/10) do 5º Congresso Internacional da Anamatra aconteceu na cidade de Karlsruche, onde os congressistas conheceram o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. A abertura dos trabalhos contou com a participação do presidente da Anamatra, Cláudio José Montesso, do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Horário Senna Pires, e da juíza Gertude Lübbe Wolff, do Tribunal Constitucional Federal.
A programação científica do dia foi iniciada pela juíza Gertude Wolff,que proferiu a conferência “O Poder Judiciário Alemão e o Controle da Constitucionalidade”. Em seguida, o ministro Horácio Pires ministrou conferência com o tema “Constitucionalização dos Direitos Trabalhistas”.
Wolff falou sobre as pertinências do tribunal alemão e de suas diferenças com o Brasil e outros países. Um dos pontos de destaque da palestra da magistrada alemã foi uma vasta explanação sobre o papel social que a corte alemã possui junto à população. “Os cidadãos confiam, porque sabem que aqui são ouvidos. Essa confiança é essencial para o funcionamento do Estado. Constrói-se uma “Cidadania Constitucional”, que termina por favorecer o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
O ministro Horário, por sua vez, fez um retrospecto histórico sobre a evolução do Direito do Trabalho em âmbito mundial, destacando que a sua história do direito trabalhista no Brasil ostenta particularidades decorrentes do status político da nação e do seu caminho para a democracia. Falou também dos textos constitucionais que o Brasil já teve, destacando o atual e o seu papel em relação à dignidade do trabalhador.
APONTAMENTOS CONFERÊNCIA – GERTUDE WOLFF
Apresenta três questões pertinentes ao funcionamento do Tribunal Constitucional da Alemanha (doravante TCA). Este tribunal segue o modelo austríaco instituído em 1920: tribunal independente e destacado do poder judiciário propriamente dito, cujas questões constitucionais lhe são exclusivamente afetas.
Essa é uma diferença essencial em relação ao STF do Brasil. Também é diferente do modelo dos EUA, onde o Judiciário comum e constitucional fazem parte de uma única estrutura.
Outros tribunais podem fazer referências à Constituição, mas o TCA pode rejeitar leis quando essas ferem a Constituição. Os tribunais de segunda instância não podem declarar a inconstitucionalidade incidentalmente, devendo remeter a questão ao TCA. No Brasil a Professora acredita que o sistema funciona de forma diversa, sem esse monopólio de avaliação da constitucionalidade e da inconstitucionalidade de leis.
Há também competência do TCA para resolver sobre litígios entre os estados federados e a República Federal ou entre os primeiros e também entre os órgãos constitucionais instituídos, quanto a seus direitos e deveres, além de alguns outros processos: proibir partidos políticos quando esses ferem a Constituição (Verfassung).
O tipo de processo mais importante é a reclamação constitucional, para a qual todo cidadão alemão, que se sinta ferido nos seus direitos fundamentais, tem direito a recorrer, desde que tenha percorrido as três instâncias inferiores no curso do processo.
Qualquer sentença de instância inferior pode ser reformada pelo TCA. Essa uma a diferença entre o TCA e as Cortes Constitucionais de outros países, como aqueles do Centro e Leste Europeu. Nestes a corte constitucional apenas analisa se a lei é constitucional ou não em sede abstrata, não reavaliando sentenças emitidas em determinado processo ou caso concreto.
A reclamação é tipo de processo mais comum: foram em 2007 6.005 reclamações constitucionais, de um total de 6.154 processos. O acesso ao TCA é fácil: é desnecessário advogado, ao contrário das instâncias inferiores (“jus postulandi” da própria parte em sede de recurso constitucional).
Um caso exemplificativo foi o de uma carta de próprio punho escrita por presidiário, que reclamou contra violação de direitos fundamentais no presídio, tendo percorrido as instâncias inferiores. É portanto relativamente fácil questionar lesões contra cidadãos ocasionadas pelos Poderes Legislativo ou Executivo.
O TCA tem uma tarefa funcional muito importante. O povo participa dos processos e por isso é uma corte “popular” na sociedade. O TCA funciona como um antagonista do Executivo e do Legislativo, o que torna essencial adquirir legitimidade social.
Também mostra e orienta o povo sobre como o direito constitucional é e deve ser implementado na prática. A imprensa publica uma decisão sobre determinado caso, e isso formata a cultura jurídica na sociedade.
Os cidadãos confiam porque sabem que aqui são ouvidos. Essa confiança é essencial para o funcionamento do Estado. Caso contrário, eles confiariam em outras instituições ou relações sociais, tais como a família, os amigos etc. o que poderia levar ao nepotismo, à corrupção.
Constrói-se uma “Cidadania Constitucional”, que termina por favorecer o Estado Democrático de Direito.
Há dois colegiados “senados” ou Turmas no TCA, em que se divide um total de 16 juízes. Cada um desses “senados” tem três “câmaras ou varas”, constituídas por três juízes togados: o voto final tem de ser por unanimidade na câmara ou vara, porque são apenas três juízes.
A unanimidade é relevante porque essas Câmaras podem reformar decisões do Tribunal Supremo da Alemanha.
O “consenso” é obrigatório. Ou seja, não há voto vencido, pois o juiz com ponto de vista minoritário se submete à maioria, a não ser que isso vá contra as principais convicções destes juízes. Não há sessão de julgamento. O voto é apresentado pelo relator e enviado aos demais magistrados.
Tudo acontece de maneira informal, com conversas nos corredores, até a assinatura final da decisão. Essa divisão em turmas viabiliza o julgamento de muitas ações que chegam ao TCA, reduzindo a morosidade processual.
Desde 1985 foi introduzido um novo procedimento, pelo qual as turmas podem não conhecer dos recursos, caso não evidenciem, como requisito essencial, uma relevância clara ou o risco de grandes prejuízos ao recorrente. Em síntese, devem existir motivos objetivos que justifiquem o seguimento do apelo constitucional.
A grande maioria dos recursos, contudo, é conhecida: poucas são as questões de “menor importância” submetidas ao TCA através de recursos. As exceções costumam ser os casos em que se tenha recorrido contra precedentes bastante claros do próprio TCA. Diante disso, há uma certa discricionariedade por parte da Corte Constitucional.
Existem equipes de assessores para essas análises e o tribunal tenta reduzir algumas de suas tarefas.
Requisito essencial para conhecimento do apelo: indicar que norma da Constituição teria sido violada.
Outros requisitos: apresentação de cópias das sentenças anteriores e de outros tribunais, descrição de fatos etc., exigências cada vez mais rigorosas para diminuir o volume de recursos.
Por outro lado, essas exigências dificultam o acesso dos cidadãos mais simples na função de construir e consolidar a confiança do povo na Corte Constitucional.
A interpretação dos direitos fundamentais (doravante DF) é bastante extensiva e o TCA os interpreta de forma muito ampla. Num conflito entre uma aplicação errônea da lei pelo Poder Executivo e a Constituição, pode-se chegar à conclusão de que caberia, em tese, alguma interpretação sobre os DF do cidadão recorrente.
Porém, se fosse adotada essa visão tão ampla haveria uma “avalanche” de processos. Assim, o TCA não decide sobre questões materiais de crédito, divórcio etc. Os juízes das outras instâncias inferiores, nas suas varas especializadas, podem melhor avaliá-los.
O TCA atua contudo em casos de sentenças absurdas e situações extremas que possam implicar arbitrariedade, com base no Art. 3º da LFB - Lei Fundamental de Bonn Artikel 3 - [Gleichheit vor dem Gesetz] / [Egalité devant la loi]. O TCA também não tem pretensão de analisar matérias de fato.
Sobre a relação com a justiça especializada de instâncias inferiores, houve recentemente um caso interessante, envolvendo resistência à autoridade.
Aconteceu uma inspeção de policial pela janela do carro do infrator, que “arrancou” apesar de ele, policial, estar com a cabeça dentro. Ora, nesse caso o carro teria sido de certa forma usado como “arma”. Esse tema chegou ao TCA o qual, com base no suscitado princípio da reserva legal constitucional, conheceu do apelo.
Foi analisada a tipificação penal em face da previsão de agravamento por uso de arma em resistência à autoridade. No processo em questão o TCA decidiu, por uma de suas varas ou câmaras, que o carro não era uma arma, para efeitos penais. A pena foi então reduzida.
Relação com o legislador. Quando existe uma Corte Constitucional podem ser declarados inconstitucionais as normas legislativas, surgindo freqüentemente conflitos entre os poderes. Seria o TCA então anti-democrático, por violar a vontade popular expressa nos votos dados aos parlamentares legisladores?
Não. Apenas busca-se salvaguardar nos julgados constitucionais os DF, tais como a igualdade, liberdade de comunicação e, com muita ênfase, a manutenção das “regras do jogo”. O TCA sempre mantem uma postura imparcial, defendendo as regras do jogo e, ao mesmo tempo, sendo obrigado a se “intrometer” nas funções dos outros poderes, para guarda da Constituição.
No Reino Unido, uma Corte Constitucional com esse perfil seria inadmissível. Para os juristas franceses o sistema alemão equivale a um verdadeiro “governo dos juízes”.
O TCA, após a segunda guerra, veio não para maximizar a soberania do povo, mas para minimizar os riscos gerados pelas violações de direitos fundamentais, como aconteceu na ditadura alemã dos anos 1930 e 1940.
A interpretação teleológica é essencial nos julgamentos do TCA, tentando a Corte compreender a real intenção do legislador, nos casos que lhe são submetidos.
Houve nesse sentido um caso interessante, de cidadão naturalizado alemão, cujo processo de naturalização foi anulado por motivo de falsidade de dados informador por ele. Sem a nacionalidade germânica ele corria o risco de se tornar apátrida, risco esse rejeitado pela mesma Constituição da Alemanha.
O TCA entendeu, nessa situação, que a possibilidade de uma pessoa se tornar apátrida (o que em tese poderia constituir violação de um direito fundamental constitucional) não teria o condão de legitimar atos ilícitos, como a apresentação de documentação falsa. Houve no caso uma ponderação.
Em direito tributário, o TCA, a partir do dever do Estado de proteger a família e o matrimônio, determinou que o mínimo necessário para essa subsistência não poderia ser tributado.
Ou seja, reconheceu uma faixa única essencial de isenção tributária de rendimentos, que se aplica a todos e até mesmo a pessoas milionárias.
Essa faixa de renda, na perspectiva dos bens jurídicos a serem protegidos (família e matrimônio) também incluiu despesas com creches e com cuidadores de crianças, que permitissem aos pais, ao pai ou mãe (família uniparental) trabalharem fora.
Foi uma decisão revolucionária em Direito Tributário. Reafirmou-se o DEVER FUNDAMENTAL do Estado de proteger a Família e o Matrimônio, a partir de um caso muito concreto.
O TCA apresentou ao legislador um posicionamento diferente do oficial. A decisão gerou críticas, como por exemplo a de que os tribunais estariam “mandando” no Poder Legislativo. Há, portanto, tensões constantes, sendo os casos analisados individualmente.
A cultura jurídica é essencial ao funcionamento dos tribunais constitucionais, mantendo-se apesar disso a certeza de que o melhor legislador sempre é, apesar de tudo, o Poder Legislativo.
Perguntas
Escolha de juízes do TCA
Metade pelo Bundestag (Câmara de Deputados) e metade pelo Bundesrat (Senado ou Câmara Alta). O procedimento é informal, tramitando na comissão de eleição de juízes, da qual comumente participam os ministros da justiça que de ordinário também são deputados. Tudo opera de forma confidencial. Há críticas aos políticos por não ser transparentes nesse procedimento.
Requisitos para compor o TCA: formação universitária em direito, 40 anos de idade no mínimo, formação específica para magistratura, reputação ilibada e reconhecida. A eleição ocorre com maioria de 2/3. É diferente dos EUA, onde maiorias ocasionais escolhem os juízes objetivando defender pontos de vista de seus governos. Na Alemanha é diferente, pois os magistrados detêm de fato e direito ampla independência e possibilidade de julgar sem compromisso com a origem de suas indicações.
Jurisprudência Laboral do TCA
Sobre Art. 9º, alínea 3, da LFB. Reconheceu-se a possibilidade de associação dos empregadores. Negociações coletivas específicas não são normatizadas. Há possibilidade da fixação da jornada máxima de trabalho por lei. Discutiu-se a possibilidade de pagamento de subsídios para empresas que criam empregos novos.
Discutiu-se a situação de empregados que recebiam salários abaixo dos CCT. O TCA reconheceu essa possibilidade, na qual se optou por combater o desemprego.
O direito de greve da Alemanha é diferente: servidores públicos não têm esse direito. Entendeu-se que se deveria observar a tradição dos funcionários públicos na Alemanha. A discussão sobre remuneração de servidores públicos acontece no parlamento.
Como tem sido a relação da jurisprudência da Corte Constitucional da Alemanha com a do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias e com a da Corte Européia de Direitos Humanos, em sede de direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Alemã e repetidas em normas comunitárias?
O TEDH e a CEDH têm grande dignidade na Alemanha, porque a Constituição da Alemanha obriga o pais a observar o Direito Internacional Público ou Direito das Gentes (doravante DIP). Teoricamente pode aparecer o seguinte caso: CEDH pode violar uma disposição da Constituição Alemã. Nesse caso, a observância da decisão européia poderia violar o ordenamento jurídico alemão. Haveria conflito entre ambas, porém todos os tribunais da Alemanha, inclusive o TCA são obrigados à aceitação, por princípio, do Direito Internacional Público. O TCA pode exigir que os DF sejam interpretados de acordo com a jurisprudência da CEDH. Na prática há harmonia, com uma pequena reserva: a CEDH não tem uma hierarquia clara, mas termina ocorrendo um “diálogo” entre as cortes.
É parecido com o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE), com sede em Luxemburgo. O TCA já determinou que questões relativas ao direito comunitário europeu não devem ser apreciadas pela Corte.
Como a Corte Constitucional da Alemanha analisou e decidiu a constitucionalidade da “Lei de Abate Aéreo” e qual foi a participação do Sindicato de Aeronautas na discussão?
Houve uma lei, declarada inconstitucional pelo TCA: como se poderia saber se estaria de fato acontecendo um seqüestro de aeronave (fundamento fático). Por essas razões pragmáticas, mas também para não violar a dignidade da pessoa humana, matando-se uma determinada quantidade de pessoas, entendeu-se que o Estado não poderia fazer isso. A questão foi muito controvertida.
Cita Kant, para quem o ser humano não pode ser visto como meio, mas sim como uma singularidade em si. Essa jurisprudência foi muito controvertida.
APONTAMENTOS CONFERÊNCIA – MINISTRO HORÁRIO
Apos fazer um retrospecto histórico sobre a evolução do direito do trabalho em âmbito mundial, destacou que a historia do DT no Brasil ostenta particularidades decorrentes do status político da nação e do seu caminho para a democracia. Destacou a existencia de 3 periodos da historia do DT no Brasil
Salientou que “as constituições brasileiras anteriores, de uma forma ou de outra, enunciavam direitos dos trabalhadores, no âmbito dos direitos individuais. Não os garantia, porém. Nem enunciavam princípios que pudessem nortear a legislação e o Direito Pretoriano”~
Citando o Min. Carlos Brito do STF e autores alemães (Konrad Hesse e Robert Alexy), destacou que a Constituicao passou a ocupar a centralidade do ordnemanto juridico “tanto quanto os princípios passaram a ocupar a centralidade da Constituição”
Afirmou que a carta brasileira de 1988 seguiu esse ideário, adotando a democracia como megaprincípio e em torno dele (núcleo de circunferência democrática) a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Em relação ao Texto Constitucional anterior (1967 a 1969), a Constituição de 1988 manteve inalterados alguns direitos trabalhistas básicos e manteve outros, com algumas modificações. Acrescentou que no mais, houve considerável avanço na normalização dos direitos individuais e coletivos do trabalho.
Em relação à dignidade da pessoa do trabalhador, que tem como corolário a efetivação do trabalho decente, o Brasil tem lutado em frentes importantes, no combate aos acidentes no trabalho, ao trabalho infantil e ao trabalho em condições análogas a de escravo.
Destacou que ação gorvernamental e legislativa, apesar de tudo o que se viu ate aqui, mostra-se deficitária em aspectos relevantes, arrematando que algumas omissões do legislador infraconstitucional são evidentes e preocupantes.
Afirmou que algo que o Legislador está a dever ao trabalhador brasileiro é a garantia da relação de emprego contra despedida arbitraria ou sem justa causa, prevista no já transcrito inciso I do art. 7º. da Constituição.
No final, destacou que o TST tem fixado parâmetros à flexibilização constitucionalmente aceita, interditando a supressão integral do feito legalmente reconhecido.