5º Congresso Internacional da Anamatra: Conferência “Os ajustes da legislação trabalhista alemã frente à globalização”

Conferência foi proferida pelo professor Wolfgang Däubler, da Universidade de Bremen

*Da Alemanha, colaboraram os juízes Fátima Stern e Henrique Cavalcante


A primeira conferência do 5º Congresso Internacional da Anamatra , realizada no dia de hoje (13/10),  teve como tema “Os ajustes da legislação alemã frente à globalização”, e foi proferida pelo professor Wolfgang Däubler, da Universidade de Bremen. Em sua intervenção, o professor falou sobre a questão da globalização e seus efeitos no Direito do Trabalho alemão, o quem vem acarretando no aumento da informalidade nas relações de trabalho no país.

O professor Wolfgang Däubler também falou da concorrência internacional e do efeito disso na manutenção das empresas. Outro aspecto abordado por ele na conferência foi a conduta do Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha, que, por exemplo, criou uma jurisprudência favorável a um “contrato coletivo social”, onde os empregados demitidos recebem seus salários por três anos e a reeducação profissional é assumida pelo ex-empregador.

Däubler também falou de algumas convenções da OIT que, segundo ele isolam as normas trabalhistas da esfera da concorrência, mas os países não as ratificam e muito menos cuidam de sua eficácia material. Também discorreu sobre a obediência às “cláusulas sociais”, e lançou um questionamento – “As vítimas da globalização podem estabelecer padrões básicos superiores às da OIT?”

O 5º Congresso Internacional da Anamatra segue até o dia 17 de outubro, e terá programações, além de Frankfurt, nas cidades de Karlsruche, Erfurt, e Berlim. Acompanhe, aqui no site da Anamatra, a cobertura noticiosa do evento, que está sendo feita em parceria com magistrados participantes

 

CONFIRA OS APONTAMENTOS DA CONFERÊNCIA:

Praticamente não há um só jornal diário que não mencione o tema da globalização, o que se repete nos demais meios de comunicação. Tampouco há empresas que não tenham interesse em negócios com o exterior. Na internet podemos acessar notícias de países distantes. Há programas de entretenimento em nível homogêneo e noticiários chegam pela CNN e BBC, por exemplo. Isso não acontece nos países excluídos, que além de tudo não têm força política mundial. Também países islâmicos não têm o perfil acima.

O Direito do Trabalho, com as modificações nos meios de comunicação e transporte, facilitou-se o intercâmbio de mercadorias (importação e exportação). Mais importante: poucos países impõem restrições a investimentos estrangeiros. O colapso dos países socialistas trouxe o efeito da prevalência nas considerações econômicas e não mais geopolíticas. O fim da tensão com o comunismo e suas “ameaças” gerou um mundo unipolar. A economia de mercado não é mais gerida por um comando político. A ONU está menos importante.

As regras do mercado vêm da OMC. E as sociais da OIT. Comércio informal no mundo: 85% nos países do mundo, sem impostos, contribuições previdenciários e outros direitos judicialmente exigíveis. Ausência de direitos sociais. A idéia de normas internacionais do trabalho apenas atingiram alguns poucos setores, sem perspectiva de mudança.

Pressões sobre o Direito do Trabalho: pressões de custos trabalhistas mais baixos que na Alemanha ou Espanha não é importante. O critério decisivo não é o preço da hora do trabalho, mas o custo da produção de uma determinada peça ou artefato para produtos como “fogos de artifício”. Assim, países mais competitivos podem produzir melhor e sem afetar os direitos trabalhistas (doravante DT). Quando há uma homogeneidade de custos, as empresas buscam reduzir os custos, normalmente através da redução de empregos por novas técnicas produtivas: regulamentação e redução dos custos de trabalho, adaptando-se às demandas de trabalho.

Em vez de formas coletivas que poderiam dificultar a redução de custo trabalhista, enfatiza-se o contrato individual: autônomos, terceirizados, a tempo parcial etc. Para evitar erros, exige-se o máximo de transparência na contratação de mão-de-obra, o que torna o trabalho ainda mais assemelhado a uma “mercadoria”.

Além disso, há possibilidade de instalação de sucursais no exterior para baixar os custos, entretando devem/se observar alguns pressupostos dois pontos mão de obra e estrutura (por exemplo fornecimento de energia).; São adequados? Órgãos públicos locais colaboram? A segurança pessoal dos prepostos no pais de destino é suficiente? Assim, a transferência de uma unidade de produção nem sempre é correta. A realidade muda quando uma “empresa mãe” já tem uma sucursal prévia no exterior. Nesse caso, ocorre uma alteração fundamental: o empregador pode ameaçar os trabalhadores, com a possibilidade de “puxar o tapete de debaixo de seus pés”. Conseqüência: a equiparação de força na negociação não ocorre mais. Sindicatos, comissões de trabalhadores etc. que podem dizer sobre a opção entre redução salarial de 30% e fechamento da fábrica? A greve chama a atenção e os empregados têm medo de se expor.

Além da ameaça de transferência, encontramos novas dificuldades para o DT nas fronteiras entre o centro decisório das empresas e o local de prestação de serviços pelos empregados: relevância jurídica. Exemplo da Empresa “INBEV”, onde se conhecem os executivos imediatos, mas nao os verdadeiros donos dessa pessoa jurídica e não se pode avaliar suas condutas sociais, benéficas ou neoliberais ao extremo. É antes de tudo uma fronteira de conhecimento entre as partes.

Há comissões de trabalhadores em nível europeu por exemplo no caso da VW. Estas podem fazer comparações interatlânticas, havendo por exemplo um representante brasileiro (empregado). Mas isso é exceção.

Trabalhadores ilegais ou que foram enviados pelos patrões estrangeiros, particularmente com o ingresso de novos países do Leste Europeu, mais “pobres”, tornou a remessa de trabalhadores para os demais países algo muito rentável.

Outra conseqüência: a concorrência internacional faz com que as alíquotas de importação sejam o mais reduzidas possível. Assim busca-se manter as empresas nos países. Há ainda o envelhecimento da sociedade, o que implica redução dos benefícios da previdência social na Alemanha. Os empregados ou criam uma compensação pela via da política de negociação coletiva ou alternativamente aceitam a redução do padrão de vida. Surgem problemas jurídicos, sobre que pressupostos é possível reduzir a remuneração do trabalho. Quais os limites para isso? Na prática acontece de o marco regulatorio jurídico deixa de ter maior importância: entre o fim dos empregos e redução salarial a maioria optará pela segunda hipótese.

A greve como alternativa. O TST da Alemanha criou jurisprudencia favoravel a um “contrato coletivo social”, onde os empregados demitidos recebem seus salários por três anos e a reeducação profissional é assumida pelo ex-empregador, aspas evitando aspas assim o Estado que haja a relocalização. Ou seja, contra problemas sociais torna-se mais cara a deslocalização. Ainda não está esclarecida a opção da greve contra deslocalização ou redução salarial: aguarda-se posicionamento do TST da Alemanha.

O que ocorrerá com o instituto jurídico da co-gestão alemã: comissão eleita pelos trabalhadores tem direito de veto em determinadas decisões e, quando não há consenso, uma comissão neutra de arbitragem dirime o conflito individual. O que acontece contudo se a decisão é tomada no exterior? Houve um caso onde uma empresa dos EUA enviou e-mail diretamente para seus empregados, perguntando qual sua situação na empresa, o que na Alemanha estaria sujeito às regras da co-gestão (apenas se faria essa consulta se a comissão concordasse). A sucursal alemã não cumpriu e o TST da Alemanha amparou a co-gestão alemã contra a multinacional com sede no exterior.

Outro aspecto é a incidência de interesses estrangeiros nas empresas alemãs. Isso tem acontecido em escala européia. Houve um caso no qual o presidente de uma comissão de trabalhadores em Munique quis falar com o homônimo de Viena. A empresa se negou a pagar o custo de viagem. O Tribunal do Trabalho de Munique entendeu que os custos deveriam ser assumidos pela empresa, porque os objetivos da viagem estavam relacionados a implementação de tecnologia nova tanto na Alemanha quanto na Austria.

Outro problema jurídico: os trabalhadores enviados do exterior para a Alemanha estão sujeitos aos contratos coletivos de trabalho alemães? Pela lei vale para a construção civil e limpeza. O pressuposto é de que valeria para todos, mas nos outros setores há apenas algumas prescrições de interesse público, como a limitação de jornada e proteção do trabalho (?).

Há regulamentações próprias sobre empregados vindos do estrangeiro e encaminhados pelos empregadores. A função protetiva nesses casos está cada vez mais freqüentemente “à disposição da negociacao coletiva” e portanto vulneráveis. A possibilidade de deslocalização significa na prática a vitória da economia sobre a política social.

Custos de capacitação se o empregado deixa a empresa antes de três anos depois do curso. Há investimentos que não seriam mais feitos se o empregado pudesse ir para a concorrência. Tema controvertido. O DT e o Direito Constitucional (DC) também querem evitar mecanismos de distorção no mercado.

Reflexão sobre gestão mais democrática da empresa: maior produtividade. Mais autoritária: menos produtiva. União Européia (UE) fez pesquisa sobre comissões de trabalhadores e introdução de novas técnicas. Concluiu-se que o grau de informação sobre tecnologias era maior, gerando produtividade maior na Alemanha e Dinamarca e menor na Inglaterra, por exemplo.

Quanto aos contratos a prazo indeterminado, há uma coordenação positiva entre a manutenção de um trabalhador em determinada empresa e o grau de sua produtividade. O que ainda não se discutiu é como o DT deve ser configurado para permitir inovações nas habilidades dos empregados. Não se pode ocupar o tempo de trabalho inteiramente com atividades obrigatórias. Na 11ª ou 12ª hora de trabalho a mente não funciona para apresentar possibilidade de novas idéias. Essa é uma experiência alemã. Os chefes diretos têm pouca abertura diante de idéias inovadoras, por medo. Por isso, empresas têm ombundsman.

Há ainda reações no plano internacional à globalização. Mumbai: renda salarial mensal de 150 dólares. Empregados pediram para aumentar para 200 dólares. Os sindicatos indianos abandonaram sua reivindicação, porque no Sri Lanka se poderia facilmente trasladar a unidade produtiva, conforme dito pela empresa. O que fazer contra isso?

Em primeiro lugar, as convenções da OIT. Elas isolam as normas trabalhistas da esfera da concorrência, mas os países não as ratificam e muito menos cuidam de sua eficácia material. A convenção 87 por exemplo não foi ratificada pelo Brasil, China, EUA etc. A OIT implementou em 1998 os parâmetros fundamentais de trabalho: contra trabalho forçado, escravo, infantil, discriminação e liberdade de associação sindical e autonomia na negociação de contratos coletivos de trabalho. O problema é que as convenções da OIT não são vinculantes, apesar de práticas consuetudinárias contra o trabalho escravo, por exemplo. A OIT vem defendendo o “trabalho decente”.

Há idéia ainda das “cláusulas sociais” quando certas cláususas sociais sejam obedecidas. Isso ocorre na União Européia, através de preferências alfandegárias quando atendidas essas clausulas. Há inclusive casos de custo alfandegário zero, desde que essas normas sejam ratificadas, introduzidas no direito interno e observadas (Moldávia e Sri Lanka).

Um limite dessa política é a incerteza das informações. Não há garantia de sucesso dessa politíca. Os EUA têm tradicionalmente essas políticas, com listas negras, sendo alguns paises excluídos mas por motivos de política externa. A China, por exemplo, não foi incluída na “lista negra”. No NAFTA os países integrantes podem ser forçados a observar seu DT. Os EUA sempre se evadem de regras estabelecidas por terceiros, o que se verifica como exemplo no caso do Tribunal Penal Internacional (TPI).

As vítimas da globalização podem estabelecer padrões básicos superiores às da OIT? Isso funcionou na marinha mercante. Foram elaborados formulários de contrato de trabalho padrão, para embarcações que usassem “bandeiras baratas”, o que normalmente não há nos países de origem dos trabalhadores maritimos e das bandeiras (por exemplo plano de saúde). 1/3 dos navios com bandeiras baratas têm agora tripulação protegida por esses contratos.

Comitê mundial de trabalhadores da VW seria um outro caso de “auto-defesa” dos trabalhadores. Outra possibilidade seria código de conduta voluntário da direção de uma empresa, em relação aos fornecedores. A unilateralidade deixa muito a desejar, quando surge um conflito concreto: casos da Adidas, Faber-Castel, que têm um código de conduta muito bonito, mas impossíveis de controlar nas sucursais e muito menos nos fornecedores.

O melhor ambiente para proteção dos trabalhadores seria no âmbito nacional, até se chegar a uma articulação internacional. Isso pode gerar resistências. Exemplo: empresas dos EUA obrigam empregados a observar regras de conduta, inclusive atingindo a dimensão de personalidade, como no caso da “obrigação de dedurar” os colegas. A jurisprudência alemã e francesa exigiram adaptação desse tipo de clausula contratual.

O DT agora deve se voltar para o aumento de produtividade. Mudou o paradigma. Mas o quadro é desolador, pois a Europa ainda está sob o manto do neoliberalismo. Talvez a crise financeira contribua para que os asseclas do neoliberalismo declinem e se pense no DT não como garantia de funcionamento do mercado, mas no interesse dos assalariados.

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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra