Brilhante pensadora do mundo jurídico, a Doutora em Direito Claudia Roesler abordou o tema: Do Positivismo Jurídico ao Pós-positivismo:como entender a prática jurídica contemporânea e a normatividade da Constituição. Agora em entrevista para a Assessoria de Comunicação da Associação ela vai além, falando sobre as transformações do Poder Judiciário e sobre sua contribuição no modelo de formação do ENAMAT.
Amatra 12 - Considerando seu amplo estudo sobre a teoria e o passado do Direito, a senhora considera-se uma historiadora do Poder Judiciário? Seu estudo lhe deu destaque no meio acadêmico. Comente um pouco sobre sua experiência.
C.R. - Minha experiência acadêmica começou, há muitos anos atrás, como bolsista de iniciação científica enquanto cursava a graduação em Direito, estudando autores que foram muito importantes na minha formação e me auxiliaram a compreender o Direito e a história do pensamento sobre o Direito. Concluída a graduação, realizei uma especialização também em teoria do Direito. Em seguida iniciei meu mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP – que logo acabou sendo convertido em doutorado direto – uma possibilidade que a USP oferece – e que me levou a estudar um autor muito importante do Século XX que foi Theodor Viehweg, sob a orientação do Prof.
Minha curiosidade sobre temas pertinentes ao Judiciário foi crescendo à medida que tomava contato com as angústias de meus alunos e orientandos e, num processo quase que natural, procurava comparar o que eles relatavam de suas práticas e de suas concepções sobre o Direito com aquilo que eu aprendera na Teoria do Direito.
Essas indagações me levaram então, ao prosseguir minha trajetória acadêmica, a realizar um estágio pós-doutoral na Universidad de Alicante, na Espanha, em 2006, para estudar os mecanismos de seleção e formação dos juízes espanhóis, pois me parecia que isso era demasiado importante, especialmente a partir da EC 45/2004 e não estava recebendo a devida atenção, além de outros estudos sobre os mecanismos de seleção e formação dos juízes no Brasil, alguns ainda em curso.
Amatra 12 - Entendendo a história do Direito é possível traçar uma linha para o seu futuro? Como a doutora entende o modelo do Poder Judiciário hoje? E como será configurado no futuro de acordo com sua trajetória?
C.R. - O modelo do Judiciário hoje é um modelo que eu diria que está em transição. As velhas estruturas, criadas ao longo dos Séculos XVII a XIX, não dão mais conta da demanda que recai sobre o Judiciário, mas um modelo completamente novo está por ser gestado. Assim, o que vemos são área de excelência dentro do Poder Judiciário e ao mesmo tempo comportamentos e atitudes que nos fazem pensar que para muitos ainda valem as mesmas respostas que se davam aos problemas jurídicos do Século XIX.
É preciso notar, no entanto, que não há uma trajetória definida e que o processo de redefinição do Judiciário se insere num processo mais amplo e complexo que é o processo de ajuste às transformações sociais pelo qual passa o Estado como um todo. Como parte do Estado, o Judiciário não está sozinho nas perguntas pela construção de um novo modelo e nem pode construí-lo sozinho, pois sua estrutura e seu funcionamento dependem da forma como os demais Poderes e como a própria Sociedade se articulam.
Amatra 12 - Na palestra proferida na AMATRA12 a senhora falou sobre um aspecto da Constituição. A senhora enxerga nossa Carta Magna como um instrumento conservador? Ou no mínimo demasiadamente tradicional, que não tem acompanhado a evolução das relações jurídicas?
C.R. - Eu creio que toda Constituição, mas em especial a Constituição de 1988, deve ser entendida como a Constituição “possível”. O que quero dizer com isso? Quero dizer que ela é a Constituição que um determinado momento histórico – a redemocratização e a repressão histórica das demandas sociais, a insegurança quanto à duração do regime democrático – nos permitiu fazer. O que me parece mais grave é não reconhecer isso e perceber que temos um texto que pode ser excelente ou não, dependendo da forma como for interpretado, especialmente pelos guardiões máximos da Constituição. Nesse sentido, minha resposta é de que eu não a acho um instrumento conservador. Eu a considero uma boa Constituição. Utilizando-me das palavras de um professor da Universidade de Alicante, Professor Josep Aguiló, eu diria que é preciso atentar para o fato de que mais do que ter um texto escrito de uma determinada maneira, temos de fazer um esforço para superar o que ele chama de “ter uma Constituição” e passarmos a “viver em Constituição” ou, seja, assumirmos os seus valores e os seus princípios.
Amatra 12 - Para concluir, gostaria que a senhora comentasse sobre o seu papel na formação intelectual dos Magistrados, mais especificamente da área trabalhista. Já que a doutora orientou alguns trabalhos de mestrado além de publicações de livros.
Por caminhos inesperados, acabei por me envolver diretamente em uma investigação sobre seleção e formação dos juízes espanhóis e coincidentemente, quando a ENAMAT estava discutindo seu modelo de formação, estabeleceu uma relação muito próxima com a Escuela Judicial de Barcelona, que eu havia estudado. Meu relatório de pesquisa acabou sendo pedido, então, pela ENAMAT e serve como material didático para suas atividades. Essa é uma forma, vamos dizer assim, indireta, de atuação na formação dos juízes trabalhistas.
No meu cotidiano de professora do Mestrado em Ciência Jurídica e em breve do Doutorado em Ciência Jurídica – recém aprovado pela CAPES e em fase de implantação – já tive muitos alunos oriundos da Justiça do Trabalho e a grata satisfação de orientar alguns, cujos trabalhos redundaram em publicações. Um bom exemplo disso é justamente a investigação realizada por José Carlos Külzer sob a minha orientação, que redundou em livro recentemente lançado pela LTr. A discussão central realizada ali procura mostrar justamente que, como eu falava antes em relação à Constituição, muitas vezes temos os instrumentos para realizar as nossas tarefas com mais celeridade e efetividade, mas não o fazemos porque estamos presos a uma visão superada do Direito.
Minha contribuição, se é que se pode chamar assim, é procurar mostrar como, nessa história do pensamento jurídico dos últimos dois séculos, os problemas jurídicos foram resolvidos e como devemos estar atentos às mudanças sociais se queremos auxiliar a construir um Judiciário mais adequado à Sociedade contemporânea.
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* Com informações da Amatra 12