Uma conferência emocionou todos os congressistas do XIV Conamat. Com um auditório lotado, o ministro Carlos Ayres de Britto proferiu, no dia 1º de maio, a palestra "Novo Humanismo e Nova Justiça do Trabalho". Em um brilhante ensaio filosófico-prático, o ministro iniciou sua intervenção elogiando a celeridade da Justiça do Trabalho. "A efetividade da Justiça do Trabalho é sempre uma inspiração para nós que fazemos da atividade jurisdicional mais que um meio de vida, mas uma bela razão de viver", afirmou, citando Voltaire - "A mais bela de todas as vocações é a de ministrar a Justiça".
O ministro conclamou a todos, magistrados ou não, a um pensar dialético do Direito e da realidade. "Se o dogma não passar incólume ao nosso crivo de pensar e sentir as coisas, devemos estilhaçá-lo; pois será um tabu a menos que se quebra", determinou, completando - "será um condicionamento a menos na nossa vida, nos possibilitando criar uma ambiência de boa vontade e tolerância", afirmou.
Ayres de Britto começou citando o filósofo grego Heráclito, que afirmou: "só o impermanente é permante". O conferencista fez uma releitura do filósofo, concordando com o seu pensamento de que nada é engessado, tudo é dinâmico; e mencionou o que definiu como uma estrutura dicotômica. "Toda a vida é binária, bifronte; seja no mundo biopsíquico, seja de fora dele. Geral e particular, céu eterra, alegria e tristeza, otimismo e pessimismo, amor e ódio...", afirmou. Para o ministro, a vida é constituída da vibração de pares de opostos, liberando-se uma energia para o movimento.
"Se as coisas estão em movimento constante é porque elas se encontram, e nesse encontro todas as coisas dialogam, interagem e se modificam. Todo encontro é uma certeza de modificação das partes. Todo o real e todas as partes estão em constante mutabilidade", afirmou. A conclusão de Ayres de Britto é que a vida é perenemente e incessantemente atual, pois ela se modifica a todo o instante. "Se tudo muda, é porque o inédito acontece. É o novo que dás as cartas. E a vida se torna infinita.
Para Ayres de Britto, o tempo passou e a filosofia se comprovou também no plano da ciência e da física quântica; assim como a neurociência reafirma mais tarde com uma novidade - o observador atento desencadeia mudanças no objeto. "O sujeito cognoscente faz o objetivo cognoscivo. O que parecia ser exclusivo do mundo da natureza passa a ser também do mundo da cultura. Assim, o nosso mundo também se caracteriza pela infinitude", afirmou.
E o ministro lançou desafios para o pensar da magistratura - "É possível trazer para o mundo do Direito todas essas proposições? As normas do Direito se movimentam, dialogam, conversam? Há um princípio básico ente elas? Quando elas se cruzam interagem de modo a uma influenciar a outra? Uma interfere na antologia e na funcionalidade da outra? É possível dizer que o operador jurídico desencadeia no dispositivo uma reação inédita?"
Para o ministro, os questionamentos mexem com a estrutura racional e sentimental. E nem o cérebro humano escapa dessa binariedade. Para Ayres de Britto, o pensamento é todo o humanismo, que incorpora o sentimentalismo, em uma dualidade. "O mundo é feito de dualidades para que sejam percebidas, experimentadas e suplantadas", afirmou.
Segundo o ministro, o ponto de unidade entre o pensamento e o sentimento deve ser a consciência, realidade essa que deve ser aplicada à atividade judicante."O magistrado para resolver um problema concreto deve ser lapidado pela consciência, com uma franja de normatividade que ele precisa, seguindo o seu senso de justiça. O sentimento não gosta do mundo das normas, e sim do mundo dos fatos; que nos catapulta para a vida", afirmou, conclamando a magistratura para também se abrir para a sentimentalidade e a intuição. "Precisamos manejar os dois lados de nosso cérebro (racional e sentimental). Só assim resgataremos a nossa presteza. Não podemos estar mutilados, mas inteiros. Só a inteireza do ser humano é que permite que ele atinja o ápice, o clímax da consciência"
Ayres de Britto também pediu coragem! "Quem trabalha com o coração perde o sentido das coisas e se abre para as surpresas e o ineditismo da vida". Aqui, o ministro não deixou de falar de sua experiência pessoal: "Todas as vezes que eu me debrucei sobre um caso concreto, despertando para o holismo; sempre que fiz do sistema normativo um ponto de partida e não de chegada, sempre que disse para mim mesmo que o povo está muito certo em dizer que cada caso é um caso ...) dormi tranqüilo". E foi mais longe - "Não sou ácaro de processo, sou um ser de vida. Abro a janela do Direito para a vida".
?Convido todos para que juntos projetemos um olhar para o Novo Humanismo, que não é mais racional; mas que incorpora um tônus de sentimentalidade de tudo que a gente faz e a gente vê?, conclamou Ayres de Britto. "O humanismo que vejo novo para o Direito é esse que já não identifica a mente como sinônimo de humano. O humano é mais do que a inteligência, é o sentimento. Não podemos crucificar no ortodoxo da segurança jurídica o impulso da minha alma para o futuro, o avanço e o novo".