O mundo do trabalho tem sofrido profundas alterações nas últimas décadas. O trabalho em massa, padronizado e formal tem convivido com novas formas de ocupação para as quais a legislação social e o aparato do Judiciário não têm se mostrado devidamente atualizados para atender e solucionar as demandas de fração cada dia mais considerável da população economicamente ativa.
Falamos de um mundo do trabalho sensivelmente transformado pela implementação de novos padrões produtivos, que impuseram mutações no tradicional paradigma trabalhista até então conhecido. A concentração fabril e a produção massificada estão dando lugar, em espantosa velocidade, a um ambiente marcado pela introdução de novas tecnologias, onde o trabalhador, antes especializado em uma única tarefa, agora opera várias máquinas eletrônicas e desempenha múltiplas funções.
Em conseqüência, experimenta-se um fenômeno denominado de desemprego estrutural ou tecnológico que tem produzido não somente o esvaziamento e a redução dos postos de trabalho, mas igualmente sugerido o aumento de novas formas de ocupação, inclusive marginais, revelando procedimentos de precarização do trabalho, como a terceirização.
Dados oficiais do IBGE (Pesquisa Mensal de Emprego – PME de dezembro de 2003) dão conta que mais de 40 milhões de brasileiros trabalham sem qualquer vínculo formal de emprego. O resultado disso é a exclusão desses milhões de trabalhadores vinculados à denominada ‘economia informal’ do sistema de proteção social (trabalhista, previdenciário e de seguridade social), inclusive quanto ao acesso à Justiça do Trabalho.
Isso porque, a Justiça Especializada do Trabalho é formal e historicamente vinculada aos contratos de trabalho celebrados e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, isto é, aos contratos formais de trabalho, nunca lhe tendo sido atribuída ampla competência para julgar as querelas oriundas de outras modalidades de trabalho.
Por essa razão, a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho é um dos aspectos mais relevantes da Reforma do Poder Judiciário.
O texto aprovado na Câmara dos Deputados consigna considerável avanço para a construção de uma Justiça do Trabalho moderna e apta a ser acessível a todos os trabalhadores, ao dispor que será de sua competência as ações oriundas das relações de trabalho em geral (art. 115 da redação da PEC-96/92), com expressa abrangência, portanto, de todas as causas envolvendo trabalhadores, mesmo aqueles sem vínculo empregatício, os tomados dos respectivos serviços e até mesmo os servidores públicos submetidos a regime estatutário.
Poder-se-ia questionar: está a Justiça do Trabalho aparelhada para assimilar essa nova competência geral? Claro que o Judiciário Trabalhista, como os outros ramos do Poder Judiciário, carece de maiores investimentos para sua informatização, ampliação e modernização. Porém, trata-se de uma Justiça extremamente capilarizada, contando atualmente com um tribunal superior (Tribunal Superior do Trabalho), 24 Tribunais Regionais do Trabalho e 1.378 Varas do Trabalho (já consideradas as varas criadas pela Lei 10.770, de 21.11.2003) com jurisdição sobre quase todo o território nacional e vocacionada para absorver um leque maior de jurisdicionados. Além disso, estatísticas oficiais do Supremo Tribunal Federal atestam que a Justiça do Trabalho vem julgando, ano a ano, um número de processos superior ao volume de causas recebidas.
Um outro aspecto que pode representar um avanço inquestionável à jurisdição trabalhista é o de dota-la de competência penal.
Com efeito, a legislação penal brasileira estabelece uma série de tipos penais cujo locus é o ambiente do trabalho ou mesmo a própria Justiça do Trabalho, como ocorre com os crimes contra a organização da Justiça praticados nos órgãos do Judiciário Trabalhista.
Vejamos, como exemplo, alguns dos tipos previstos nos artigos 197 a 207 do Código Penal: “atentado contra liberdade do trabalho”; “atentado contra a liberdade de contrato de trabalho”; “atentado contra a liberdade de associação”; “paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem”; “paralisação de trabalho de interesse coletivo”; “frustração de direito assegurado por lei trabalhista”; “aliciamento para fins de emigração”; “aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional”.
Como se pode observar, são tipos penais que estabelecem condutas praticadas contra a organização do trabalho, no âmbito, portanto, das relações trabalhistas, com forte caráter social, que demandam, por isso, conhecimento e manejo das questões que envolvem os atores sociais do trabalho, o que atrai, de forma indelével, a atuação do Juiz do Trabalho, já ordinariamente afeto às discussões que envolvem o capital e o trabalho e suas tensões.
De outro lado, qual a razão para delitos contra a administração da Justiça, como “falso testemunho” (art. 342, CP), coação no curso do processo” (art. 344) e “fraude processual” (art. 347) praticados durante a tramitação de causas trabalhistas não sejam submetidos à apreciação da própria Justiça do Trabalho?
Há, inclusive, que se considerar que o Ministério Público da União possui um ramo razoavelmente aparelhado para funcionar como promotoria natural trabalhista. Trata-se do Ministério Público do Trabalho, que conta hoje com 24 Procuradorias Regionais, com atuação em todo o território nacional e igualmente preparado e vocacionado para o exame da prática dos referidos delitos.
Afora isso, não constitui nenhuma novidade o fato de que ramos especializados do Poder Judiciário detenham competência criminal relativamente aos fatos ocorridos no âmbito de sua atuação principal, tal como ocorre com a Justiça Eleitoral. A competência especial tem servido até mesmo para atrair o julgamento de crimes conexos. A exceção, na verdade, é a Justiça do Trabalho.
No cenário internacional, como se vê em Portugal, destaca-se a experiência dos juízes do trabalho que, além de deterem competência cível-trabalhista, também detêm especial competência para o julgamento das contravenções e crimes contra a organização do trabalho e contra a própria administração de tal justiça, modelo que se espera repetir na Justiça do Trabalho no Brasil.
A oportunidade dessa ampliação da competência da Justiça do trabalho, no bojo da Reforma do Judiciário, vai ao encontro, inclusive, de fatos concretos que revelam o recrudescimento da exploração degradante do trabalho, com as diversas denúncias sobre a prática de trabalho escravo em várias regiões do país.
Para isso, a Anamatra, através de sua diretoria e de sua Comissão de Assuntos Legislativos, tem dialogado constantemente com o Poder Legislativo Federal.
Novos, portanto, são os tempos. Novo há de ser o perfil da competência atribuída aos magistrados do trabalho para responder ao anseio por acesso à justiça de uma parte crescente da classe trabalhadora.