O eixo de qualquer movimento coletivo deve primar pela busca da unidade no interior da respectiva categoria ou do segmento representativo da sociedade. A unidade real, todavia, não é mera reunião de pessoas numa mesma sigla orgânica, sem o cumprimento do conteúdo finalístico para o qual estão entrelaçados.
Ela pode materializar-se de forma mais legítima quando são reconhecidas as diferenças e construídas as alianças em torno de princípios comuns, dando sentido ao conceito de união. O receio de enfrentar a realidade, no mais das vezes, coloca-se como obstáculo ao desenvolvimento mais harmônico das entidades de classe da magistratura brasileira.
É dentro desse panorama que se inseriu o recente debate sobre a desvinculação institucional das Amatras da AMB, abrigando alguns ferrenhos opositores, movidos por legítimo romantismo da unidade em torno da Associação de todos os segmentos da magistratura. E assim os considero, pela notória boa-fé presente na avaliação, insuficiente, no entanto, para fazê-los perceber os caminhos tão opostos e independentes percorridos pela Anamatra e pela AMB nos últimos anos. Essa adversidade gerava problema incontornável para os presidentes das Amatras, qual seja, o da sobreposição. Vinculados que se encontravam a dois Conselhos de nível nacional (Anamatra e AMB), os dirigentes trabalhistas, e apenas eles, quando havia conflito nas decisões tomadas por ambas entidades, deviam optar pelo descumprimento de uma delas.
A linha adotada pela Anamatra nos últimos anos, inegavelmente, deu-lhe identidade própria como organização de âmbito nacional, notadamente nos espaços conquistados no Poder Legislativo, na imprensa e nos demais meios, daí decorrendo que tais atores não identificam sequer ligação dos juízes do trabalho com a AMB. A desvinculação das Amatras, estou certo, não provocará nenhum prejuízo à causa da magistratura, que, cada dia mais, para a Anamatra, tem que ser, antes, a do conjunto da sociedade brasileira.
Por essa razão, o foco na defesa do Estado Democrático de Direito pelos juízes tem que estar guardado de uma transversalidade além do perfil corporativo. Ao invés de retrocesso para o movimento, entendo que, com a desvinculação, novo patamar positivo de legitimidade será estabelecido, buscando cada entidade solidificar as suas ações a partir de posturas propositivas que a qualifiquem para o debate dos grandes temas. Nesse cenário, haverá sempre a perspectiva do avanço, sob pena da perda de espaço político.
Sei que havia argumentos sobre a impropriedade do momento da discussão, como se pudesse haver calmaria num Estado com enormes deficiências, cujo Poder Judiciário é chamado constantemente e não consegue corresponder às expectativas da população. Pelo menos no campo da reforma constitucional em andamento nada será alterado, eis que a Anamatra e a AMB continuarão trabalhando do mesmo modo, encaminhando os seus pontos de vista de maneira absolutamente independentes.
A saída formal das Amatras da AMB significa reconhecer o óbvio: já estamos desvinculados na prática e não precisamos de duas entidades de âmbito nacional para cuidar dos mesmos assuntos.
Ao tomar posição pela desfiliação, a diretoria da Anamatra suscitou o debate com os associados, gerando-se o resultado de 17 Amatras favoráveis à desvinculação e 7 contrárias.
Diante disso, a Anamatra, que jamais foi filiada à AMB, deixará de exercer a coordenação política das Amatras junto à referida entidade, estando cada dia mais livre para defender as suas idéias sem o receio de criar qualquer constrangimento em relação aos colegas da justiça estadual, como ocorreu na discussão sobre o teto, na reforma do Judiciário, na reforma da Previdência, na reforma do estatuto e no modo de enfrentamento das mazelas do judiciário. Recuso-me a emitir juízo de valoração sobre tais pontos e sobre a própria postura das duas associações, seja pela suspeição, seja porque o debate é mais profundo.
A capacidade de articulação, o perfil progressista, a liderança nata forjada na luta e a seriedade de propósitos, são atributos do combativo Presidente da AMB, desembargador Cláudio Baldino Maciel. Talvez seja o único aspecto doloroso de todo o processo, deixar a AMB exatamente na sua gestão. Não foram os dirigentes da AMB que provocaram a saída dos juízes do trabalho, mas o esgotamento de um modelo que, colocado à prova diante de tantos embates, exauriu-se, por conflitar com a noção de Anamatra independente e de caráter nacional, representativa de todos os magistrados trabalhistas.
Mas seria limitar o sentido de entidade nacional se a pretensão da Anamatra tivesse como foco representar os interesses corporativos dos juízes do trabalho. É evidente que a denominação pouco importa na aferição de legitimidade social, adquirida pelo envolvimento com os grandes temas sem o viés estritamente interno, como tem procedido a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho nos últimos anos.
A Anamatra quer ser cada vez mais uma entidade dos juízes brasileiros comprometida com a defesa do Estado Democrático de Direito, com a justiça social, com a reforma das leis processuais trabalhistas, civis e penais e com os segmentos hoje afastados do processo decisório. Não estamos deixando a AMB para nos olharmos internamente, mas para alcançarmos horizontes que já nos cabem na saudável pluralidade associativa.