Os direitos humanos vêm assumindo presença marcante nos grandes debates jurídicos da atualidade, com destaque para aqueles que se travam no âmbito do Direito do Trabalho. Vincular tais idéias pode parecer coisa vaga e difusa. Quiçá alguns pensem que o estudo não tenha qualquer aplicabilidade prática. Ledo engano.
Os direitos humanos não dispensam, antes reclamam, a incorporação ao ordenamento jurídico de cada país, movimento que vem ocorrendo entre os povos civilizados.
A adequada constitucionalização é passo necessário e subseqüente na proteção ao ser humano. Na inserção constitucional, transmudam-se os direitos humanos em direitos fundamentais do cidadão, mais palpáveis, exigíveis.
Seja falando em sistema internacional de proteção aos direitos humanos, seja falando nos direitos fundamentais assegurados na Carta Magna de 1988, salta aos olhos que ambos dedicam tratamento privilegiado ao ser humano-trabalhador. Já os arts. 23 e 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos chancelavam os direitos do ser humano trabalhador. Posteriormente, o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais também o fez. E seguiram-se outros documentos multilaterais.
Não foi sem propósito que a Constituição cidadã retirou as normas de cunho trabalhista do capítulo da ordem econômica e social, onde se agasalhavam no ordenamento constitucional anterior, e as acolheu como direitos e garantias fundamentais do cidadão.
E isto não é tudo. Nossa Carta Constitucional avançou mais. Reconhece a eficácia imediata do elenco de direitos fundamentais. E aí despem-se as normas constitucionais da condição de meramente programáticas, de reflexo das circunstâncias políticas. Passam, em realidade, a conformadoras da sociedade, a promotoras da pessoa humana. Impõem às normas infraconstitucionais a direção social a adotar.
A Carta Magna oferece o necessário instrumental para afirmação do bom Direito do Trabalho na perspectiva dos direitos humanos, dos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana e a exaltação do valor social do trabalho fundamentam o Estado Democrático de Direito do Brasil.
De tudo, nada valem as normas sem os seus aplicadores, seus hermenêutas. E aqui comparo a norma jurídica a uma bailarina pálida e vestida de neve. Quem lhe dá o tom, a cor, a vida, são as luzes do palco, que matizam as suas vestes e tingem a sua figura.
Pois bem. Descoloridas, inertes, as normas carecem de interpretação. E o manancial constitucional reclama por uma hermenêutica social que contextualize a legislação com status inferior aos comandos na norma suprema. Em outras palavras, somente pela vontade dos operadores do direito é que se pode efetivar a tutela constitucional do ser humano. Somente pela sua atuação é que se opera a releitura da legislação do trabalho. Somente pela interpretação podemos colorir a bailarina e afirmar o Direito do Trabalho na perspectiva dos direitos humanos.
Lembrando a sempre atual lição de Ruy Barbosa, destaco: “A Constituição não desaparece debaixo das leis, como os documentos clássicos, nos palimpsestos, sob a escrita dos copistas modernos. Sobreeminente ao legislador, obrigando o legislador, tanto quanto ao magistrado, obrigando ao magistrado, tanto quanto ao legislador, tem direito à obediência dos tribunais, não menos que à do Congresso”, in Lições de Ruy, pág. 128, Imprensa Oficial da Bahia.
No entanto, a recentíssima evolução do constitucionalismo brasileiro conspira contra o homem enquanto ser social. Deixa entrever crescente tendência a privilegiar os direitos da liberdade e os patrimoniais em detrimento dos valores sociais.
Na área da legislação do trabalho, é iminente a desconstrução do bom Direito do Trabalho constitucional e também do infraconstitucional. São as malfadadas investidas neoliberais, de desconstrução do Estado brasileiro, de precarização do trabalho, de globalização desenfreada. Contra elas, forma-se reação daqueles comprometidos com a nação brasileira, com o patrimônio do trabalhador, conquistado à guisa de tantos embates.
E aí destaco a firme atuação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, em conjunto com as Associações de Magistrados da Justiça do Trabalho das diversas regiões do país, junto ao Congresso Nacional, a acompanhar e influir, inclusive com pareceres técnicos, a formação do instrumento legislativo.
Avançar na tutela dos direitos fundamentais é preciso. E é preciso fazê-lo com os olhos voltados ao futuro dos direitos humanos, inerentes a todo cidadão brasileiro!
* Maria de Fátima Coelho Borges Stern é Juíza do Trabalho e Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª. Região.