Aprovada no último dia 17, depois de 12 anos de tramitação, a PEC 29/2000, que reestrutura o Poder Judiciário, será promulgada no dia 8 de dezembro. Dentre as alterações, a que tem recebido as mais pesadas críticas é a que institui a súmula vinculante, ao prever que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública.
Os argumentos para justificar a novidade baseiam-se no fato de os tribunais encontrarem-se assoberbados de processos, com repetição de matérias já exaustivamente decididas, muitas vezes conflitantes, gerando insegurança jurídica e retardando o desfecho das demandas. Esses argumentos são superficiais, deixam à margem as verdadeiras razões da morosidade dos tribunais e, a pretexto de resolver esse grave problema que angustia toda a sociedade, termina colocando em xeque princípio fundamental nos regimes democráticos, que é a independência dos juízes de formarem suas convicções e cumprirem o compromisso de distribuir justiça.
São muitas as causas da explosão de litigiosidade, que conduzem à morosidade da justiça e à eternização dos conflitos. Destacam-se o grande crescimento populacional, as sucessivas crises econômico-financeiras, a mega-inflação legislativa, os sucessivos e fracassados planos econômicos, o abuso do direito de recorrer pelos órgãos públicos, a conscientização pela cidadania dos direitos e o reduzido número de órgãos judiciais e sua deficiente estrutura. Longe de atacar o mal pela raiz, a adoção da súmula vinculante busca centralizar poder na cúpula dos tribunais, mais suscetível à pressão dos poderes políticos e econômicos.
Em verdade, a atividade do juiz, exercida de forma independente, é que dá robustez e vigor à lei, atuando diretamente no processo de elaboração do direito vivo, cumprindo o importante papel de elaborar o novo direito, realizando a tarefa de impedir que o processo de cristalização do direito, através da lei ou da jurisprudência engessada, provoque o divórcio entre a lei e a vida do direito, entre a norma e o direito que de fato vige, procurando diminuir a diferença entre a lei e a justiça.
A adoção da súmula vinculante, com julgamentos padronizados, robotizados, como numa linha de montagem, impede que o juiz atue eficazmente para aperfeiçoar e atualizar o direito, levando a um sistema jurídico rígido, inflexível, imutável, que termina oprimindo a sociedade. Sem a súmula vinculante, na medida em que se assegura a evolução criadora da jurisprudência, muito mais a lei estará próxima do direito vivo, fluente, flexível, que não se cristaliza e não se aparta da autêntica vida jurídica. O ato de julgar é sempre um ato criativo e para que a criativa judicial possa ser exercida deve-se recusar o juiz que se limita a reproduzir os caprichos da lei ou as decisões preconbecidas pelas cúpulas dos tribunais.
Como faz a reforma do Judiciário, instituindo força vinculante às decisões do STF, torna-se o juiz um autômato, mecânico, sujeito coercitivamente à observância estrita de certa interpretação do texto da lei, elaborada por órgão de instância superior, além do que essa solução faz tábula rasa da independência judicial, aniquila a criatividade dos juízes, produzindo o engessamento do sistema jurídico, podando a capacidade natural de formação do direito através da jurisprudência. Além de centralizar a produção na cúpula dos tribunais, provoca “o estancamento da atividade judicial, sua robotização, seu garroteamento, sua esterelização, fossilização ou coisa que o valha”.