Não há tantos enigmas assim, ou enigmas indecifráveis, no mundo do trabalho. A não ser que se atenda à cultura do medo ou à apologia do segredo, apenas porque se estime o medo ou o segredo, e, como o poeta, se “suponha que um anjo de fogo varresse a face da terra e os homens sacrificados pedissem perdão”. Aconselhava o desconfiado Drummond: “Não peça”. A desconfiança e os falsos segredos nos conduzem mesmo a atitudes bisonhas, suicidas, infundadas.
A rejeição ao lugar-comum às vezes não passa de uma singela concordância com um dado real da experiência. Pesquisas muito recentes na Argentina, na Espanha e no Reino Unido revelaram que a desregulamentação do trabalho não eleva os níveis de emprego. A Inglaterra, tradicional reduto do direito costumeiro, sujeita-se agora a directivas da União Européia que são normas escritas exigindo mais proteção e dignidade para o trabalho humano, enquanto a robotização e a cibernética não o extinguirem de vez. Afastando-se da permissividade tantas vezes exagerada do direito trabalhista brasileiro, encanta notar que nos vinte e cinco ricos e pobres países da União Européia os empregadores estão impedidos de dispensar empregados sem lhes dizer por que o fazem. Que justa razão têm para lançar à rua o homem ou a mulher que lhes vendeu o suor e a força de seu trabalho.
Em nosso meio, a economia brasileira cresce pelo sétimo mês consecutivo, gerando emprego sem a contribuição de novas leis que visem à flexibilização ainda maior do contrato laboral. O que há muitos anos desestimula a inversão de capital na atividade produtiva é o magnetismo da ciranda financeira e o que asfixia o empresariado brasileiro que produz não é o salário, cujo baixo valor atiça a pupila do capital estrangeiro e nos garante dele alto investimento, mas a carga de contribuições, inclusive previdenciária, que incide sobre a folha de pagamento e muita vez o convida, docemente, à ilegalidade.
A experiência me induz, portanto, a rejeitar o lugar-comum e a intuir que a proposta de pôr fim à proteção do trabalho é perversidade em estado puro. Mas nós, seres humanos protagonistas da contemporaneidade, internalizamos a prática e o discurso inversos, a pretexto de estarmos assim em sintonia com o mundo desenvolvido. Bem se vê que o argumento sofismático e a conclusão falaciosa se comunicam sempre com a mesma naturalidade. No momento em que sou guindado ao posto mais elevado da carreira jurídica que abracei, por generosidade de Deus e confiança de meus pares – os juízes João Bosco Moraes, Carlos Alberto Cardoso, Carlos Menezes Faro Filho, Eliseu Nascimento, Josenildo Carvalho, Suzane Fallace e Maria das Graças Melo –, reitero o juramento de servir à causa da justiça social e reafirmo a minha crença em um mundo do trabalho impregnado de fraternidade – a fraternidade que é um estado anímico, não se conquista pela força.
O mais velho e novo postulado é o da solidariedade. É possível colher em Augusto dos Anjos, o sentimento que alimenta, num contraponto, a injustiça na relação de trabalho: “o homem, que nesta terra miserável, mora entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera”. A Justiça do Trabalho, a bem dizer, compensa a desigualdade que a imperfeição do homem ainda não soube superar.
Avizinha-se, todavia, a hora na qual terei de conciliar a jurisdição e o magistério, que até hoje proporcionaram os meus mais agradáveis instantes de realização profissional, com a tarefa de presidir uma organização bem aparelhada e exitosa. O TRT da 20a Região é mencionado pela Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho como o tribunal trabalhista no qual devem espelhar-se os demais tribunais do país e são consecutivos os anos em que, desde 2002, o selo ISO 9000-2001 é conferido às varas do trabalho, à nossa corregedoria regional, ao controle interno e ao setor de distribuição. Portanto, otimizar outros serviços intermediários ou de ponta do TRT e fazer repercutir internamente esse reconhecimento de setores externos da sociedade, visando à satisfação dos juízes e funcionários que empreenderam essa conquista, será o arremate, apenas um arremate, que caberá à nova direção do Tribunal. Move-me, contudo, a certeza de que a saúde, a alegria e a equidade no meio ambiente de trabalho são um bom caminho para o aperfeiçoamento do serviço que prestamos a nossa clientela, vale dizer, aos usuários aflitos ou desavindos de nossa Justiça. E me anima a proposta de alcançar tal objetivo, transformando os nossos fóruns no melhor lugar do mundo para trabalhar.
A Justiça do Trabalho continua evoluindo, sempre evoluindo, para se adaptar a um tempo no qual, ali como em outras instâncias judiciárias, os processos e seus ritos quebram a tendência arcaica e mais onerosa de cuidar apenas de relações entre duas ou três pessoas, aperfeiçoando-se o processo para servir à solução de conflitos que muito ou somente se revelam em sua dimensão coletiva, a exemplo daqueles em que empresários menos atentos à sua função social submetem todos os seus empregados a condições abusivas de risco à vida ou à saúde, à indiscreta violação de seus correios eletrônicos ou ao constrangimento de revistas vexatórias, ou ainda expõem toda a comunidade vizinha ou transeunte às chaminés que expelem seus lixos poluentes, para não dizer das empresas concessionárias ou provedoras do serviço público de saúde que aproveitam a circunstância de a estrutura estatal ser insuficiente para atender aos nossos velhos e doentes e os sujeitam a um fim de vida dispendioso e indigno. O Ministério Público, as associações civis, os sindicatos estão conectados com o aspecto transcendente de citadas demandas sociais e, também nos casos em que tais inquietações se revestem de índole trabalhista, têm provocado o Poder Judiciário, confiando a ele a árdua e corajosa tarefa de reequilibrar essas tantas relações em que impera o egoísmo e a desigualdade.
A mais recente reforma do Poder Judiciário, gestada durante treze anos nas casas do Congresso Nacional e agora oferecida à sociedade brasileira, elastece a competência da Justiça do Trabalho para afirmar que é dela a incumbência de decidir litígios relativos a quaisquer relações de trabalho, não somente as lides concernentes aos vínculos de emprego, além de entregar-nos a solução de todo e qualquer litígio entre sindicatos ou que digam respeito a greves e a multas impostas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Estaremos nós todos, colegas juízes, advogados e órgãos do Ministério Público, na contingência de ambientar nos domínios do Judiciário Trabalhista os dissídios de tais ordens, exercendo novas atribuições e competências com exação – e o faremos para prestar contas à sociedade que nos outorgou o poder de pacificá-la. A trilhar essa senda, decerto não nos escoraremos na interpretação hegemônica da lei a pretexto de não divisar na lei, que tantas maneiras tem de ser interpretada, a interpretação que concretize o ideário constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária.
Perdoem-me, quanto ao mais, a indiscrição de compartilhar um motivo de especial ansiedade. É que embora me sinta tão limitadamente um juiz, recebo, na companhia da Dra. Maria das Graças Monteiro de Melo, das gestões dos colegas Eliseu Nascimento, Josenildo Carvalho e Suzane Fallace, que nos antecederam na presidência e vice-presidência do TRT e iniciaram a empreitada de que agora lhes falo, a ingente responsabilidade de levar a efeito a obra! a construção do Complexo Predial da Justiça do Trabalho da 20a Região, com três unidades de cinco pavimentos racionalmente concentradas no Centro Administrativo do Estado de Sergipe. Teremos mais amplos espaços para os empregados e empregadores que nos endereçam a solução de seus problemas, seus advogados e órgãos do Ministério Público do Trabalho, oferecendo conforto e funcionalidade também aos nossos quase trinta magistrados trabalhistas, além dos trezentos e cinqüenta servidores cujo grau de qualidade e inteligência criativa permite que a Justiça do Trabalho se capilarize no Estado de Sergipe como um modelo de organização e de eficiência.
Não há, porém, o direito de referir a obra ou outras iniciativas mais recentes da Justiça do Trabalho em Sergipe sem a obrigação de citar o seu entusiasta no Tribunal Superior do Trabalho, o colega que sabe associar a experiência de ser gente e de ter sido advogado com a missão de julgar e o desejo de difundir a boa estrutura judiciária perante a qual forjou o seu tirocínio e revelou, ali como nos tratos da vida, a sua sabedoria. O ministro José Simpliciano Fernandes é parceiro e bom amigo da Vigésima Região.
Agradeço enfim, porque “de tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco” (Drummond, em “Resíduo”).
Como jamais aceitaria tantas novas e complexas tarefas sem o apoio de pessoas que toleram as minhas imperfeições e são capazes de abstraí-las ou de me ajudar a superá-las, quero mencionar ainda o nome de assessores que ao meu lado compartiram, desde o primeiro momento, o desejo de moldar a administração do TRT, sem grandes ou imerecidos traumas, ao meu modelo ideal de organização judiciária: Deborah, Joelson, Nezildo, Gilvânia, Denise, Gizélia e Carlos Alexandre. Um agradecimento também especial ao atual Diretor Geral da Coordenação Administrativa do TRT, Dr. Reginaldo Patrocínio Rabelo, cujas aptidões do intelecto e compromisso com a eficiência administrativa permitiram um trabalho fecundo na gestão do tribunal e o direito, para nós todos precoce, de uma justa aposentadoria. Referindo esses nomes, pretendo homenagear, igualmente, os tantos servidores que têm marcado a minha caminhada e aqueles dos quais me aproximei em razão de ser eleito presidente do TRT. Já a partir dos primeiros contatos, tranqüilizei-me, não nego, porque pude observar a elevada capacidade técnica e a dedicação daqueles que, mais ou menos próximos, passam a me assessorar.
Por derradeiro, quero pedir licença ao auditório para apelar ao lado mais emotivo deste meu cérebro às vezes demasiadamente funcional e acadêmico, agradecendo então a meus pais, Theobaldo e Sônia, o amor e o carinho com que me tratam nos momentos em que as inquietações do trabalho fazem por merecer a volta ao ninho. E para citar os nomes de minha mulher tão amada Regina Coeli, sensível na alegria e parceira nos meus silenciosos momentos de adversidade, como o de meus filhos Carolina, Theobaldo Neto, João Vítor e Ana Clara, que justificam todo o meu esforço de exercer com dignidade esse e outros desafios profissionais. Obrigado.