A Lei n. 9.958/2000 criou as Comissões de Conciliação Prévia, instâncias administrativas destinadas à solução dos litígios decorrentes das relações de emprego, autonomamente. Tais estruturas serviriam, ainda, como arenas de composição de interesses, obrigatória e prévia ao ajuizamento da ação trabalhista.
Passados quatro anos, não se pode deixar de constatar que as comissões de conciliação prévia, nos moldes concebidos para seu funcionamento no Brasil, constituem hoje fator de promoção de fraudes contra os direitos trabalhistas.
Em termos teóricos, as comissões de conciliação prévia vêm ao encontro dos ideais de uma democracia mais direta e de uma sociedade mais ativa, ocupando os espaços que o Estado vai deixando. Embora extrajudiciais, parecem se ajustar à tendência de um processo mais simples, de uma justiça mais ágil e de uma realização mais efetiva do comando da norma. Além disso, prometem inserir a ação sindical no dia a dia da empresa, democratizando as relações de trabalho.
O problema é que as comissões de conciliação prévia, com as distorções constatadas nesta primeira fase de sua existência, se inserem dentro de um contexto que pode importar a precarização de direitos dos trabalhadores. Assim, se podem ser úteis à Justiça, enquanto instituição, acabam desservindo à justiça enquanto valor e ideal a perseguir. Em outras palavras, podem reduzir o número de demandas, mas acentuar o processo de desconstrução de direitos fundamentais pelos próprios destinatários. Note-se que essas comissões nada têm a ver com comitês de fábrica ou de empresa.
Na verdade, no quadro atual, são quase o oposto disso, na medida em que não buscam dar – mas furtar– efetividade à norma, permitindo sua “negociação” mesmo na falta de res dubia ou litigiosa. Denúncias nesse sentido têm sido feitas em todos os Estados brasileiros nos quais tais comissões foram instaladas – e elas já são mais de mil. As mais graves dizem respeito à cobrança de percentual sobre o valor dos acordos realizados, à quitação geral dos créditos e não das parcelas envolvidas na transação, à utilização de símbolos da República para passar a impressão de tratar-se de órgão do Poder Judiciário, sonegação fiscal e previdenciária, entre tantas outras.
Outra distorção, ainda mais grave, consiste na transformação das comissões de conciliação prévia em simples ferramenta de profilaxia contra demandas trabalhistas. Nesse sentido, as comissões são usadas para substituir a homologação da rescisão contratual e induzir à presunção de que quaisquer obrigações contratuais restam presumivelmente quitadas com o “acordo” extrajudicial. A lógica é colocada ao avesso. As propostas ao diante formuladas visam inibir a ocorrência das várias irregularidades constatadas, afastar a obrigatoriedade da instância administrativa, restringir o alcance dos efeitos da conciliação, vedar expressamente qualquer tipo de cobrança pela atividade conciliatória, fixar a responsabilidade objetiva das entidades sindicais instituidoras por desvio de conduta de seus membros.
Reconhecendo a necessidade de existência de formas alternativas de autocomposição de solução de conflitos sociais, os proponentes cuidam de oferecer sua contribuição para o aperfeiçoamento da experiência das comissões de conciliação prévia, extirpando-lhes mazelas que, sobre provocarem prejuízos irreparáveis aos trabalhadores – suas vítimas -, constituem absurdo instrumento de enriquecimento sem causa de empresários inescrupulosos e de falsos dirigentes sindicais.
Com efeito, as normas que regulam as comissões de conciliação prévia devem ser alteradas para se estabelecer que:
a) será permitida sua instituição apenas por convenção ou acordo coletivo de trabalho;
b) a quitação deve ser expressa e restrita ao objeto da pretensão deduzida perante a comissão de conciliação prévia;
c) é pressuposto da atuação válida das comissões de conciliação prévia a existência de real conflito intersubjetivo ou res dubia, sendo vedada, em qualquer caso, a substituição nessa instância do ato homologatório a que se referem os `PAR``PAR` 1o e 3o do art. 477 da CLT;
d) as comissões de conciliação prévia atenderão aos princípios dairrenunciabilidade, da razoabilidade, da boa-fé e da não-discriminação;
e) será vedada, em qualquer hipótese e a qualquer título, a cobrança do trabalhador de valores por conta do trabalho prestado pela comissão de conciliação prévia;
f) em caso de dolo ou culpa, os conciliadores responderão solidariamente com as entidades sindicais instituidoras da comissão de conciliação prévia pela reparação por danos morais e materiais causados às partes ou a terceiros, além de multa sobre o montante do valor acordado, sem prejuízo das sanções penais aplicáveis;
g) compete à Justiça do Trabalho o julgamento das causas que versem sobre os atos constitutivos, os processos eleitorais e a atuação das comissões de conciliação prévia;
h) a tentativa de acordo perante a comissão de conciliação prévia não será condição para a propositura de ação perante a Justiça do Trabalho;
i) os valores recebidos pelo trabalhador em decorrência de acordo realizado perante a comissão de conciliação prévia sujeitam-se à incidência da contribuição previdenciária e do imposto sobre a renda, no prazo de cinco dias do pagamento.
Sobre os autores: Grijalbo Coutinho e presidente da Anamatra e juiz da 10ª Região. Márcio Túlio Viana é juiz do trabalho da 3ª Região. Maurício Godinho Delgado é juiz do trabalho da 3ª Região e Reginaldo Melhado é juiz do trabalho da 9ª Região.