Maio de 1888. Há 116 anos, o Parlamento brasileiro protagonizou um dos maiores momentos da história do nosso país. Com menos de dez votos contrários, os parlamentares instituíram a abolição da escravatura no Brasil. O fim da escravidão no país foi um processo lento e gradual, que se desenrolou praticamente durante todo o século 19. Último país da América a acabar com o regime escravista iniciado no período da colonização, o Brasil foi palco de uma grande campanha abolicionista.
Jovens, advogados, intelectuais, órgãos da imprensa e outros tantos atores sociais se uniram ao clamor internacional contra a crueldade do regime que o Brasil insistia em manter. Naquela época, políticos e intelectuais importantes, como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e José do Patrocínio, escreveram parte da história nacional, defendendo o fim do cativeiro e liderando a campanha abolicionista nas mais diversas partes do país.
Mas foi o Parlamento - iluminado por ideais de Joaquim Nabuco e seus pares - que tornou a abolição possível, ousando tocar os interesses econômicos dos mais poderosos e enfrentar as resistências de uma parte da sociedade do Brasil imperial. Dia 12 de maio de 1888; foi esse um dos maiores momentos da atuação parlamentar na história nacional: a aprovação de uma lei que devolveria a liberdade a milhares de homens e mulheres, traçando a possibilidade de uma vida mais digna a eles e seus familiares. A Câmara aprovou a Lei Áurea e passou pelo Senado. E, no dia seguinte, 13 de maio, a princesa Isabel assinou a lei que libertou cerca de 600 mil escravos restantes no país.
12 de maio de 2004. Mais uma vez, o Parlamento brasileiro está prestes a ser o protagonista dos movimentos em favor da liberdade e da dignidade de milhares de brasileiros. Hoje, exatos 116 anos depois, a Câmara dos Deputados terá a oportunidade de promover a segunda abolição da escravidão no Brasil. A proposta de emenda constitucional 438/2001, já aprovada pelo Senado, prevê a expropriação de terras de quem explora o trabalho escravo. Certamente uma excelente oportunidade para o país completar a República e se tornar uma nação sem exclusão, em que todos sejam igualmente cidadãos.
A Constituição Federal estabelece que toda propriedade rural deve cumprir uma função social. Não pode, portanto, ser utilizada como instrumento de opressão ou submissão de qualquer pessoa. Entretanto alguns poucos fazendeiros, principalmente nas regiões de fronteira agrícola, insistem em reduzir os trabalhadores à condição de escravos, roubando-lhes a dignidade e privando-lhes de liberdade.
De 1995 até 2003, 10.726 pessoas foram libertadas em ações dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. No total, foram 1.011 propriedades fiscalizadas em 243 operações. Mais do que irregularidades trabalhistas, trata-se de um crime. Uma das mais graves violações de direitos humanos.
As ações fiscais revelam um surpreendente número de reincidências. Alguns são reincidentes no crime em até dez vezes. Fica claro, portanto, que a certeza da impunidade alimenta o crime, que atualmente atinge cerca de 25 mil pessoas no Brasil. A história se repete.
A PEC 438 é um instrumento que atinge os interesses econômicos de uma minoria que desonra e macula o empresariado rural do país. Os reais empresários rurais, estes sim, realizam a função social da terra, estão preocupados com a responsabilidade social e contribuem para o desenvolvimento do Brasil.
A expropriação das terras onde for flagrada mão-de-obra escrava é medida justa e necessária e um dos mais eficazes meios para eliminar a impunidade. Não há quem defenda o trabalho escravo. A população deste país, livre e democrático, não tolera essa vergonha e clama por mudança. E, mais uma vez, a decisão está nas mãos do nosso Parlamento.
Hoje, 12 de maio, dia em que a PEC 438/2001 será votada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Brasil poderá experimentar o sabor da segunda abolição da escravidão. Cabe aos deputados federais escrever essa parte da história nacional. Neste dia, o país espera ousadia, firmeza e clarividência para que sejam enfrentados os interesses e as resistências de alguns poucos poderosos. Que o espírito libertário de Joaquim Nabuco se faça presente mais uma vez na Casa do Povo e que o Brasil apague definitivamente essa mancha da sua história.
*Miguel Rossetto, 44, é ministro do Desenvolvimento Agrário. Nilmário Miranda, 56, é ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos e Ricardo Berzoini, 44, é ministro do Trabalho e Emprego.