A JT "jurisdicionalizou-se" em 1946, mas manteve as características administrativistas da especialização e da simplificação de procedimento. Seis décadas trouxeram ajustes de organização e estrutura, mas também avanços e retrocessos no procedimento. Inovações civilistas colmataram os vácuos da enxuta processualística da CLT.
Mas isso se fez sob a égide de princípios inspiradores de um sistema bem estruturado e "ideologizado", no sentido de uma sólida base teórica de valores . A relação de emprego garantiu a preservação de um "espírito de operação" nas salas de audiência. A CLT material "está nos magistrados" e, às vezes, o CPC a ajuda.
Agora, a JT pode sofrer a mais profunda e impactante transformação. Falamos da competência para dirimir litígios não empregatícios.
A nosso ver, não foram sopesados os efeitos da transformação para a Instituição, os magistrados e o "sistema" do direito do trabalho.
Pensando em instituição, sobressaem, desde logo, aspectos estruturais, de organização e de especialização. A especialização, por exemplo, foi instrumento e base de institutos e de um modus operandi muito próprios: o jus postulandi, a simplificação das formas, as regras de sucumbência.
Quanto aos magistrados, temos de refletir sobre as "novas questões" a serem suscitadas e, sobre o desmonte da base sistêmica, principiológica e legislativa, que orientava a ação até agora.
Bobbio ensinava que a jurisprudência sistemática elaborou o conceito de "relacionamento jurídico" para poder reduzir os fenômenos a um esquema único e chegar à construção de um sistema. Isso aconteceu com o direito do trabalho e agora gera preocupação, pois o liame "empregatício" está sendo substituído pela idéia geral de trabalho. Isso pode levar à supressão de eventuais subsistemas anteriores e à prevalência de um arcabouço teórico e principiológico superior, fundado em "verdades" mais gerais e não especializadas. Aquilo que se chamou "direito do trabalho" e que se manifestou como sistema, estaria em vias de enfraquecimento?
Não foi a lei que garantiu a coerência e a impoluta sobrevivência do sistema protetivo justrabalhista que todos conhecemos. Foi, em primeiro lugar, sua científica e sólida estruturação como "sistema" - na presença daquele "relacionamento jurídico" dos fenônemos envolvidos, muito bem caracterizado. E, acima de tudo, apesar de todos os ataques das últimas décadas, o sistema manteve-se coerente e firme pela ação do ramo especializado do Judiciário, estruturado, crente e engajado na mesma tábua de valores.
A nova competência poderá representar a redução do sistema da relação de emprego à condição de "subsistema" do novo "sistema jurídico do trabalho" e, mais que isso, a "desconstrução" de um ramo judicial focado naquele específico subsistema, para substituí-lo por um novo ramo judicial com foco num sistema mais amplo, cujos princípios e valores enfrentarão difícil caminho até uma teorização adequada, estruturante e conciliatória. Assombra-nos o silêncio a respeito de tão significativa alteração para o mundo do "emprego". Não o dos sindicatos obreiros - que aliás, no Brasil, jamais tiveram a vocação reflexiva aqui ventilada - mas o dos teóricos que construíram e defenderam, nessas décadas, o chamado "direito do trabalho" brasileiro.