Muito se tem discutido sobre a conveniência de alterar o artigo 8º da Constituição brasileira. As resistências existentes à implantação de um modelo de liberdade sindical plena relacionam-se com o temor de um enfraquecimento generalizado dos sindicatos. De fato, o eixo do movimento sindical brasileiro foi a unicidade sindical e a contribuição obrigatória prevista em lei, ainda que com um importante suporte de centrais sindicais que não integram o sistema.
É inquestionável que, por meio desse modelo de liberdade restrita, os sindicatos lograram alcançar amplitude em suas ações e grau de eficiência. Em termos de extensão, a contribuição obrigatória permitiu que o raio de ação do sindicato alcançasse trabalhadores, independentemente da filiação sindical. A unicidade, por sua vez, proporcionou eficiência.
No momento da Constituinte, essa foi a receita considerada adequada por expressivo segmento de trabalhadores e empresários para o fortalecimento do movimento sindical. Ao mesmo tempo, afastou-se a intervenção do Estado no sindicato com objetivos de controlá-lo ou de vinculá-lo a uma ideologia específica. A preferência pela unicidade, num contexto de pluralismo político, não impediu a independência e a multiplicidade dos sindicatos (OIT. Su voz en el trabajo, 2000, p. 32).
Daí que a defesa no sentido de adotar modelo distinto enfrente severas críticas. O atual confere alguma funcionalidade ao sistema e com base nela se defende sua manutenção e adequação à realidade brasileira. Não obstante, essa funcionalidade é limitada. Ao tempo que unifica as tendências e se fortalece mediante a fonte obrigatória de recursos, também promove ruptura no aspecto representatividade. Com o decorrer do tempo, intensificou-se a perda de legitimidade do sindicato único. Sobretudo, a partir do momento em que ele não mais cumpre o exclusivo papel de conquistar benefícios. Consolida-se prática de alteração das condições de trabalho em prejuízo dos interesses imediatos dos trabalhadores, tornando evidente o esgotamento do modelo adotado, que ingressou num processo seguido de deslegitimação, cujo freio é a ampla democratização do sistema sindical. As deficiências comprometem os acordos e as convenções coletivas de trabalho, abalando a totalidade do sistema de fontes das normas trabalhistas.
Diante de tal quadro, a liberdade sindical restrita não encontra sustentação como modelo definitivo, pois termina afetando a eficiência e amplitude da ação dos sindicatos. Afinal, a liberdade sindical é um direito fundamental e sua consagração nos ordenamentos jurídicos constitui elemento essencial à proteção da dignidade da pessoa humana e à realização do Estado Democrático de Direito. Está expressa nas constituições democráticas e nos mais relevantes instrumentos sobre direitos humanos.
Os direitos fundamentais são dotados de máxima posição hierárquica, força normativa e importância. Ao mesmo tempo possuem alto grau de indeterminação, pela simplicidade e generalidade de seus enunciados (Alexy). A relativa vagueza de conteúdo é decorrência lógica de sua importância e de seu caráter expansivo; quanto mais genéricos são seus textos, mais concreta é a probabilidade de abarcar um número maior de titulares e de contemplar um amplo espectro de situações tuteladas. São normas do tipo princípio, cuja exigibilidade está em constante tensão com a de outros princípios, valores e bens constitucionais. Sua aplicação se verifica mediante processo de ponderação.
O excesso de especificação desfigura o direito fundamental. Em geral, são previstas garantias e delimitações para o exercício satisfatório de outros direitos fundamentais. As restrições internas representam contradição insuperável e são incompatíveis com a posição privilegiada que lhe é destinada. Nesse aspecto, o sindicato único e a contribuição prevista em lei impedem a realização ótima do direito fundamental. Um modelo de liberdade sindical de caráter definitivo não comporta demasiado detalhamento, que pode até justificar-se em contextos passageiros, por meio de disposições transitórias encomendadas ao legislador.
Além do aspecto estrutural, é necessário destacar o vínculo existente entre todos os direitos fundamentais. Como parte de um todo entrelaçado, o exercício satisfatório de um deles contribui para a realização dos demais. A interação favorece a efetividade, produzindo reflexos na vida de toda a comunidade (Häberle).
A liberdade sindical plena não pode ser examinada de forma isolada. Seu efetivo gozo passou a ser importante instrumento para medir o desenvolvimento das relações de trabalho e a democracia no interior da empresa. Sem o exercício de diversos direitos fundamentais vinculados à liberdade sindical, num marco de sindicato único e contribuição obrigatória, a renovação do movimento sindical torna-se extremamente limitada.
A ratificação da Convenção 87 da OIT é muito mais do que a consagração de um determinado sistema de organização sindical. É um componente essencial das relações de trabalho e um verdadeiro símbolo na luta pelo respeito aos direitos humanos. O Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT se pronunciou inúmeras vezes no sentido de que o sindicato único e a contribuição obrigatória impostos por lei viola seus princípios fundamentais (Vd. A liberdade sindical. OIT, 1997, pp. 61/7, 97/101). O efeito de deixá-la fora de nosso ordenamento é extremamente grave e não simples restrição para fins estratégicos. Sua ratificação, sem dúvida, contribuirá para que se respeite os direitos fundamentais dos trabalhadores.
A Convenção 87 permite amplo leque de possibilidades, desde que se garanta a livre organização e ação dos sindicatos. O grande desafio do constituinte derivado é eleger um modelo que, além de suprir a deficiência de legitimidade do movimento sindical brasileiro, resulte eficiente e alcance elevado número de trabalhadores.