Introdução
Trazemos à baila um dos temas que, por sua importância, tem sido utilizado como alvo de estudos desenvolvidos por doutrinadores, juízes, procuradores e especialistas que militam na Justiça do Trabalho.
Tentaremos abordar, em linhas gerais, os fundamentos legais e constitucionais que levaram esses estudiosos a abraçar a tese que defende ser essa Justiça Federal Especializada, competente, também, para apreciar demandas decorrentes de acidentes de trabalho, matéria, até então, de competência exclusiva da Justiça Comum.
1 – Da ampliação da competência da Justiça do Trabalho
A Constituição Federal assim dispõe, in verbis:
“Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.(g.n.).
Note-se que, ao dispor sobre a competência da Justiça Federal Trabalhista para julgar e conciliar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, o Texto Maior atribuiu, também, a essa Justiça Especializada, competência para dirimir outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, tornando, assim, bastante amplo o seu raio de atuação.
A expressão acima em destaque deu margem a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, tal como, a que reconhece a competência da Justiça Especializada Trabalhista para julgar, por exemplo, pedidos de indenização visando a reparação de dano moral causado a empregado, por ato praticado pelo empregador e seus prepostos, no decorrer da relação de trabalho.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que:
“Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização, por danos materiais e morais, movida pelo empregado contra seu empregador, fundado em fato decorrente da relação de trabalho (CF, art. 114), nada importando que o dissídio venha a ser resolvido com base nas normas de Direito Civil.” Precedente citad CJ 6.959-DF (RTJ 134/96) (RE 238.737-SP, rel. Sepúlveda Pertence), conforme redação não oficial noticiada no Boletim Informativo STF 132/98
Com efeito, este entendimento encontra supedâneo no dispositivo constitucional supracitado, uma vez que, em se tratando de uma controvérsia envolvendo empregador e empregado e sendo emanada de uma relação de trabalho, não haveria como se negar competência ao Juízo Trabalhista para, analisando os fatos e provas a ele submetidos em cada caso concreto, e, após constatada a ocorrência de lesão à imagem, à intimidade e à dignidade do trabalhador, proferir sentença condenando o empregador no pagamento de indenização reparatória proporcional ao dano efetivamente sofrido pelo obreiro.
Na verdade, a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114 da Constituição Federal tem sido gradativamente ampliada através de interpretações advindas do próprio STF.
A Excelsa Corte assim decidiu:
“Compete à Justiça do Trabalho o julgamento da ação de indenização por danos materiais ou morais, movida pelo empregado contra seu empregador, fundada em fato decorrente da relação de trabalho.” (1ª Turma, 17/11/98 – RE nº 238.737 – SP, Informativo nº 132).“ (g.n.)
Portanto, não há como se negar a ampliação da competência material da Justiça Trabalhista.
2 – Da competência da Justiça do Trabalho para apreciar ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho
2.1 – quando o acidente de trabalho ocorre por culpa ou dolo do empregador
Ampliando, ainda mais, o escopo dessa Justiça Federal Especializada, exsurge corrente doutrinária, agora, em defesa da tese que sustenta ser, também, da Justiça do Trabalho, a competência para apreciar demandas envolvendo pedidos de indenização por danos morais e/ou materiais causados ao empregado em decorrência de acidente de trabalho ocorrido por dolo ou culpa do empregador.
De fato, esta tese está guarnecida por argumentos bastante convincentes, senão, vejamos.
A Constituição Federal, em seu art. 7º e inciso XXVIII, reza que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social. “(...) seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”(g.n).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, firmou o seu entendimento através da Súmula nº 229, in verbis:
“Acidente de trabalho. Indenização. A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.
O art. 159 do Código Civil Brasileiro dispõe:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano.”
Vê-se, pois, que a Súmula nº 15 do STJ, que estabelece a competência da Justiça Estadual para processar e julgar os litígios decorrentes de acidente de trabalho, bem como, a Súmula nº 501 do STF, que dispõe ser competente a Justiça Ordinária Estadual para o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, já não podem ser aplicadas em toda a sua plenitude, haja vista que parcela considerável da competência daquela Justiça Comum Estadual foi açambarcada pela Justiça Trabalhista.
Ante o exposto, infere-se que, havendo a participação do empregador, pessoa física ou jurídica, seja por dolo ou por simples culpa, na ocorrência do acidente de trabalho, causador do dano físico ou moral ao empregado, inevitável será a atuação da Justiça Obreira.
2.2 – quando o acidente de trabalho ocorre por culpa ou dolo de prepostos
Entretanto, atente-se para o fato de que há situações em que nem sempre o acidente de trabalho, causador do dano físico ou moral, decorre de ato doloso ou culposo praticado diretamente pelo empregador, e que, mesmo assim, caberá a este responder pelo prejuízo suportado pelo obreiro.
Não raras vezes, o empregador, pela complexidade e diversidade de seus negócios, vê-se incapaz de, por si só, dar cabo de suas atividades negociais. Pelas circunstâncias, é obrigado a sair em busca de profissionais qualificados e dotados de conhecimento técnico necessário para auxiliá-lo na gerência de sua empresa. Estes profissionais, denominados de gerentes, são selecionados ao talante do empregador, que os escolhe segundo o perfil traçado pela própria empresa. A estes, é conferida uma parcela considerável do poder diretivo do empregador, que lhes concede competência plena para a tomada de decisões importantes. São autênticos representantes da empresa, eis que detentores de cargos de extrema confiança.
Por serem ocupantes de cargos de chefia e direção, têm, à sua disposição, um número determinado de empregados que está sob a sua permanente fiscalização, orientação e controle.
Ocorre que, durante o exercício das funções de administração, o gerente ou administrador poderá, de forma intencional ou mesmo por sua negligência, imprudência ou imperícia, dar causa ao surgimento de acidentes de trabalho, provocando sérios prejuízos aos seus subordinados. Poder-se-ia indagar se, nesses casos, a Justiça do Trabalho seria competente para apreciar eventual ação indenizatória ajuizada pelo empregado prejudicado, haja vista que o dano não foi provocado diretamente pelo empregador e, sim, por um empregado tal qual a vítima, com a única diferença de ser aquele hierarquicamente superior a este. Estando, pois, diante de uma lide decorrente de uma controvérsia entre dois empregados, seria, ainda assim, competente a Justiça Obreira para julgar o feito?
Em resposta à pergunta acima formulada, passo a transcrever as palavras do civilista César Fiúza:
“Como regra, somos responsáveis somente por nossas atitudes. Mas há momentos em que um indivíduo pode responder por danos provocados pela conduta de outra pessoa. Isso ocorrerá, sempre que faltarmos com o dever de bem vigiar ou escolher. (...) Haverá culpa in eligendo ou, conforme o caso, in vigilando, por parte do empregador, pessoa física ou jurídica, que responde pelos danos causados por seus empregados e prepostos, no exercício de suas funções. Também aqui haverá direito de regresso contra o empregado.”(DIREITO CIVIL – Curso completo – César Fiúza – 3ª ed. 2000 pg. 439/440)
O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 141, entende que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
A doutrina tem admitido ser do empregador a responsabilidade pelos atos praticados por seus gerentes e prepostos no exercício de suas funções. Correto este entendimento. Com efeito, cabe ao patrão o cuidado e zelo na escolha de seus gerentes e administradores, devendo diligenciar para que sejam selecionados, com o máximo de cautela, e estejam sob sua constante fiscalização.
Desse modo, tem-se, como legitimado passivo, o patrão ou empregador em eventual ação indenizatória ajuizada pelo empregado, visando o recebimento de indenização reparatória de dano físico ou moral, sofrido em decorrência de acidente de trabalho ocorrido por dolo ou culpa de empregado detentor de cargo de chefia, sendo, pois, a Justiça do Trabalho, plenamente competente para apreciar o pedido.
Ressalte-se que a responsabilidade do empregador, nesses casos, restringe-se, apenas, aos atos praticados por seus gerentes ou prepostos, no exercício de suas funções.
3 – Da competência da Justiça Estadual para apreciar ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho
3.1 – quando o acidente de trabalho ocorre por dolo ou culpa de terceiros e companheiros de trabalho
Poder-se-ia fazer as seguintes indagações: e nas hipóteses em que o acidente de trabalho tivesse ocorrido em decorrência de ato culposo ou doloso praticado por terceiro ou mesmo por companheiro de trabalho de mesmo nível hierárquico do empregado prejudicado? A quem caberia responder pelo dano? Caberia pedido de indenização? Qual seria o Juízo competente o trabalhista ou o comum?
A Lei nº 6.367/76, que trata do acidente de trabalho, assim dispõe:
Art. 2º “`PAR`1º Equiparam-se ao acidente de trabalho, para os fins desta lei:
...
III) o acidente sofrido pelo empregado no local e no horário de trabalho, em conseqüência de:
ato de sabotagem ou de terrorismo praticado por terceiro, inclusive companheiro de trabalho;
ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada com o trabalho;
ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro, inclusive companheiro de trabalho; ...”.
Esses casos, embora revestidos de subjetividade – dolo ou culpa do agente -, estão expressamente arrolados pela legislação que prevê benefícios de caráter previdenciário ao acidentado. Estes benefícios, como se pode ver, estão inseridos dentre as obrigações objetivas da autarquia previdenciária, no caso, o atual Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculado ao Ministério da Previdência Social.
A responsabilidade subjetiva, in casu, não pertence é do empregador, uma vez que este não responde por atos praticados por terceiros estranhos à empresa ou por empregados que não detêm qualquer poder de direção.
Ressalte-se, todavia, que a percepção dos benefícios previdenciários, aos quais tem direito o empregado acidentado, não o impede de ajuizar eventual ação indenizatória contra o terceiro ou companheiro de trabalho causador do infortúnio, visando a reparação do dano experimentado.
Porém, nesta hipótese, caberia ao lesado intentar a referida ação perante a Justiça Ordinária Comum Cível, no entender de Sérgio Pinto Martins:
“Se o acidente de trabalho for praticado por terceiro, aquele que sofreu o infortúnio não ficará privado dos benefícios acidentários da Previdência Social, mas o terceiro irá responder civil e criminalmente, se for o caso.” (Direito da Seguridade Social – Sérgio Pinto Martins – 16ª Ed. 2001 pg.448)
De fato, conquanto se trate de uma controvérsia decorrente de uma relação de trabalho, não se pode vislumbrar qualquer competência à Justiça Trabalhista, haja vista que, em tais casos, não teria havido a interferência, sequer indireta, do ente patronal, e, por conseguinte, não se estaria diante de um litígio entre empregado e empregador, conforme apregoa o art. 114 da CF/88.
Considerações finais
Filiamo-nos, sem qualquer reserva, à tese ora esposada, ressalvando respeitáveis entendimentos contrários, e engrossamos as fileiras daqueles que, com acerto, defendem a competência da Justiça Trabalhista para apreciar toda e qualquer ação indenizatória que vise o ressarcimento de dano moral ou material causado ao empregado, em decorrência de acidente de trabalho ocorrido por ato intencional ou mesmo culposo praticado pelo empregador ou por seus prepostos.
Estamos, pois, convictos de que a Justiça Federal do Trabalho, tendo em vista o alto nível de conhecimento especializado que possuem seus Juízes Federais, é, indiscutivelmente, a mais bem aparelhada e qualificada para dirimir toda e qualquer controvérsia, havida entre empregados e empregadores, decorrente de uma relação de trabalho.