1. Introdução
O texto do art. 114 da Constituição Federal, conforme a nova redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 45, consagra a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, trazendo aos juízes, membros do ministério público, advogados e servidores que integram e militam nesta Justiça Especializada um pontinho de vaidade e orgulho. Não poderia ser recebido de outra maneira, porque a valorização e o reconhecimento da importância da "casa" em que se trabalha, deve sempre ser motivo de honra, orgulho e vaidade sadia. Não sem razão que muitos concluíram que, na "reforma do judiciário", o ponto em que mais se avançou foi em relação à Justiça do Trabalho. A "reforma" ainda não terminou, porque alguns dispositivos acrescidos no Senado Federal retornaram à Câmara dos Deputados para nova votação. Espera-se que seja aprovada a redação que resultou da votação no Senado. O texto promulgado não deixa de refletir uma significativa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, destacando a inegável importância do órgão no cenário judiciário brasileiro.
O que se constata é a confiança redobrada que legislador constituinte derivado depositou em uma estrutura com 1.378 varas distribuídas entre 24 tribunais regionais, capitaneados pelo Tribunal Superior do Trabalho, como capaz de receber a ampliação de sua responsabilidade perante a sociedade brasileira. A resposta positiva a tudo isto depende da forma que todos nós viermos encarar a ampliação da nossa competência judicial.
Não se desconhece que em algumas regiões haverá sobrecarga ainda maior para uma estrutura já saturada de processos, só para citar exemplos as áreas dos TRT´s da 1ª, 2ª e 15ª Regiões. A expectativa é que nestes casos se busquem soluções criativas para uma prestação jurisdicional pronta e expedita, sem prejuízo da qualidade dos serviços. É uma exigência da sociedade. O propósito deste ensaio é trazer à discussão a extensão e amplitude de alguns temas que constituíram inovações significativas no conteúdo da competência da Justiça do Trabalho, obviamente sem a pretensão de esgotá-los.
Observando o conteúdo da nova redação do art. 114, I da Constituição Federal , tal como divulgado pelo Senado Federal após promulgação da E.C. 45, depara-se ab initio com a necessidade de explicitar o conteúdo das expressões "as ações oriundas da relação de trabalho", ou mesmo o conceito de "relação de trabalho" que, embora familiar a todos nós, ganha extrema relevância. Isto porque, na redação aprovada no Senado ficou explícita a nossa competência para processar e julgar os conflitos entre servidores e Administração Pública, de forma restritiva, na medida que exclui os chamados "servidores estatutários" ("exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da Federação").
Porém, o texto promulgado não contempla mais esta ressalva, exigindo, por isso o seu retorno à Câmara para nova votação. Assim, abstraída a discussão da constitucionalidade deste procedimento legislativo, enquanto a nova redação não for aprovada na Câmara dos Deputados, ou se porventura vier a ser rejeitada, à primeira vista transferiu-se da Justiça Comum (Federal e Estadual) para a Justiça do Trabalho, a competência para os conflitos entre servidores estatutários e a Administração Pública direta (federal, estadual e municipal).
Este não é, porém, o único ponto polêmico da "reforma do judiciário".
2. A competência constitucional da Justiça do Trabalho
Na redação anterior do art. 114 da Constituição Federal a competência material atribuída à Justiça do Trabalho restringia-se a processar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes públicos internos e externos e, mediante lei, outras controvérsias decorrentes de relação de trabalho, bem como0 os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias decisões, inclusive coletivas e a execução de crédito previdenciário. Era pertinente a sistematização de Rodolfo Pamplona Filho :
a) competência material natural ou específica;
b) competência material decorrente;
c) competência material executória..
A competência material específica ou natural restringia-se ao conflito entre trabalhadores e empregadores, inclusive do setor público e os entes de direito público externo. A competência decorrente de outras relações de trabalho, mediante lei específica ou disposição de lei expressa, como é o caso típico da Lei nº 8.924/95 (atribuindo competência à Justiça do Trabalho para ações de cumprimento de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, mesmo entre sindicato de trabalhadores e empregador), bem como dos arts. 643, V e 652, II e V, da CLT (as ações decorrentes de conflitos de "pequena empreitada", em que o empreiteiro for operário ou artífice e entre dos portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO).
Finalmente, a competência não se restringe à fase cognitiva do processo, mas se estende correlatamente à execução dos seus próprios julgados, inclusive coletivos, acrescentado-se a execução dos créditos previdenciários decorrentes das sentenças condenatórias ou de homologação de conciliação. Este panorama sofreu substancial alteração.
As ações decorrentes de "relação de trabalho", e não apenas de "relação de emprego", foram genericamente incluídas na competência da Justiça, em nível constitucional. A competência específica ou natural da Justiça do Trabalho, hoje, estende-se a todos os litígios arrolados nos incisos do art. 114 da CF/88, conforme a redação da Emenda Constitucional 45. O que Pamplona denomina de competência decorrente, mediante lei especial, poderá ser ampliada ainda mais, como seria o caso da competência penal.
É extreme de dúvida que só a jurisprudência pacificará a controvérsia, por exemplo, sobre o alcance e extensão da expressão "relação de trabalho" para o setor privado e para o setor público, não obstante, para os juízes do trabalho sempre tenha parecido familiar tal expressão.
3. "I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios"
3. 1 - Ações oriundas da relação de trabalho
A "relação de trabalho", espécie do gênero "relação jurídica" , se subdivide em relação de trabalho subordinado e não subordinado (autônomo). A expressão "relação de trabalho", empregada no texto açambarca os conceitos de "relação de trabalho", tanto de trabalho autônomo como subordinado. Com efeito, é lição dos bancos escolares que a relação jurídica reúne os seguintes elementos: o sujeito, o objeto e o fato propulsor. Não há relação jurídica sem sujeito. A ausência temporária do sujeito, como no caso da herança jacente, afasta a idéia de que possa haver relação jurídica sem sujeito. O sujeito é sempre uma pessoa (física ou jurídica, pública ou privada). O objeto de direito é o bem sobre o qual recai o poder, ou o interesse, podendo ser uma coisa ou uma prestação (uma atividade humana). Por evidente, este objeto deve revestir-se de valor patrimonial, ou suscetível de avaliação pecuniária.
O fato propulsor é o acontecimento, dependente ou não da vontade humana, a que se possa atribuir a aptidão para criar, modificar ou extinguir direitos. No texto constitucional sob comento a expressão "relação de trabalho" foi empregada em sentido muito mais abrangente do que para diferenciar "relação de trabalho" de "relação de emprego". Afinal, em todos os casos de contratação de trabalhadores que desempenham atividade por conta própria, há também "relação de trabalho", equivale dizer, ainda que não haja "relação de emprego". Não tem, portanto, o sentido restrito de "prestação de serviços" não sujeito às leis trabalhistas ou à lei especial (Código Civil art. 593 ), com decorrente do contrato celebrado por trabalhador autônomo, pois, engloba também o conceito de relação de emprego.
Parece razoável estabelecer que "relação de trabalho" resulta do contrato, em que de um lado há uma pessoa física (prestador) que se obriga a desenvolver uma atividade, prestar um serviço ou a realização de uma obra (quando o empreiteiro for operário ou artífice) e, de outro lado, uma pessoa física ou jurídica (tomador de serviços), cujo objeto é o serviço ou uma atividade ou, ainda, uma obra e a contrapestatividade.
A doutrina registra a teoria ampliativa , no que se refere às "relações de trabalho", como sustenta Cabanellas, Perez Leñero, Brun e Galant. Cabanellas ensina que "Tanto o trabalhador dependente como o independente podem ser sujeitos de direito do trabalho, porém, só o trabalhador subordinado se rege por um contrato de trabalho. Daí que, por antonomásia, o trabalhador característico, sob o ponto de vista laboral, seja o sujeito de um contrato de trabalho. Entenda-se contrato individual de trabalho, regido por normas trabalhistas.
Genericamente considerado, o fato social trabalho dá origem sempre à uma "relação de trabalho" lato sensu. O direito positivo é que vai disciplinar e reconhecer efeitos da relação de trabalho subordinado de uma forma e da relação de trabalho não subordinado de forma diversa. Por isso, a doutrina separa os dois ramos: de um lado as relações de trabalho subordinado e, de outro, as relações de trabalho autônomo. Os regimes jurídicos diferenciados não desnaturam o que ambas têm na essência, um vínculo entre o prestador e um tomador, cujo objeto é um serviço, uma atividade ou uma obra.
Neste contexto, há que se destacar o caráter intuito personae do prestador dos serviços. Com efeito, toda relação de trabalho pressupõe um prestador pessoa física, não havendo que se falar em relação de trabalho, se o prestador for uma pessoa jurídica. Não desnatura, contudo, o caráter de relação de trabalho para efeito de competência da Justiça do Trabalho, aquelas situações em que o prestador de servios, em caráter esporádico e excepcional, se faz substituir por alguém por ele indicado e que seja aceito pelo tomador. O prestador originário permanente e continua o titular e pessoal quanto à obrigação objeto do contrato que não foi transferida para outrem. Em caso de substituição permanente e transferência da titularidade da obrigação, esta sobre inovação subjetiva, com caráter sucessivo. Nascendo nova relação jurídica de trabalho.
A partir da Emenda Constitucional nº 45, para o juiz do trabalho a distinção entre a "locatio operis faciendi" e a "locatio operarum", terá pertinência, quanto ao direito material a ser aplicado, não como dantes, para definir, no caso concreto, a sua competência material. Em outras palavras, em se tratando de relação de trabalho não subordinado, a solução do conflito se dará por aplicação de normas de direito civil, quiçá comercial e, quando se tratar de relação de emprego, pela aplicação das normas de direito do trabalho. Em qualquer caso, a competência será sempre da Justiça do Trabalho. Aliás, não há novidade nenhuma no fato de o Juiz do Trabalho estar autorizado a aplicar o direito civil na solução de conflitos, já que a Consolidação das Leis do Trabalho atribuiu-lhe competência para processar e julgar litígios, resultantes de contrato de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice, bem como no caso de ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO decorrentes da relação de trabalho (CLT, art. 652, II, VI).
Ressalte-se que estes preceitos consolidados foram recepcionados pela Emenda Constitucional nº 45, no seu inciso IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Assim, a nova competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, de forma genérica, para processar e julgar, dentre outras, as ações:
a) cobrança de crédito resultante de comissões do representante comercial ou de contrato de agenciamento e distribuição, quando o representante, agente ou distribuidor for pessoa física;
b) cobrança de quota parte de parceria agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou mineral, em que o parceiro-outorgado desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, admitida a ajuda da família;
c) as ações decorrentes de execução e da extinção de contratos agrários, entre o proprietário rural e o parceiro-outorgado, quando este desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, admitida a ajuda da família;
d) cobrança de honorários decorrentes de exercício de mandato oneroso, exceto os que se qualifiquem como "relação de consumo";
e) cobrança de créditos de corretagem, inclusive de seguro, em face da corretora, em se tratando de corretor autônomo;
f) cobrança de honorários de leiloeiros, em face da casa de leilões;
g) conflitos envolvendo as demais espécies de trabalhadores autônomo: encanador, eletricista, capista, digitador, personal trainer etc.
Não resta dúvida que a solução de todos os conflitos decorrentes das relações de trabalho, em regime de cooperativa de mão-de-obra são da competência da Justiça do Trabalho, não apenas quando houver alegação de fraude aos preceitos da legislação do trabalho, com pedido de vínculo empregatício.
É necessário, neste passo, extremar da "relação de trabalho", as "relações de consumo" conforme o art. 3º e parágrafos da Lei nº 8.078/90, CDC - Código de Defesa do Consumidor, na medida que os litígios decorrentes das relações de consumo fogem à competência da Justiça do Trabalho.
A relação de consumo vincula, de um lado, o consumidor e de outro lado, o fornecedor , incluindo-se os de natureza bancária, financeira, creditícia e securitários. Evidencie-se a Súmula 297 do STJ .
De sorte que se caracterizam como oriundas de relação de consumo as hipóteses, em que o tomador de serviços seja o consumidor final, como no caso das ações de cobrança de honorários por serviços advocatícios, médicos, odontológicos, engenheiros; preço de serviços de alfaiate, modista, cabelereiro, manicura, pedicura, do podólogo, fotógrafo, execução de tarefas de transporte, como o taxista, o caminhoneiro etc. Embora o tomador seja destinatário final do objeto da prestação, não se qualificam como relação de consumo: o contrato do paisagista (pessoa física) para elaboração e execução de um projeto de jardinagem; do pedreiro para a reforma da edícula; o eletricista para a revisão da rede elétrica; do encanador para reparos na rede hidráulica, quando estes serviços são realizados na minha residência, quando o prestador for trabalhador autônomo, sem empregados.
Ademais, tratando-se de pequena empreitada, não haverá dificuldade em definir a competência por força, do que dispõe art. 652, a, IV da CLT. Com visto legis habemos. Sendo tal norma recepcionada pela nova ordem constitucional, é inegável a competência da Justiça do Trabalho. Nem sempre pode ser fácil distinguir "relação de trabalho" de "relação de consumo". Há uma zona cinzenta em que deverá prevalecer o bom senso que iluminará a jurisprudência para defini-las melhor. Dentre tantas dúvidas, neste contexto, destaca-se as ações que teria o tomador, em decorrência da má qualidade dos serviços, por inadimplemento das obrigações contratuais do prestador (abandono da obra ou serviços, serviços mal executados, incompletos ou inacabados etc), que tanto podem ensejar a rescisão contratual como a imposição de obrigação de desfazer e refazer os serviços ou obras. Será a Justiça do Trabalho competente? Penso que não se pode afastar a competência da Justiça do Trabalho. Finalmente, não se deve incluir na definição de "relação de trabalho", a prestação de serviços através de "empresa", tomada aqui na acepção de pessoa jurídica, ou de prestador autônomo que o faça através de trabalho alheio (de empregados ou sub-locação de serviços) porque ausente o caráter intuito personae da prestação de serviços. Em se tratando da "empresa individual", em que o seu titular presta direta e pessoalmente os serviços, parece-me que estamos diante da "relação de trabalho", porque a figura da "Micro Empresa" deverá ser assim considerada, meramente para usufruir benefícios tributários ou fiscais.
3.2 - das "relações de trabalho" na esfera da Administração Pública Direta.
Como já destacado, a prevalecer o texto promulgado da Emenda 45, à primeira vista, transferiu-se igualmente da Justiça Comum (Federal e Estadual) para a Justiça do Trabalho, a competência para os conflitos entre servidores estatutários e a Administração Pública direta (federal, estadual e municipal).
Diz-se à primeira vista, porque parece precipitado concluir que a nossa competência se ampliou tanto. Daí a relevância em estabelecer a exata noção do significado de "relação de trabalho", quando envolver o ente público. É sabido que, encaradas do ponto de vista do interesse tutelado, as relações jurídicas podem ser classificadas em: públicas ou privadas. Nesta classificação, não importa a qualidade das partes envolvidas, pois o que as distingue é a natureza do vínculo que se estabelece entre as partes, tanto que o Estado pode ser sujeito em relação jurídica privada, como o particular pode figurar como sujeito de relação jurídica pública. Logo, no caso das "relações de trabalho", se o ente público contrata trabalhadores, i. é., admite pessoal pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CF/88, art. 37, I, II e 39), estabelece relação jurídica de direito privado. Porém, admitindo servidor pelo regime administrativo, o vínculo entre a Administração e o servidor é de natureza pública, nesta contemplando-se tanto o servidor investido em cargo efetivo, como aquele investido em cargo comissionado (CF/88, art. 37, II e art. 39). Não se afigura correto falar-se em "relação de trabalho", quando o vínculo entre o servidor e a Administração Publica decorrer de investidura em cargo efetivo, ou em comissão. O ingresso no serviço público de pessoa nesta qualidade não decorre de contrato, mas de ato unilateral da Administração Pública, sob a forma de nomeação, depois de aprovação em concurso público e a livre nomeação e exoneração, conforme o caso. A noção de contrato de trabalho tem origem e fundamento no direito privado, porque visa a criação de direitos subjetivos privados.
É verdade que o direito é um sistema de relações intersubjetivas a que a ordem jurídica atribui certos efeitos, criando situações jurídicas subjetivas. Estas situações subjetivas podem ser melhor definidas com a noção de "situação jurídica", por ser conceito genérico e, portanto, mais abrangente de que "relação jurídica", na medida que envolve os direitos subjetivos, os direitos potestativos e a expectativa de direito.
Orlando Gomes, ensina que Há `situações subjetivas` que são relações jurídicas anômalas (Messineo) porque ao direito não corresponde uma obrigação: os direitos potestativos, as faculdades, o status. Assim, parece correto que a investidura no cargo público dá à pessoa o status de "funcionário público". Deste status decorre uma situação jurídica que não se qualifica como "relação de trabalho", mas pela inserção num regime jurídico instituído unilateralmente pela Administração Pública e que, a qualquer momento pode ser por ela unilateralmente alterado. A expressão "servidor público" é empregada nos arts. 39 e seguintes, da Constituição Federal, no sentido genérico e abrangente, na medida que engloba dentre as várias espécies: servidores submetidos ao regime jurídico de natureza administrativa (investido em cargo efetivo ou em comissão) e ao regime de natureza contratual ou celetista (empregados públicos em geral).
Não é compatível com a Constituição o art. 2º, da Lei nº 8.112/90 que define "servidor público" de forma restritiva: "a pessoa legalmente investida em cargo público, isto é, como sinônimo de "funcionário público". Esta definição restritiva só se explica por ser, a Lei 8.112/90, inequivocamente o atual estatuto dos servidores civis da União. De sorte que não parece ser de todo equivocado sustentar que os servidores públicos investidos em cargo efetivo sejam "servidores estatutários", sem deixar de reconhecer que os servidores investido nos cargo em comissão entram na noção de "funcionário público", como sinônimo de "servidor público", na definição desta Lei. Os servidores públicos contratados pelo regime celetista formam com a Administração Pública uma "relação de trabalho". Logo, é inequívoca a competência da Justiça do Trabalho para os conflitos trabalhistas, não se podendo dizer o mesmo quanto aos servidores admitidos pelo "regime estatutário", nem pelo regime da Lei 8.745/93 que instituiu o regime jurídico para "Contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público", por órgãos da Administração direta da União, autarquias e fundações públicas ou leis semelhantes na esfera dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Referindo-se a "regime estatuário", expressão em desuso, porque a Lei nº 8.112/90 se define com de "Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações pública federais", Hely Lopes Meirelles ensina que: é o modo pelo qual se estabelecem as relações jurídicas entre o funcionário público e a Administração, com base nos princípios constitucionais pertinentes e nos preceitos legais e regulamentares da entidade a que pertence. Sob este regime a situação do funcionário público não é contratual, mas estatutária".
E prossegue: "Isso significa que o Poder Público - federal, estadual ou municipal - não faz contrato com os funcionários, nem com eles ajusta condições de serviços e remuneração. Ao revés, estabelece unilateralmente, em leis e regulamentos, as condições de exercício das funções públicas; prescreve os deveres e direitos dos funcionários; impõe requisitos de eficiência, capacidade, sanidade, moralidade; fixa e altera vencimentos e tudo o mais que julgar conveniente para a investidura e desempenho de funções. Tais preceitos é que constituem o estatuto em sentido amplo. Pela investidura no cargo os funcionários ficam sujeitos à disposições estatutárias que lhe prescrevem obrigações e lhes reconhecem direitos, mas daí não decorre que a Administração se obrigue para com eles a manter o estatuto vigente ao tempo de ingresso no serviço público. Não é demais lembrar que o termo estatutário é uma corruptela do latim status. Não se desconhece que Celso Antonio Bandeira de Mello assevera que Servidores públicos são todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, de natureza profissional e caráter não eventual, sob vínculo de dependência.
Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva que engloba na expressão agentes administrativos os titulares de cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual, sob vínculo de dependência, caracterizando-se, assim, pela `profissionalidade e relação de subordinação hierárquica`. Estas definições "data venia" não exprimem, de forma genuína, a "situação jurídica" do servidor estatutário, por querer aproxima-la da noção de empregados em geral. As idéias de não eventualidade, dependência, subordinação hierárquica etc estão mais próximas do conceito de relação de emprego. A extensão aos servidores estatutários civis dos direitos garantidos pela Constituição, inclusive de sindicalização e greve, antes só reconhecidos a empregados, não desnatura a essencial da sua "situação jurídica." De qualquer modo, não se insere no âmbito das "relações de trabalho" a situação jurídica do servidor da Administração Pública Direta, autárquica ou fundacional, ficando, por conseqüência, abstraída da competência da Justiça do Trabalho para as ações entre eles e a Administração Pública.
Nesta pesquisa do sentido e alcance que o legislador constituinte derivado empregou a expressão "relação de trabalho" socorre-nos o novo inciso VII do art. 114, da CF/88 (VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho) (sublinhei).
Ora, os auditores-fiscais do Ministério do Trabalho só atuam em face de relações de trabalho subordinado, jamais a hipótese de relação trabalho autônomo, ou de servidor público investido em cargo público efetivo ou em comissão. Aqui, o legislador empregou a expressão "relação de trabalho", com nítido significado de "relação de emprego". Infere-se, portanto, que não há rigor técnico, nem sentido unívoco no emprego da expressão "relação de trabalho", quando se refere a servidor público. Reforça a tese da incompetência desta Justiça Especializada, para litígios dos servidores estatutários, o fato de os procedimentos judiciais seguirem um caminho peculiar e compatível com o espectro das matérias objeto dos litígios colocados à sua solução. A gama de procedimentos decorrentes da grande variedade de ações judiciais disponíveis para tutelar interesse dos servidores estatutários é mais compatível com a Justiça Comum (Estadual e Federal), jamais com os procedimentos trabalhistas. Nem se alegue que tal interpretação exclui da competência da Justiça do Trabalho matérias que o legislador não excluiu, ou que a exceção aprovada no Senado depende de aprovação pela Câmara e, se não aprovada, revela intuito de nada excluir, em relação aos servidores públicos.
Este argumento só serve de fundamento a uma interpretação ampliativa do dispositivo constitucional que não se compatibiliza, quando se cogita de norma de competência. Ao adotar interpretação ampliativa em matéria de competência jurisdicional corre-se o risco de violar o princípio do Juiz Natural. Finalmente, e ara sepultar de vez os argumentos contrários, não se pode esquecer a interpretação que o Excelso Supremo Tribunal Federal deu à expressão "relação de trabalho" no acórdão da ADIn nº 492-1, 21.10.92, em que foi relator Ministro Carlos Velloso, quando foi declarada a inconstitucionalidade das alíneas d e e do art. 240 da Lei nº 8.112/90.
O voto condutor do acórdão, dentre outros argumentos, acena para esta peculiaridade do procedimento da Justiça do Trabalho que inviabiliza a extensão da sua competência para as ações envolvendo servidores públicos stricto sensu. Este julgamento do Pretório Excelso deixou cristalino que a interpretação da norma constitucional em matéria de competência desta Justiça Especializada deve ser restritiva.
Isto porque, o art. 114 da Constituição já preconizava que o legislador infraconstitucional estava autorizado a fazer inserir na competência da Justiça do Trabalho: na forma da lei, outras controvérsias decorrentes de relação de trabalho. Neste contexto, à primeira vista, a alínea "e" do art. 240, da Lei nº 8.112/90 se subsumia a este comando constitucional, sendo legítima a inclusão, na competência da Justiça do Trabalho, dos servidores estatutários. Porém, não perfilhou este entendimento a Excelsa Corte, na ADIn492-1, porque, ao contrário que se supõe, o STF não se restringiu ao exame técnico jurídico dos parâmetros "trabalhador versus empregador". Com efeito, adentrou à análise da própria razão de ser desta Justiça Especializada e da sua função jurisdicional específica, na exegese da lei de acordo com O princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição , na medida que escolheu a interpretação sistemática que deu prevalência à Constituição, ou seja, não contrária ao texto e programa da norma constitucional. Por outras palavras, não interpretou a lei a partir de uma particular expressão da Constituição, mas dentro do seu conjunto sistemático.
O acórdão desta ADIn nº 492-1 é um relevante precedente que, por certo, será levado em conta nos futuros julgamentos do Supremo Tribunal Federal, já que refutou o possível entendimento de que a expressão "relação de trabalho" compreenda o vínculo entre servidor estatutário e a Administração Pública, como vêm sustentando alguns. Há que se ressalvar, entretanto, os casos em que os municípios adotaram como regime jurídico único o da Consolidação das Leis do Trabalho, em que a lei municipal discrimine os cargos a serem investidos em caráter efetivo e em comissão, por este regime. Neste caso, não há dúvida quanto à competência desta Justiça Especializada. A conclusão, portanto, é de que o legislador constituinte ao preceituar que a Justiça do Trabalho é competente para: as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; não teve o propósito de nela incluir os servidores públicos investidos em cargos públicos efetivo ou em comissão, exceto para os casos de que a investidura nestes cargos for regida pela Consolidação das Leis do Trabalho.
4. "II - as ações que envolvam exercício do direito de greve"
A greve é o fenômeno que se verifica no âmbito das "relações de trabalho" subordinado e no serviço público. Como direito, goza garantia de constitucional. No setor privado, o seu exercício está disciplinado por lei própria (Lei nº 7.783/89). No setor público, enquanto não editada a lei específica que preconiza o VII, do art. 37, da Constituição Federal (o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica), o seu exercício fica de certa forma tolhido. Não obstante, o judiciário tem se revelado, de certa forma, condescendente com a greve no serviço público.
A questio juris, agora, é saber se compete à Justiça do Trabalho julgar as greves de servidores públicos nas esferas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, quando os mesmos estiverem vinculados à Administração Pública, pelo regime administrativo.
Parece-me que o raciocínio não pode ser diverso daquele desenvolvido no tópico anterior. Há que se diferenciar servidores estatutários e contratados pelo regime celetista. Na esfera da União, não oferece dificuldade porque as greves têm-se revelado por setor: judiciário, receita federal, autarquias (INSS) etc, cujo regime jurídico é estatutário. A dificuldade maior será nos estados e municípios em que paralisam simultaneamente servidores contratados e estatutários.
Cumpre destacar que a instauração do dissídio coletivo, inclusive qualificado por greve, só será viável mediante ajuizamento da ação coletiva, de comum acordo das partes. Somente em caso de greve em "atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público", terá o Ministério Público do Trabalho legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo (`PAR``PAR` 2º e 3º do art. 114 - texto promulgado).
5. "III - ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
5.1. ações sobre representação sindical A representação dos interesses gerais da respectiva categoria, profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão perante as autoridades administrativa e judiciária é prerrogativa reconhecida por lei ao Sindicato (CLT, art. 513).