Tempo de reformas estruturais do Estado. Reclamadas há décadas, as reformas, concluídas ou iniciadas no Governo Lula, entram para a história, nem sempre por sua qualidade, mas por darem efetivação ao desejo comum de reestruturação do Estado Brasileiro.
Primeiramente, a da Administração; em seguida, a da Previdência; por último, a do Judiciário. Antevistos, por detrás das montanhas do recesso, os primeiros raios das reformas trabalhista e sindical.
No pertinente ao Judiciário Trabalhista, a Emenda Constitucional 45 implementa vários ganhos ao reconhecer a aptidão da Justiça do Trabalho em decidir todas as questões decorrentes das relações de trabalho e não só as que refiram contrato de emprego. Historicamente, o ganho é sensível, nada obstante a liminar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395, que interpreta restritivamente a competência para as relações de trabalho dos servidores estatutários.
Aliás, o ajuizamento da ADIN e a concessão da liminar demonstram que o processo de ampliação da competência da Justiça do Trabalho sequer começou. O efetivo aumento apenas se solidificará com a apropriação jurisprudencial da novel atribuição do Texto Político.
De Justiça do Emprego, a Justiça do Trabalho, a “justiça especializada” percorrerá um caminho extensíssimo, antes de solidificar-se como uma completa e verdadeira Justiça Social, expressão consagrada por Cesarino Júnior (para a disciplina Direito do Trabalho, o mestre das Arcadas pugnava o título de “Direito Social”, do que resultou célebre celeuma com o também professor da Casa, Miguel Reale).
As transformações legislativas, no entanto, não encerram, nem cerram, as portas para as modificações do porvir. Antes e sobre as tais, não se prescinde de uma reforma de mentalidade do magistrado do trabalho.
Análise superficial dos números dá conta da maior quantidade de conflitos negativos de competência suscitados por juízes do trabalho, em face da justiça comum, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Mesmo após a promulgação da Emenda, que explicita a competência da Justiça do Trabalho para reparação de danos materiais e morais decorrentes da relação de trabalho já há conflitos suscitados por trabalhistas, entendendo que o texto não exclui o conteúdo do art 109, I da Constituição e, portanto, continua “tudo como antes no quartel de Abrantes”. Basta ver o alto número de ações decorrentes de reparação de dano de acidente de trabalho que virá da justiça comum, para perceber que, ao contrário, quando o juiz estadual é provocado pelo cidadão, acolhe a competência e processa o litígio.
Esta é a primeira reforma necessária: competência não se rejeita. O momento histórico deve fazer com que os entendimentos pessoais e as certezas jurídicas idiossincráticas dêem espaço para a percepção institucional da importância da apropriação do espaço duramente conquistado na tramitação da Emenda Constitucional, à custa de importante participação das Associações Regionais de Magistrados do Trabalho, capitaneadas pela Anamatra.
Em situação análoga, com a reforma do Código de Processo Civil, implementada em 2001, alterou a redação do art 515, introduzindo novo parágrafo terceiro, por força da lei 10.532, de dezembro de 2001. O novo regramento autoriza o tribunal a julgar, de pronto, a demanda, mesmo quando extinta sem análise do mérito, pela instância original. Frise-se que a expressão “pode” não refere a uma alternativa dada ao Tribunal de escolher entre julgar ou não julgar a lide, mas sim externa uma exceção ao chamado mecanismo do duplo grau de jurisdição. Vale dizer, não obstante o duplo grau, estando o processo apto a julgamento, o tribunal está autorizado a promover o imediato julgamento do litígio. O verbo “pode” é utilizado com o mesmo sentido no artigo 273 (“o juiz poderá, a requerimento da parte...”). Em regra, o juiz não antecipa o resultado de mérito da demanda, mas, presentes os requisitos, está autorizado a fazê-lo. Também, ainda como exemplo, o artigo 790, parágrafo terceiro, da C.L.T. estabelece que “é facultado aos juízes e tribunais...” conceder isenção de custas, presentes os pressupostos ali estabelecidos. Em regra, não se dispensam custas, presentes tais pressupostos, o juiz, ou tribunal, está autorizado a fazê-lo.
Ora, o texto do art 515, `PAR` 3º, é nítido e claro. Milita em prol da celeridade, desejada em qualquer procedimento judicial, mas elevada à categoria de princípio no processo do trabalho, em razão do objeto alimentar das pretensões nele veiculadas. Mesmo assim, não são raras as decisões turmárias dos Regionais que, reformando decisão extintiva sem julgamento do mérito, aquelas que decretem a prescrição total do direito de ação e as que negam existir o vínculo, mesmo quando pronto o processo a imediato julgamento, determinam à volta dos autos à instância original, para não se “suprimir o duplo grau de jurisdição”.
Eis a segunda reforma: aproveitar-se dos mecanismos do sistema para reforçar a efetividade da Justiça do Trabalho.
A EC 45 deve ser comemorada pela Justiça do Trabalho e pelos jurisdicionados, em razão dos ganhos nítidos que o cidadão obterá pela especialidade de magistrados do trabalho e pela celeridade da tramitação dos processos. O que não será objeto de nenhum festejo, e é de todo indesejável, é que o juiz do trabalho seja o sujeito ativo da anticompetência. Seja o guerreiro inimigo nas fileiras institucionais, a rejeitar os mecanismos legais vigentes, em prol do enfraquecimento da Justiça do Trabalho. Sem a reforma da mentalidade, não há mudança legislativa que converta a justiça das horas-extras em Justiça Social.