Xingar a legislação trabalhista de fascista e retrógrada é costume antigo. Há décadas repete-se o estribilho, entoado, agora, pelos coros da globalização liberal. A CLT foi um avanço democrático, pois garantiu direitos fundamentais do trabalhador, como o limite de jornada, o salário mínimo, as férias anuais e o décimo terceiro. Mas sempre teve um viés fascista, no entant o modelo corporativo que une umbilicalmente os sindicatos ao poder público. Esse paradigma arcaico caracterizado pelo sindicato único e pelo imposto sindical é uma fantasma que ronda a democracia brasileira, mesmo depois de mais de meio século e das constituições democráticas 1946 e 1988.
Agora o executivo anuncia propostas legislativas que, supostamente, romperiam com resquícios paridos pelo Estado Novo. Trata-se da esperada reforma sindical, que se segue ao fórum nacional do trabalho. Tristemente, no entanto, constatamos que o projeto apresentado como resultado dos debates apresenta graves retrocessos, tanto pelas opções que fez, quanto pelas que deixou de fazer, desprezando oportunidade histórica inigualável.
A proposta do Executivo estabelece a regulamentação e o combate das condutas anti-sindicais, dá boa estrutura e clareza às ações coletivas (chamadas também de transindividuais), indica a organização obreira nos locais de trabalho e substitui o imposto sindical compulsório por contribuições fixadas pelas assembléias de trabalhadores. Faz, no entanto, apenas um bom puxadinho. Vai bem naquilo que os juristas denominam direito processual, mas tropeça feio na regulação do direito material.
Caminhando na contramão, a proposta governamental não elimina a unicidade sindical, ao permitir que aos atuais sindicatos a exclusividade da representação da categoria, apenas comprovando um número mínimo de filiados.
Os sindicatos hoje já organizados, que contam com esse contingente de trabalhadores, seguirão com o monopólio de representação da categoria, sem qualquer oportunidade imediata de pluralidade real. Se todos os sindicatos interessados em representar uma determinada categoria não comprovarem a associação de tantos trabalhadores (ou empresários), as centrais sindicais "cederão representatividade" (representatividade derivada), centralizando-se o poder na cúpula do movimento sindical.
E o pior de tudo, o governo propõe a devolução do poder de concessão de representatividade ao próprio Estado, ressuscitando a velha carta sindical do Estado Novo. Entre outros "monopólios", o Ministério do Trabalho poderia de avaliar a qualidade da representação das entidades interessadas, indicando - através da concessão de personalidade jurídica própria - o sindicato único que deverá negociar em nome da categoria. Franca e intolerável intromissão do poder público na organização do movimento sindical, a medida é um evidente retrocesso, ante os termos das mais avanças leis e convenções internacionais sobre o tema e nítida a colisão com o princípio constitucional da liberdade sindical. O Governo dará as cartas. As "cartas sindicais"!
O caráter retrógrado das proposições deriva, também, da omissão em avançar sobre temas essenciais à democratização das relações de trabalho.
Sem nenhuma justificativa convincente, recuou o governo da indispensável proposta de positivação do princípio da prevalência da norma mais benéfica ao empregado, medida que diminuiria a força da flexibilização precarizante do direito do trabalho. A ultratividade da norma coletiva, do mesmo modo, desapareceu do texto que enviado ao Congresso Nacional.
O direito de greve é enfraquecido no projeto com medidas como a de manutenção de níveis de produção da empresa, mesmo em atividades não-essenciais, permitindo a contratação de trabalhadores temporários em lugar dos grevistas. A greve, este indispensável instrumento democrático de reivindicação, garantia constitucional,nunca ou quase nunca poderá ser um instrumento efetivo, diante do risco iminente da contratação de outros trabalhadores.
Não é bem-vinda a iniciativa que busca abrir uma brecha no texto constitucional, a ser preenchida por via de lei ou de sórdida medida provisória bonapartista. Numa perspectiva de efetiva liberdade sindical, não só devem ser expurgados o imposto compulsório e a unicidade, como também propiciados meios para se assegurar autonomia financeira aos sindicatos, algo que também a reforma não traz. Nenhuma efetividade será obtida do modelo sindical, se não for instituída a estabilidade no emprego como regra geral, assegurando-se a participação dos trabalhadores nas tarefas de reivindicação.
Esse assunto diz respeito aos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Sem sindicatos livres, independentes e politicamente fortes, perde a classe trabalhadora e perde a Nação, que não conseguirá superar os seus dramas sociais, subjacentes à elevada concentração de renda e refletidos na miséria reinante em todos os quadrantes do país.
Esperávamos uma reforma sindical mais profunda, que contribuísse na busca de uma sociedade mais justa. O que o governo está propondo é apenas mais um puxadinho, e ainda meio manco de uma perna.