Caro dr. Ruy Eloy
15 de abril de 2005. Há poucos dias atrás, folheava a cópia fiel do primeiro estatuto da nossa entidade associativa, de 1986, já parcialmente desgastada pelo inexorável transcurso do tempo e, nas entrelinhas dos seus originários 28 artigos redigidos há 19 anos atrás, visualizo a participação naquela obra do ilustre homenageado.
Ao longo desta sessão solene, oradores que me antecederam e sucederão, certamente com maestria superior, discorrerão sobre a figura humana do magistrado, jurista e professor sintetizada na pessoa do homenageado.
Realçarão com justeza e detalhes os seus 55 anos de serviço público, 33 dos quais dedicados à magistratura trabalhista, além dos 3 anos nos quais exerceu a Presidência desta Casa de Justiça, enfim, abarcando o arco temporal cuja origem reside na magistratura estadual em Bonito de Santa Fé em 1967 e encerra o seu ciclo no dia de hoje, coroando uma carreira bem sucedida na judicatura e no magistério.
Permita-me, dr. Ruy, afastar-me um pouco dessa relevante vertente para trilhar caminho um pouco diverso, mesmo porque talvez desconhecido de alguns dos presentes a este Plenário e sobre o qual não poderia incorrer no pecado da omissão, inclusive em respeito e atenção à história dodestinatário desta solenidade.
Refiro-me à qualidade de dirigente associativo no âmbito da magistratura trabalhista, também desempenhada pelo dr. Ruy Eloy, que veio a ser um dos membros fundadores da AMATRA 13 em 1986, sendo da mesma também o seu primeiro Presidente, com mandato exercido até o ano de 1988. Sucedido posteriormente pelos presidentes Paulo Montenegro Pires, Ubiratan Moreira Delgado, Márcio Roberto de Freitas Evangelista e Ana Maria Madruga, reassumiu a direção da AMATRA 13 dez anos após o seu primeiro mandato, em dezembro de 1996, então eleito por aclamação para o exercício de mais um biênio findo em dezembro de 1998. Foi além e também exerceu a Presidência da AMATRA da 6ª Região, no período de agosto de 1984 a setembro de 1986, época na qual o Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco estendia a sua jurisdição do Estado de Pernambuco à Paraíba e ao Rio Grande do Norte.
O exercício da Presidência de três mandatos em duas Regiões trabalhistas, ilustra, fielmente, a ênfase e a valorização que o dr. Ruy Eloy atribui e empresta ao trabalho desenvolvido no âmbito do movimento associativo da magistratura nacional.
Tem plena ciência de que existem razões fundadas para a necessidade de união em todas as atividades profissionais, especialmente no que tange à magistratura, pois o ato de julgar, em sua essência, exige do seu protagonista central, acurada reflexão desenvolvida a partir do contato solitário com todas as peças e provas dos autos, a fim de extrair a verdade que dará a razão final a um dos contendores. Traduz assim, em sua natureza elementar, introspecção máxima em busca de uma luz que descortine a penumbra, que reluta em surgir pelos umbrais do portal da verdade. Bem sabe o julgador comprometido com a sua consciência, que mínima obnubilação pode levá-lo a incorrer no pecado da injustiça, mau devaneio intermitente nas mentes das pessoas incumbidas pela sociedade, pelo Estado e pela Constituição Federal para o desempenho da árdua porém gratificante missão de, com a sua consciência, entregar a Justiça aos outros, para que não tentem faze-la com as próprias mãos.
Tal missão não se aperfeiçoa senão em ambiente contemplativo, mediante imersão na realidade dos processos sem rosto, nas páginas sem alma, através de método científico que supera o silogismo positivista de adequação dos fatos à norma, mas que exige e impõe superação do limite do desgaste psicológico, no afã e desiderato de uma justa decisão. A solidão, a reflexão, a decretação de privação do patrimônio ou da liberdade de terceiros e a responsabilidade social consistem, assim, em figuras e institutos que também caracterizam o ato de julgar. A sublimidade que o informa, pois, certamente não decorre da poesia que não o permeia. Julgar, antes de tudo, consiste em missão racional, imparcial, reflexiva e solitária.
O mestre florentino Piero Calamandrei conseguiu captar com sensibilidade peculiar a aparente abstração e imersão que envolve o ato de julgar em sua obra "Eles, os Juízes, vistos por um Advogado", onde diz que:
"Se a embriologia pudesse ampliar suas investigações ao campo psicológico, descobriria que a alma do juiz é composta de dois advogados em embrião, comprimidos um contra o outro, cara a cara, como os dois gêmeos bíblicos, já na atitude de se combaterem no ventre materno. A imparcialidade, virtude máxima do juiz, é a resultante psicológica de duas parcialidades que se combatem. Não se espantem os defensores se o juiz, mesmo o mais consciencioso, não dá mostras, na audiência, de escutar com muita atenção seus arrazoados. Isso acontece porque, antes de pronunciar a sua sentença, ele deverá ouvir longamente a renhida disputa dos dois contraditores que se agitam no recesso da sua consciência."
Trago essa reflexão a tão nobre platéia para demonstrarcada vez mais a necessidade da união da magistratura no exercício da sua profissão através das suas entidades de classe e, como frisei antes, o dr. Ruy Eloy, indubitavelmente, capta a imperiosidade de tão nobre propósito.
As associações podem assumir diversas e variadas formas e nuances. Algumas, meros grêmios recreativos. Outras, simples ajuntamento e aglomeração de interesses díspares e multifacetados. Subsistem no entanto aquelas entidades dignas de reconhecimento pelo trabalho que executam.
Não podemos olvidar que o perfil institucional das associações de juízes vem sofrendo acentuada mudança nos últimos tempos, compreendendo um continuum verificado em seus primórdios, nas quais se resumiam quase a "uma pasta embaixo do braço" até assumirem nos dias atuais a condição de entidades nacionalmente reconhecidas como interlocutoras fidedignas no cenário jurídico e político nacional. Exemplo eloqüente da guinada associativista verificada nos últimos anos, é propiciado pela atuação da ANAMATRA-Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
Trata-se de entidade associativa dos magistrados trabalhistas em nível nacional, que tem sido considerada como peça essencial na idealização e implementação de mudanças significativas no cenário do Poder Judiciário nos últimos anos.
Empunhando a bandeira do aprimoramento institucional, da transparência do diálogo e da firmeza na busca do seu ideal, a ANAMATRA em muito tem contribuído para o aperfeiçoamento da Justiça do Trabalho, este ramo especializado do Poder Judiciário e, ao qual, desde longos tempos, nos dedicamos de corpo e alma.
A unidade da magistratura trabalhista consiste em requisito primeiro das incontestes vitórias obtidas pela ANAMATRA no plano político-jurídico, aplicando a máxima de que, "se juntos somos fortes, unidos imbatíveis".
De fato, o raio de ação da ANAMATRA jamais se circunscreveu aos estreitos limites da atuação corporativa típica de várias entidades associativas. Transcendeu aquela fronteira, para se posicionar incisivamente contra as propostas de neo-liberalização e flexibilização do eixo central do Direito do Trabalho, a tutela ao hipossuficiente. Especialmente o posicionamento contrário à tentativa de alteração do art. 618 da CLT, o posicionamento contrário à lei de falências, no que tange à tutela dos direitos dos trabalhadores da empresa falida, a aprovação do projeto de lei de criação de Varas do Trabalho em nível nacional, a recente ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, além da participação direta na luta contra o trabalho infantil e contra o trabalho escravo, chaga esta que a Princesa Isabel imaginou que extirpava em 13 de maio de 1888.
Assume ainda papel importante na crítica consistente à política governamental quando em sentido contrário aos legítimos interesses da classe trabalhadora, conforme atuação contrária à aprovação da atual proposta de Reforma Sindical do Governo Lula, que almeja a criação de cenário ideal de fragilização sindical, com a concentração do poder na cúpula das entidades sindicais, para imprimir a supremacia e prevalência do negociado sobre o legislado posteriormente, em uma reforma trabalhista exibida num cenário de um movimento sindical ainda trôpego e claudicante com os resquícios do corporativismo getulista que tenta se preservar.
Nesta luta incessante, dr. Ruy, ilustres presentes, o associativismo nacional trabalhista vem pugnando também pela regulamentação do inciso I do art. 7º do Texto Constitucional, por efetiva liberdade sindical, pela autonomia, transparência e democratização do Poder Judiciário, com eleição direta para os cargos diretivos dos Tribunais, contra o nepotismo nos 3 Poderes da República, contra mecanismos processuais usurpadores da liberdade decisória das instâncias inferiores, a exemplo da súmula vinculante e por uma legislação processual que empreste efetividade plena ao direito material e que não sirva de biombo e anteparo jurídico aos litigantes de má-fé. Em síntese, o associativismo atual busca, em última análise, emprestar concretude aos fundamentos constitucionais inscritos no artigo 1° da Constituição Federal, da cidadania, do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, para que venha a se constituir a República Federativa do Brasil, efetivamente, em um Estado Democrático de Direito.
É consenso que o Poder Judiciário está em crise. Não se apresenta, em nível nacional e em seus diversos ramos, de modo geral, como capaz de responder com eficiência e presteza aos reclamos e necessidades atuais da sociedade brasileira. Centra-se ainda em mecanismos superados de controle, é refratário a críticas externas, utiliza-se de cadernos processuais já superados pela pátina do tempo, evidencia traços de morosidade, e formalismo, sacralizando uma atividade humana, sem conseguir estabelecer interlocução sistematicamente viável com a mídia e a sociedade. A recente aprovação da Reforma do Judiciário representa apenas o primeiro passo na longa trilha das necessidades efetivas do Poder Judiciário, carente de legitimação e reconhecimento do trabalho que desenvolve, e que deve ser aprimorado em prol do bem comum.
Porém, o cenário de crise não se presta apenas às críticas oportunistas e direcionadas no sentido de enfraquece-lo, senão como ponto de partida para o diagnóstico empírico dos seus entraves reais na busca do seu aperfeiçoamento.
Dr. Ruy Eloy, disse o líder Martin Luther King Jr em seu célebre discurso proferido em 28 de agosto de 1963: "Eu tive um sonho", imaginando um mundo sem segregação racial. Nesse instante da sua despedida das hostes judicantes, visualizamos uma atuação das associações de magistrados fincada em atitude proativa e não reativa, hábil a sintetizar o pensamento de vanguarda da magistratura nacional, afastando a tradição e o conservadorismo e na edificação de uma magistratura engajada e comprometida com os valores da cidadania, da pessoa humana e do trabalho. Deve ser cada vez mais cônscia da sua responsabilidade social, sem esconderijo no biombo da neutralidade positivista ou na crença do divórcio entre a judicatura e os interesses gerais da sociedade. Afinal, o poder que emana do povo apenas em seu nome deve ser exercido.
Faz-se necessário o trabalho conjunto e engajado de todos que acreditam no Poder Judiciário. Uma autêntica operação Mãos Dadas. A nossa Região tem experiência na união em prol de um objetivo eticamente defensável, a exemplo da campanha liderada por este Tribunal, à época presidido por V. Exa., e com o apoio de diversas entidades da sociedade civil, para afastar o fantasma da extinção da Justiça do Trabalho. Superado aquele embate consubstanciado no slogan "Justiça do Trabalho defenda essa conquista", novamente é tempo de darmo-nos as mãos e, unidos no mesmo ideal, resgatar a confiança da população em sua Justiça. A responsabilidade de tal empreitada é de cada um e de todos os presentes. É viável, e será ainda mais gratificante.
Dr. Ruy, a hora é chegada. Lembro, com Vinicius de Moraes, que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", que V. Exa. não permita o distanciamento com os seus estimados colegas. Encontremo-nos. Se a palavra saudade, ao expressar a tristeza e nostalgia pela partida, invoca o passado, reflete ela igualmente o futuro, mediante a alegria envolta na convicção do reencontro.Pois, com a licença de Milton e Fernando Brant, "seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar; qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar".
Até breve, dr. Ruy.
Muito obrigado.
Humberto Halison B. de Carvalho
Presidente AMATRA 13