Dentro de pouco tempo, fará um século do aparecimento dos primeiros movimentos e partidos fascistas. Na verdade, isto é uma designação genérica de uma imensa quantidade de agremiações, não necessariamente ligadas entre si, que tiveram enorme importância, a partir da década de 1920. Em alguns países, estes grupos ganharam nomes próprios, muito conhecidos como o nazismo na Alemanha e o integralismo no Brasil, dentro da miríade de denominações e posturas adotadas em contextos diversos.
O que liga a todos, apesar de enormes diferenças?
Em primeiro lugar, o desrespeito ao que hoje chamamos de direitos humanos básicos. Em nome da nação, os fascistas foram sempre nacionalistas ou o diziam ser, tudo era permitido, as pessoas nada valiam e deveriam se sacrificar pelo país. Os que se opusessem ou fossem um empecilho deveriam ser `removidos`. Para isto, tudo era válido e permitido, tal como prender, matar, torturar, expulsar etc.
Uma segunda consigna fascista era ou é a do racismo, isto é, existiriam os povos eleitos para dominar e os povos-escravos, os superiores e os inferiores, os civilizados e os bárbaros etc. Em nome disto, estava aberta a porta do ódio e da discriminação entre etnias e culturas diferentes. Era e é legítimo guerrear até as últimas conseqüências para obter a paz dos mortos.
Em terceiro lugar, obviamente sem que isto seja compreendido como uma ordenação burocrática, os fascistas cultuavam e cultuam o ódio à inteligência. Eram e são raivosos contra qualquer espírito especulativo e a quem pensasse ou pense em desacordo de normas pactuadas como corretas em determinadas culturas. O fascismo odiava e os fascistas de hoje ainda odeiam qualquer idéia baseada no humanismo e no desenvolvimento da inteligência. A cultura para eles é uma repetição de fórmulas sem que existam quaisquer dúvidas ou questionamentos.
Em síntese, o fascismo é belicista, tendo a guerra como um fim, contra os direitos humanos (mesmo quando hipocritamente os defendem), inimigo da inteligência e portador de todas as discriminações sociais que hoje conhecemos. O fascismo é racista, sexista e homofóbico (mesmo que aceitem entre eles homossexuais não-assumidos e mal-resolvidos). Uma das derivações contemporâneas do fascismo é a do culto da juventude, isto é, esta idéia terrivelmente mistificadora sobre o poder juvenil, sem dúvida, um poder fascista, porque baseado na ignorância e na discriminação.
Na origem, o fascismo sempre foi identificado como uma articulação política ligada às elites, uma nova versão da direita. O nazismo alemão e o fascismo italiano apresentaram- se ao mundo como uma terceira via entre o capitalismo e a experiência soviética. A palavra socialismo consta no nome do partido nazista (nacional-socialismo) e Mussolini foi, na origem, membro do partido socialista italiano.
No decorrer do século XX, a palavra fascismo também foi usada, com propriedade, para designar algumas das ações do chamado socialismo real e do movimento comunista internacional. A era de Stalin e de seus crimes foi apodada por muitos, à direita e à esquerda, como fascismo vermelho. Não foi difícil que a mesma expressão surgisse para configurar os fatos ocorridos ou propostos por várias outras experiências autoritárias pelo mundo afora, ditas de esquerda.
Há quem não goste da generalização, mas não há como fazê-la, devido à semelhança, mesmo sem negar as diferenças. Derrotado na Segunda Guerra, o fascismo permaneceu no poder em vários países. Os casos mais famosos são os de Portugal e Espanha, que tiveram seus regimes fascistas remodelados (sem perderem sua substância) para sobreviverem ao fim do nazismo alemão e do fascismo italiano. Na península ibérica, o fascismo no poder durou quase 50 anos, atravessando os meados do século XX.
Na América Latina, viveu-se o terror fascista da década de 1970, na pele dos governos militares, que contaram com a herança de várias experiências autoritárias bem próximas ou bem anteriores. Apesar das diferenças, a lógica do poder militar latino-americano assemelhava-se em muitos aspectos ao nazi-fascismo, obviamente, adaptada às condições do mundo da Guerra Fria e da situação de dependência econômica e política da região.
As novas faces do fascismo estão aí para quem quiser ver. Basta abrir os jornais e prestar atenção no que se lê. Os ideais fascistas estão ou são parte do poder contemporâneo, também se colocam na oposição. O fascismo perdeu sua unidade ideológica e pragmática, explodiu em migalhas e foi deglutido pelas mais diversas forças políticas. É possível ver a defesa e a prática de idéias fascistas por toda parte. Volta e meia, aparecem pequenos ditadores pregando a defesa da pátria e a vida sem razão.
Compreendem-se como fascistas os atos tenebrosos que a nebulosa integrista do governo Bush vêm produzindo. Não menos fascistas foram os atentados ao Word Trade Center e aos trens da estação madrilhenha de Atocha. Toda vez que um poder constituído ou sua oposição lança mão de artifícios caracterizáveis como genocídio, não há outro nome para chamá- l são atos fascistas, venha de quem vier. Por isto, são inaceitáveis do ponto de vista de uma ética a serviço da humanidade. Merecem o repúdio universal.
Imagina-se que este fascismo em migalhas está mesmo nas democracias formais insuspeitas, guiando vários atos políticos, com um cinismo exemplar. Não poderia deixar de estar, no que as mídias chamam de terrorismo, muitas vezes esquecendo o outro lado da moeda. O fascismo deixou de ser patrimônio de um país, infelizmente, tornou-se universal e foi naturalizado no mundo presente, como uma das dimensões da bárbarie.
Toda vez que se tenta calar a voz de alguém que discorde, apresentando argumentos e defendendo o gênero humano, se está agindo de modo fascista. Não importam os rótulos (esquerda ou direita), quando eles não conferem com o conteúdo do que se realmente pensa e, principalmente, do que se faz.
O combate ao fascismo tem que ser permanente, tal como acreditava Brecht, que teria dito que a mãe do fascismo estava sempre grávida. O pior deste fascismo em migalhas é que ele invadiu o tecido social como um cancro, estando presente em nosso cotidiano e em nossas relações interpessoais. É preciso combatê-lo cotidianamente, sempre atento para seu retorno previsível. Nas condições de vida presentes da humanidade, não há como prever o fim desta luta.