Não é de hoje que a nação brasileira acompanha, com fundada preocupação, notícias envolvendo acusações de corrupção, fraudes fiscais, escândalos em corporações privadas e no seio do próprio poder público.
É certo que nenhuma democracia está blindada o suficiente para evitar toda sorte de ilícitos. Mas as lições de depuração que ficam após as investigações de cada caso trazido à baila se torna um ingrediente valioso para o aprimoramento das instituições.
O que nos tem chamado a atenção nos últimos acontecimentos, como os que assistimos agora no âmbito das Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito instaladas pelo Congresso Nacional, é a recorrente referência ao uso de `laranjas` em operações apontadas como ilegais.
No atual dicionário das simulações e das fraudes, `laranja` quer significar alguém que é usado para figurar em empresas, contas bancárias, operações comerciais, industriais ou financeiras, bem assim como titular de direito ou de propriedade, com o intuito único de ocultar os verdadeiros gestores dos negócios, que, por razões das mais diversas, não podem ou não querem aparecer.
Nessa modalidade do ser social, o `laranja`, encontramos pelo menos dois tipos: o que sabe que seu nome está sendo usado para tais fins e aquele que sequer tem notícia que é sócio-gerente de uma importante rede comercial desta ou daquela cidade, por exemplo.
É dizer, há os `laranjas` que sabem das operações e outras pessoas que delas participam porque tiveram a má sorte de um dia disponibilizarem seus documentos pessoais, que foram, então, utilizados sem seu conhecimento para a montagem das fraudes.
Muito já se foi noticiado sobre pessoas que são rés em ações de cobrança e até em ações criminais por terem seus nomes associados a ilícitos, principalmente no meio fiscal e previdenciário, porque constavam como gestoras de pessoas jurídicas. Algumas chegaram a ser presas. Outras tantas lutam até hoje para recuperar seu crédito, seu `nome`, sua identidade social, hoje profundamente vinculada à higidez de seus negócios, de suas relações jurídicas.
No Poder Judiciário, em especial na Justiça do Trabalho, a presença do `laranja` há muito deixou de ser rarefeita. Pelo contrário, é bastante comum a alguns devedores ocultarem seu patrimônio através do uso de interpostas pessoas, que são designadas, através de alterações contratuais, para figurarem no quadro societário da empresa executada ou em vias de execução judicial.
A jurisprudência brasileira, especialmente a partir da edição no Código de Defesa do Consumidor, já vem reprimindo tal prática, considerando que o uso dos `laranjas` configura abuso da personalidade jurídica da empresa, pelo que passam os juízes a desconsiderar essas figuras, direcionando a execução sobre o patrimônio dos verdadeiros devedores.
Em grande medida, a proliferação dessa danosa prática de uso dos laranjas como `testas-de-ferro` em negócios tem como pressuposto o falho sistema de controle administrativo sobre o ingresso de pessoas físicas na constituição ou alteração social de empresas, bem assim nos registros de propriedades (móveis ou imóveis), como também na realização de negócios financeiros.
Pouco se exige, por exemplo, para que uma ou mais pessoas constituam uma empresa no Brasil. A integralização do capital não é fiscalizada (às vezes sequer existe na prática), tampouco é exigida a demonstração da origem do capital social investido no negócio ou idoneidade financeira ou econômica do suposto empresário.
Vimos casos no Judiciário Trabalhista no nosso Estado em que figurava como sócio-gerente de uma empresa de considerável porte pessoa que mal sabia assinar seu próprio nome, nunca tendo, sequer, exercido o comércio. Uma fraude que dispensa o juiz de maiores investigações.
O que surpreende, no entanto, é que tudo isso tenha sido homologado e chancelado pelas autoridades administrativas de registro comercial, bem assim pelos organismos de arrecadação fiscal e previdenciário.
Estou convencido que esse quadro precisa mudar. O país não pode assistir, imobilizado, a sobrevivência e o recrudescimento dessas práticas, que contribuem sobremaneira para a escalada geométrica dos crimes fiscais, eleitorais e financeiros, além de danos a trabalhadores e, ao fim e ao cabo, a toda a sociedade.
É preciso que se comece a desenhar instrumentos legislativos e legais de maior controle sobre a constituição e a alteração do quadro societário de empresas, dotando as juntas comerciais dos Estados de procuradorias com autonomia para fiscalizar todo esse processo, exigindo, se for o caso, a presença física daqueles que postulam o registro para prestação de informações e esclarecimentos.
Também deve haver maior rigor nos cartórios e instituições públicas destinadas ao registro de imóveis, de automóveis e embarcações.
O meio financeiro também deve continuar as iniciativas já existentes para impor maior blindagem e segurança do sistema, a fim de evitar que operações financeiras sejam perpetradas através de interpostas pessoas, cuja presença nessas operações ostenta um único objetivo: causar prejuízo ao fisco ou à atuação do Poder Judiciário, ocultando os reais titulares das transações.
É hora, pois, de refletirmos sobre essas questões. O Brasil, conhecido por sua liderança mundial na produção de laranja (a fruta), não pode se transformar no país dos `laranjas`.