Nenhum tema jurídico causou, após a vigência da Constituição Federal de 1988, tanto desconforto doutrinário e jurisprudencial quanto o da competência para apreciar ações envolvendo pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho.
Antes da vigência da Carta Republicana de 1988 o tema era pacífico porque o legislador constituinte sempre excepcionava taxativamente a competência da Justiça Comum para apreciar e julgar os dissídios envolvendo acidentes de trabalho. A diretriz era explícita: continuam na competência da Justiça Comum as causas que tenham como objeto pedidos conectados a acidentes do trabalho.
Como na Constituição Federal de 1988 a regra exceptiva deixou de existir, a exegese em torno da competência para apreciar dissídios envolvendo acidentes de trabalho passou a ter regência exclusiva no artigo 109, item I, da Constituição Federal, assim vazado: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I- as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Como o artigo 114 da Constituição Federal de 1988 restringia a competência da Justiça do Trabalho para os dissídios travados entre empregadores e empregados, em típica relação jurídica onde era exigível o tônus subordinativo, mesmo quando envolvia entes estatais e de Direito Público Externo, excepcionando-se apenas outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, sendo exemplo típico o caso do pequeno empreiteiro, visualizado como operário ou artífice, que tinha acesso à Justiça do Trabalho para demandar eventuais direitos em face de seu tomador de serviço, conforme regra permissiva existente na CLT, tornou-se incontroversa a exegese de que as lides envolvendo acidentes do trabalho , mesmo em se tratando de dolo ou culpa do empregador, eram genuína e originariamente da competência da Justiça Comum, conforme inúmeros precedentes jurisprudenciais do STJ e do STF, em que pese, à época, tisnasse um grande contingente de juízes do trabalho em apregoar, sem assento Constitucional, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes do trabalho, quando figurava no pólo passivo da lide o empregador.
O deslize de perspectiva era evidente porque a competência da Justiça do Trabalho era focada no artigo 114 da Magna Carta e invocável em razão da pessoa, ao passo que o artigo 109, item I, da Lex Legum com clareza solar estabelecia a competência ratione materiae da Justiça Comum para apreciar e julgar todo e qualquer litígio oriundo de acidente de trabalho. Ou seja: se a Constituição Federal de 1988, de forma explícita, estabeleceu a competência ratione materiae da Justiça Comum para apreciar as lides acidentárias, carecia de respaldo constitucional pregar ao mesmo tempo uma competência implícita da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho desde que o empregador figurasse como demandado no pólo passivo da ação. A exegese era extremamente míope e incongruente porque para o mesmo fato gerador do dissídio, o acidente do trabalho, podia em exegese forçada atribuir-se competência concorrente, ora em favor da Justiça Comum, (o que interessava aqui, o punctum pluriens era que a lide fosse armada tendo como fato gerador, logo ratione materiae, um acidente do trabalho), ora em favor da Justiça do Trabalho (o acidente de trabalho é irrelevante como referenciador de competência, mostrando-se significativo sim (logo, ratione personae) o fato de que a lide era proposta em face de empregador).
Essa babel interpretativa infiltrou-se perniciosamente nos tribunais, sendo que em face desse imbróglio jurídico pululavam arestos cortejando as duas teses jurídicas, quando em verdadeiro mito de Sísifo, esquartejava-se a competência ora em favor da Justiça Comum, ora em favor da Justiça do Trabalho, e assim se repetia indefinidamente uma luta inglória análoga à de herdeiros carniceiros disputando o mesmo espólio, o que só redundava em desprestígio para a Justiça e contribuía para multiplicar os conflitos de competência no âmbito dos tribunais, em flagrante desrespeito ao direito dos jurisdicionados que passavam a ser crucificados com o efeito deletério de decisões conflitantes, retardando-se, ao máximo, a entrega de uma prestação jurisdicional afeta a uma Justiça que por seus princípios peculiares deveria ser célere e efetiva.
Não bastasse isso, agravava-se a circunstância antitética de atribuir-se dualidade de competência a órgãos distintos do Poder Judiciário para apreciarem o mesmo fato gerador do dissídio (o acidente do trabalho), o que importava em incontornável vilipêndio ao princípio da unidade de convicção, como bem ressaltado pelo eminente Ministro do Excelso STF César Peluso, redator do RE n. 438639/05-MG. E assim era porque se a competência genuína e originária para apreciar todo e qualquer litígio que tivesse como substrato jurídico o acidente de trabalho era da Justiça Comum, a quem compete inclusive pronunciar-se sobre a caracterização ou não do próprio acidente do trabalho no plano fático-jurídico e uma vez tendo decidido, e.g., aquele segmento do Poder Judiciário pela ocorrência ou inocorrência do acidente de trabalho, que margem de decisão sobraria para a Justiça do Trabalho apreciar o mesmo fato em face de empregador: qual seja, a caracterização ou não do acidente de trabalho? A rigor, nenhuma. A não ser que, ferindo-se o princípio da unidade de convicção, pronunciasse existir o acidente de trabalho quando este foi tido por inexistente pela Justiça Comum ou pronunciasse inexistente o mesmo fato quando na Justiça Comum tal fato foi dado por incontroverso.
A decisão judicial discrepante da Justiça do Trabalho, em chaças com a decisão judicial soberana da Justiça Comum, que constitucionalmente ostenta a competência ex-ratione-materiae para entender configurado ou não o acidente de trabalho, obraria de imediato no vácuo jurídico e se transitada em julgado, seria mesmo passível de corte rescisório fundado em sua incompetência absoluta para caracterizar ou descaracterizar a ocorrência do acidente de trabalho no mundo jurídico. Tome-se o exemplo possível de em uma lide acidentária, armada entre o segurado e a autarquia federal ( INSS ) ter sido administrativamente descaracterizada a ocorrência do acidente de trabalho, decisão que vem a ser confirmada pela Justiça Federal ou Comum. (vide parágrafo terceiro, inciso XI, do art. 109 da Constituição Federal), sendo que simultaneamente, em lide distinta que invoca ser de sua competência, a Justiça do Trabalho venha a condenar o empregador a pagar indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho.
Há flagrante e incontornável vilipêndio ao princípio da unidade de convicção que torna rescindível a decisão da Justiça do Trabalho por absoluta ausência de competência para declarar caracterizado com efeitos erga omnes o fato gerador do acidente de trabalho. De duas uma: ou a condenação exsurgida contra o empregador, em face de pronunciamento discrepante da Justiça Federal ou da Justiça Comum, perde automaticamente seu objeto, sendo totalmente inexeqüível por ter perimido a sua execução, circunstância que pode e deve ser pronunciada ex officio pelo Juiz do Trabalho nos respectivos autos, ou a se entender que a decisão da Justiça do Trabalho continua soberana e surtindo eficácia no mundo jurídico, teria lugar o corte rescisório calcado na incompetência absoluta do Juízo.
Desses argumentos se extrai que a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes do trabalho jamais seria absoluta e, sim, contingente, condicionada e só pronunciável incidenter tantum, sem qualquer eficácia vinculativa em face de decisão discrepante do INSS ou da Justiça Federal ou Comum, quando vierem a entender não caracterizado o acidente de trabalho ou vice-versa. Os argumentos supra tecidos prestam-se a reforçar a tese jurídica de que a competência da Justiça do Trabalho nesta seara nunca seria absoluta mas sempre condicionada ao que, em última instância, vier a ser decidido pela Justiça Federal ou pela Justiça Comum. E nem se diga que sendo incontroversa a ocorrência do acidente de trabalho a Justiça do Trabalho poderia obrar de forma absoluta e soberana na dirimência do litígio que lhe é afeto (responsabilidade subjetiva do empregador).
Ledo engano. A incontrovérsia em torno de um fato jurídico jamais erige-se em regra atribuidora de competência absoluta e ou originária, ostentando antes o valor de mera regra excludente do ônus da prova, conforme comando constante de nosso digesto processual. Ou seja: o fato de ser incontroverso o acidente de trabalho torna apenas mais ágil a tramitação do dissídio perante a Justiça do Trabalho, mas nem por isso a decisão que vier a proferir, sempre revestida de caráter incidenter tantum, teria o condão de vincular com efeito erga omnes seja a autarquia federal (INSS) ou a Justiça Federal ou Comum, sendo que essas últimas, em face de sua competência genuína e originária, poderão, se for o caso, novamente pronunciar-se em caráter vinculativo e decisivo sobre o tema do acidente de trabalho. Tome-se o exemplo de uma decisão judicial transitada em julgado pronunciada pela Justiça Federal ou pela Justiça Comum que entenda caracterizado o acidente de trabalho.
Posteriormente, em ação rescisória desse julgado, o INSS vem a obter ganho de causa, v.g., por ocorrência de erro de fato, quando desconstituída a decisão judicial originária, outra se profere em desfavor da caracterização do acidente de trabalho. Nesse caso, a decisão judicial que tenha sido proferida na Justiça do Trabalho contra o empregador (danos morais e materiais, por dolo ou culpa envolvendo acidente de trabalho), ainda que tenha dado por incontroverso o acidente de trabalho, torna-se um nada jurídico, uma peça totalmente inócua, sem carga de eficácia no mundo jurídico, sendo tranquilamente passível de corte rescisório.
Pergunta-se: que competência é essa que ostenta a Justiça do Trabalho para condenar o empregador em indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho se, eventualmente, pode ser totalmente relegada ao oblívio jurídico pela Justiça Federal ou pela Justiça Comum ou até mesmo rescindível quando discrepante daqueles julgados ? A conclusão é uma só: trata-se de competência condicionada, meramente incidenter tantum que não tem o condão de vincular terceiros, sendo eventualmente passível de contestação na esfera administrativa do INSS ou até mesmo judicialmente, nos casos enfocados. Se se trata de competência tão apequenada teria valido a pena lutar acirradamente para abocanhá - la ? Resta indagar se as reflexões jurídicas tecidas acima subsistem após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/2.004.
A reforma do Judiciário, no que tange à Justiça do Trabalho, veio com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal que, a nosso sentir, em nada interferiu com o comando legal do artigo 109, inciso I, da mesma Lex Legum. Ou seja: o fato de a Justiça do Trabalho ter tido ampliada a sua competência para processar e julgar, consoante o inciso VI do artigo 114 da EC/45/2.004, as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho não investiu essa Justiça Especializada de competência ex-ratione-personae para dirimir litígios que tenham como substrato jurídico os acidentes de trabalho, mesmo em se tratando de dolo ou culpa do empregador, isto porque o artigo 109, inciso I, da Lex Legum, intocado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, continua a estabelecer a competência absoluta e originária ex-ratione-materiae da Justiça Comum para apreciar e julgar os dissídios envolvendo contendas em torno de acidentes do trabalho.
E como já dito alhures, se a Constituição Federal no artigo 109, inciso I, instituiu a competência em razão da matéria da Justiça Comum para as lides acidentárias de qualquer natureza, não poderia ao mesmo tempo ter criado a competência "em razão da pessoa" para que a Justiça do Trabalho aprecie e julgue lides lastreadas em acidentes de trabalho pelo simples fato de figurar no pólo passivo da ação um empregador. Ora, a competência ex-ratione-personae que se colhe da Constituição Federal milita apenas em prol da União, entidade autárquica ou empresa pública federal quando figurem na lide como interessadas, seja na qualidade de autoras, rés, assistentes ou oponentes, sendo que o privilégio de foro (julgamento por juízes federais) nessas circunstâncias decai automaticamente quando a lide versar falência, acidente de trabalho ou matérias afetas ao conhecimento da Justiça Eleitoral ou da Justiça do Trabalho.
Não se enxerga, por mais indulgente que se queira ser com a Justiça do Trabalho, qualquer criação "por passe de mágica" de sua competência ex ratione personae para dirimir litígios acidentários pelo simples fato do empregador figurar no pólo passivo da lide. Onde está escrito isso ? No artigo 109, inciso I, só existe delimitação de competência ex ratione personae em favor da União, autarquias e empresas públicas, e, excepcionalmente, delimitação de competência ex ratione materiae no que pertine a litígios envolvendo acidentes do trabalho, ainda que figure no pólo passivo da relação jurídica processual um empregador, que pela sua própria natureza ( lide acidentária ) continua a gravitar na esfera de competência da Justiça Comum, assim como os de falência, sendo que as matérias eleitorais e trabalhistas tocam às respectivas justiças, constitucionalmente criadas para esta finalidade.
No que pertine ao artigo 114, inciso VI, da Lex Legum, atribui-se sim competência ex ratione materiae em favor da Justiça do Trabalho, para dirimir as ações de indenização por danos morais ou patrimoniais, decorrentes da relação de trabalho, excepcionando-se, logicamente, a competência igualmente em razão da matéria envolvendo acidentes de trabalho, que gravitam constitucionalmente na esfera de competência da Justiça Comum.
O fato de o acidente de trabalho nascer de uma relação de trabalho lato senso, ou especificamente de uma relação de emprego strictu senso, não acarreta por via atrativa a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as lides que o envolvam, a não ser que se revogue o artigo 109, inciso I, da Carta da República. Não me parece razoável traçar exegese simplista contemporizadora da competência da Justiça do Trabalho nestes termos: as lides puramente previdenciárias (revisão de proventos de aposentadoria, classificação e revisão de benefícios previdenciários e congêneres) movidas pelo segurado em face do INSS (autarquia federal) são de competência da Justiça Federal em razão da pessoa, e as lides envolvendo acidentes de trabalho ajuizadas em face da autarquia federal seriam da competência da Justiça Comum, sendo que (aqui vem a inovação sem qualquer respaldo constitucional) quando o litígio não versar seja uma lide tipicamente previdenciária, ou contendas envolvendo acidentes de trabalho, todas movidas contra o INSS, mas sim perquirição de responsabilidade subjetiva do empregador, a competência seria então da Justiça do Trabalho.
O malabarismo jurídico contido em tão ousada exegese não convence porque se a lide envolve acidente de trabalho não existe na Constituição Federal regra atribuidora de competência da Justiça do Trabalho ex ratione personae pelo simples fato de um empregador figurar no pólo passivo da lide, a não ser que se queira atribuir à Justiça Especializada do Trabalho uma competência apequenada e inexpressiva porque sem força vinculativa contra o INSS, contra a Justiça Federal ou contra a Justiça Comum, dado o fato já demonstrado de que a Justiça do Trabalho só pode apreciar a caracterização ou não do acidente de trabalho em caráter meramente incidental, ou seja, típica decisão incidenter tantum sem eficácia vinculativa. De nada adianta atribuir-se uma competência reinventada no texto da Constituição Federal em razão da pessoa em favor da Justiça do Trabalho envolvendo exclusivamente responsabilidade subjetiva do empregador em casos de acidentes de trabalho quando, a rigor, a última palavra sobre a caracterização ou descaracterização do acidente de trabalho, posta como substrato jurídico daquela lide, encontra-se no monopólio da Justiça Comum. E nem mesmo a incontrovérsia do acidente de trabalho milita em prol da competência da Justiça do Trabalho em lide envolvendo responsabilidade subjetiva do empregador, porque facilita apenas a colheita da prova e a formação da convicção do juízo, como dito alhures, sem jamais atribuir competência originária em razão da pessoa em favor da Justiça do Trabalho para apreciar as lides envolvendo indenizações por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidentes de trabalho, só porque ajuizável em face do empregador. Símile modo não milita em prol da competência da Justiça do Trabalho a dicção do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, porque o direito ali assegurado ao trabalhador é o de seguro contra acidentes de trabalho, sendo que a menção à responsabilidade subjetiva do empregador é feita apenas para não tornar compensável aquele direito expressamente assegurado, vedando-se ao empregador que institua seguro contra acidentes de trabalho em favor do trabalhador invoque a concessão desse direito para eximir-se de sua responsabilidade subjetiva em caso de prática de dolo ou culpa envolvendo acidente de trabalho, cuja matéria continua dirimível no bojo de ação competente manejável contra o empregador perante a Justiça Comum, por força da regra estatuída no artigo 109, inciso I, da Lex Legum.
A conclusão a que se chega é a de que a Justiça do Trabalho, mesmo à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004, não ostenta competência para apreciar e julgar litígios envolvendo acidentes de trabalho, ainda que figure no pólo passivo da lide um empregador, à míngua de existência no texto da Lei Maior de atribuição de competência ratione personae à Justiça do Trabalho para lides dessa natureza. Se e quando, por força da recente decisão do excelso Supremo Tribunal Federal, proferida no conflito de competência n. 7204/-1-MG, onde figurou como relator o eminente ministro Carlos Brito, divisar-se possível competência ex ratione personae da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidentes do trabalho, em face de responsabilidade subjetiva do empregador, pelo simples fato deste último figurar no pólo passivo da lide, a decisão da Justiça do Trabalho, porque sempre proferível incidenter tantum e sem força vinculativa, seria apequenada e ancilar em face de decisões proferidas no âmbito administrativo autárquico ou mesmo no âmbito da Justiça Comum, as quais continuam ostentando competência absoluta e privativa para entender caracterizado ou não o acidente de trabalho.
Prova maior da pequenez e da ausência de vinculação da suposta competência da Justiça do Trabalho para apreciar a responsabilidade subjetiva do empregador em casos de acidente de trabalho, quando obrar com dolo ou culpa, reside no fato de que sendo questionada a caracterização do acidente de trabalho na esfera administrativa ou no âmbito da Justiça Comum, o Juiz do Trabalho para evitar decisões conflitantes e para cortejar o princípio da unidade de convicção teria que sobrestar o andamento do feito, uma vez controvertida a caracterização do acidente de trabalho, até pronunciamento definitivo da esfera competente, peculiaridade que não se compatibiliza com a chamada competência originária absoluta.
Conclui-se, finalmente, que a existir competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ações de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidentes de trabalho, a mesma seria sim uma competência típicamente ancilar e incidental, sem eficácia vinculativa.
Somente uma reforma do Judiciário mais generosa e atribuidora de competência à Justiça do Trabalho para apreciar todo e qualquer litígio envolvendo acidente do trabalho, mesmo quando figure na lide a autarquia federal e não apenas a responsabilidade subjetiva do empregador, é que colocaria de vez uma pá de cal sobre o tema porque revestiria a Justiça Especializada de uma competência originária e absoluta para apreciar tais litígios e não apenas de uma competência condicionada e ancilar como acontece até agora.
Alguns exemplos práticos advindos das relações de trabalho podem elucidar melhor a tese jurídica aqui desenvolvida, pois servirão para ora descaracterizar o acidente de trabalho, ora para caracterizá-lo, sendo que nesta última hipótese deve ser feita a distinção entre o acidente de trabalho derivado de descumprimento de uma obrigação contratual e aquele que conjuntamente representa um ilícito contratual e ainda um descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde do trabalhador.
A distinção prática entre as modalidades de acidente de trabalho atrás referenciadas é fundamental como elemento jurídico denotador seja de uma competência originária e absoluta da Justiça Comum para apreciar a lide acidentária, contraposta a uma competência condicionada e ancilar da Justiça do Trabalho para apreciar incidentalmente o mesmo acidente do trabalho para tornar efetivos direitos trabalhistas que gravitem originariamente na esfera de sua competência constitucional ou ainda para caracterizar um fato jurídico complexo oriundo de determinado acidente de trabalho que, pelas características peculiares que o envolvem, pode acarretar tríplice conseqüência processual no âmbito da competência da Justiça Comum e da Justiça do Trabalho, dado que o mesmo fato jurídico (acidente do trabalho) pode a um só tempo detonar a responsabilidade objetiva da autarquia federal, mantenedora do monopólio de seguros de acidentes do trabalho (SAT), a responsabilidade subjetiva do empregador acarretadora de indenização regressiva e ressarcitória dos custos que o INSS teve com o acidente de trabalho em face do segurado (artigo 120 da Lei n. 8.213/91), como ainda a responsabilidade igualmente subjetiva do empregador, por dolo ou culpa, geradora quer de indenização pleiteável pelo empregado a título de danos morais e materiais decorrentes do acidente do trabalho (lide acidentária) e também, frise-se, simultaneamente a responsabilidade pessoal do empregador e ou de seus prepostos que por inobservância de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde do trabalhador, tornou possível, por sua incúria, a ocorrência do acidente de trabalho, muito embora, ressalte-se, a exigência do cumprimento dessas últimas normas possa igualmente ser feita em caráter meramente preventivo, com a finalidade de afastar a ocorrência de infortúnios no ambiente de trabalho.
Passamos agora a citar o os exemplos práticos acima mencionados. Primeiro exemplo: estando a cumprir normalmente as obrigações inerentes ao contrato de trabalho, determinado trabalhador vem a sofrer, no ambiente de trabalho, de um infarto do miocárdio por circunstância tipicamente congênita, vindo a ser imediatamente hospitalizado. Nesta hipótese, a competência para declarar caracterizado ou não o acidente de trabalho para fins de conceder ao trabalhador ou a seus descendentes direitos previdenciários dele decorrentes compete originariamente, na esfera administrativa ao INSS, e na esfera judicial à Justiça Comum. (artigo 109, I, da CF).
Parece-me que no caso concreto que ora se traz à baila não estaria caracterizado o acidente de trabalho, exatamente porque o trabalhador sofria de doença congênita que apenas, casualmente, manifestou-se no ambiente de trabalho, sendo indiscutível que o infarto do miocárdio, sem qualquer conexão com a sua atividade profissional, poderia ter aflorado em qualquer tempo e lugar. O questionamento jurídico em torno da caracterização ou não do acidente de trabalho citado, na ação movida pelo trabalhador ou por seus descendentes contra a autarquia federal (INSS) faz aflorar típica lide acidentária de competência originária e absoluta da Justiça Comum.
Segundo exemplo: um motorista de caminhão de bebidas, a quem o empregador atribua a função cumulativa de descarregar as bebidas e entregá-las aos diversos clientes inseridos em rota preestabelecida pela empresa, tendo predisposição cardíaca congênita, vem, igualmente, a sofrer de infarto do miocárdio ao descarregar parte da carga do caminhão junto a determinado cliente. Igualmente neste segundo exemplo detém, na esfera administrativa, a autarquia federal ( INSS ) e na órbita judicial, a Justiça Comum, competência absoluta e originária para entender caracterizado ou não o acidente de trabalho, tudo como fito de assegurar ao trabalhador ou a seus dependentes os direitos previdenciários pertinentes, por se tratar novamente de uma lide tipicamente acidentária ( artigo 109, I, da CF ). Neste segundo exemplo será caracterizada como acidente de trabalho, a meu sentir, qualquer enfermidade ou defeito sofrido com anterioridade pelo trabalhador, que se agrave como conseqüência da lesão constitutiva do acidente de trabalho, ou seja, o a predisposição cardíaca congênita do trabalhador não afastará, na hipótese, a caracterização do acidente de trabalho, que teve como causa um sobre-esforço físico exigido pelo empregador.
Diga-se, em caráter complementar, que em nossa legislação previdenciária equipara-se a acidente de trabalho a doença profissional ou do trabalho, para fins de percepção dos direitos previdenciários que lhe dizem respeito. Consoante a legislação previdenciária, entende-se por doença profissional aquela produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação de que trata o anexo II do Decreto n. 3.048, de 06 de maio de 1.999 e que está diretamente relacionada com o artigo 20 da Lei n. 8.213 de 1.991. Doença do trabalho é a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relaciona diretamente, desde que constante da relação do anexo citado. A caracterização ou não da doença profissional ou do trabalho depende de resultado positivo obtido em perícia médica feita pelo INSS e quando contestada pelo trabalhador deve a lide acidentária ser apreciada e julgada originariamente pela Justiça Comum. (art. 109, I, da CF).
As ações envolvendo pedidos de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais ou do trabalho a ele equiparadas, mesmo quando ajuizadas pelo trabalhador em face do empregador, são dirimidas, como típicas lides acidentárias, pela Justiça Comum dos Estados, tratando-se de competência ex ratione materiae. Terceiro exemplo : um empregado, por força do descumprimento pelo empregador de norma trabalhista relativa à segurança, higiene e saúde do trabalhador, vem a sofrer acidente do trabalho. A ação que o trabalhador tenha contra o INSS para discutir as conseqüências jurídicas do acidente de trabalho é da competência da Justiça Comum, o mesmo acontecendo com a ação movida pelo trabalhador em face de seu empregador para haver indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes do mesmo acidente de trabalho, por continuar a se tratar de típica lide acidentária. (art. 109, inciso I, da CF). Por outro lado, a ação que o trabalhador ostente contra o empregador para que este, em face do acidente de trabalho e para evitar riscos futuros, passe a observar as normas trabalhistas referentes a segurança, higiene e saúde do trabalhador, é indiscutivelmente da Justiça do Trabalho, por força da orientação jurisprudencial consubstanciada na súmula n. 736 do excelso Supremo Tribunal Federal, não cabendo, todavia, postular-se nessa ação danos materiais e morais relativos ao acidente de trabalho em si (lide acidentária de competência da Justiça Comum, art. 109, I, CF), muito embora se possa pleitear danos dessa natureza em face do empregador que sejam dissociados do acidente de trabalho, mas que tenham igualmente origem no descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde do trabalhador.
Nesta última hipótese, quando não se encontra em discussão nos autos o acidente de trabalho, como causa da reparação civil, a competência exclusiva da Justiça do Trabalho é absoluta, em razão da matéria. Esta última lide não é acidentária e sim corporificadora de responsabilidade subjetiva do empregador que, no âmbito da relação de emprego, ao descumprir norma trabalhista de proteção à segurança, higiene e saúde, acabou acarretando danos morais e materiais ao trabalhador, mesmo quando a infração possa igualmente ter como conseqüência um acidente do trabalho. A competência absoluta para essa última ação é indiscutivelmente ratione materiae da Justiça do Trabalho e encontra respaldo constitucional tanto no caput quanto no item VI do mesmo artigo 114 da Constituição Federal.