SUMÁRIO: 1 - Introdução; 2 -
Direito do Trabalho; 2.1 - Conceito - Objetivo -
Objeto; 2.2 - Fundamentos; 2.3 - Divisão; 2.4 -
Dissídio Coletivo; 3 - Poder Normativo da Justiça do
Trabalho; 3.1 - Degradação do Poder Normativo; 4 -
Emenda Constitucional nº 45/2004: a expressão "de comum
acordo"; 5 - Greve; 6 - Atividades essenciais; 7 -
Competência do MPT para ajuizamento de DC; 8 -
Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Debatida por mais de longos 12 anos, a Reforma do
Judiciário, após passar por diversas fases, incluindo
aquela em que parecia certa a extinção da Justiça do
Trabalho, consubstanciou-se na Emenda Constitucional
nº 45, promulgada em 31.12.04, pela qual, ao contrário
das expectativas iniciais, a Justiça Obreira saiu
prestigiada, fortalecida, contemplada que foi com
sensível e adequada ampliação de sua competência.
Inobstante, com relação ao Poder Normativo, a reforma foi impiedosa, entendendo muitos que sua extinção foi inapelavelmente decretada, enquanto que outros assim não entendem, gerando acalorado debate.
Adepto da primeira formulação, entende o autor que ao inserir no texto constitucional a expressão " DE COMUM ACORDO" (ART. 114, `PAR` 2º), o legislador, de fato e induvidosamente, deu golpe fatal no Poder Normativo da Justiça do Trabalho, na forma até então compreendido, porquanto, mesmo havendo o acordo das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, não haverá sentença normativa ao final, mas decisão arbitral.
Entretanto, em julgamentos recentes, os Tribunais Regionais de São Paulo e de Minas Gerais, por suas Sessões de Dissídios Coletivos, entenderam que nada mudou, o primeiro à unanimidade e o segundo por escassa maioria.
Vencido na tese de que hodiernamente somente se poderá dar curso a dissídio coletivo quando ajuizado "DE COMUM ACORDO", pelas partes ou em caso de greve, pelo Ministério Público do Trabalho, do voto vencido na oportunidade, acrescido de outras considerações, despretenciosamente, pretende apenas e tão-somente levar o tema ao debate, de modo a atingir solução que atenda ao interesse geral da coletividade, sem paixão ou tecnicismo exagerado.
É o que ao final faz, sugerindo
"tornar-se obrigatória a intimação do suscitado para
prévia e expressamente manifestar sua posição de
concordância ou discordância em face do dissídio, antes
mesmo das tratativas conciliatórias", definindo-se, o
curso normal do processo ou seu arquivamento,
respectivamente, por simples despacho do juiz
instrutor.
2. DIREITO DO TRABALHO
2.1 - CONCEITO - OBJETIVO - OBJETO
Em apertada síntese introdutória, temos que o Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e normas que têm por fim a organização e a tutela do trabalho.
Seu objeto é o trabalho humano voluntário e subordinado.
E seu objetivo é a paz social, conseguida através do ordenamento das relações entre empregado e empregador que são os pólos (sujeitos) do contrato de trabalho.
2.2- FUNDAMENTOS
Ensina EVARISTO DE MORAES FILHO que:
"O Direito do Trabalho é um produto típico do Século XX. Somente neste século surgiram as condições sociais que tornaram possível o aparecimento do Direito do Trabalho como um ramo novo da comum ciência Jurídica, com características próprias e autonomia doutrinária". (1).
A Revolução Industrial, com a introdução da máquina e novas técnicas de produção, tornou socialmente reduzida a importância do trabalhador em relação ao tempo em que labutava no regime de artesanato.
Por outro lado, os ideais de liberdade e igualdade dos homens perante a lei, conduziram ao paradoxo de, em se colocando o empregado em igualdade de condições diante do empregador para a celebração de um contrato de trabalho livremente ajustado, praticar-se a maior das injustiças sociais, em virtude da influência do poder econômico e da flagrante desigualdade entre as partes.
ROBERT MOSSÉ afirma que as concepções liberais e individualistas foram hipocritamente utilizadas como meio de assegurar a dominação do patronato sobre o proletariado.
"Desta maneira, a liberdade, provinda de generosas inspirações, ia tornar-se a liberdade de o forte explorar o frac a raposa livre no galinheiro livre".
Essa impossibilidade de o economicamente fraco enfrentar de igual para igual o economicamente forte, determinou o surgimento de leis que procuraram compensar a inferioridade econômica com a superioridade jurídica, compondo-se, então, o novo ramo de direito - o Direito do Trabalho - de índole tuitiva e que, no dizer de DÉLIO MARANHÃO,
"encerra profunda significação moral que não deve ser esquecida e que vai coincidir, em última análise, com aquele mesmo ideal, de valor permanente e absoluto, de que se fez expressão a Declaração dos Direitos do Homem - ideal falseado pela economia capitalista - o respeito à dignidade da pessoa humana" (2).
2.3- DIVISÃO: INDIVIDUAL E COLETIVO
O Direito Individual do Trabalho consubstancia o conjunto de leis e normas que consideram o empregado em suas relações individuais com o empregador.
Já o Direito Coletivo do Trabalho se ocupa das relações entre empregado e empregador enquanto reunidos, isto é, tratando de interesses de grupos. Pressupõe uma relação coletiva de trabalho.
Surgiu da necessidade de "coalizão" dos hipossuficientes assalariados, para fazer face ao poderio econômico dos patrões, buscando equilibrar o relacionamento entre as duas partes.
A união dos economicamente fracos tornou-os mais fortes, dando origem às primeiras leis sociais e às entidades sindicais.
Tem como objetivo o estudo das
associações profissionais; sindicatos; negociações
coletivas de trabalho; e os conflitos do trabalho,
entre os quais a greve, bem como as formas de
prevení-los.
Como se infere, o objeto deste trabalho se contém no
ramo do Direito Coletivo do Trabalho.
2.4 - DISSÍDIO COLETIVO
Cumpre distinguir dissídios de natureza "jurídica" dos de natureza "econômica", porquanto o poder normativo é exercitado quando da decisão dos segundos. Os de natureza "jurídica" visam a aplicação ou interpretação de norma preexistente; enquanto que os de natureza econômica se destinam à alteração ou à criação de novas normas e condições de trabalho, sendo as hipóteses mais correntes os que objetivam aumentos salariais.
A origem do poder normativo está intimamente ligada à necessidade de solução dos conflitos coletivos oriundos das relações de trabalho, sendo dois os sistemas utilizados para tant o "jurisdicional" e o "não-jurisdicional".
COUTURE, com a propriedade e adequação habituais, analisou ambos na sua obra "Solución Politica y Solución Jurisdicional de los Conflictos del Trabajo", assim se pronunciand
"Frente a este modo de ver, según el cual el conflicto del trabajo debe necessariamente dirimirse por acto de las partes, em el libre juego de sus fuerzas reciprocas, y ressalvando al Estado tan solo una función tutelar, dirigida a assegurar el adecuado comportamiento em la lucha, debe alzarse, em nuestro concepto, otra concepción que parte de premisas opuestas. Conforme no concebimos para el conflicto individual otro metodo de decisión como no sea e de los jueces del Estado, no concebimos para el conflicto colectivo aún en sua máxima magnitud otro medio de decisión que el de la función jurisdicional especifica. La lucha entre las partes y el resultado de sus respectivas fuerzas constituyen, en nuestro concepto, una solución contingente del conflicto; el fallo comprensivo y documentado del tribunal especial de confictos, setuando em metodo jurisdicional, examinando todos sus términos (nível de vida, salario, possibilidad de la empresa, futuro de la industria, etc.), constituye la solución correcta del mismo. El primero deja librada la solución, como en el orden politico, a la habilidad e la fuerza da las voluntades; el segundo, la deja librada a la justicia"(3).
No Brasil adotou-se o sistema
"jurisdicional" desde que não haja autocomposição das
partes, cabendo à Justiça do Trabalho o desate da
questão, dando ensanchas ao exercício do Poder
Normativo, até a promulgação da EC - 45/04, que, ao
que parece, alterou significativamente a normatização
do tema, como adiante se verá.
3. PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO
TRABALHO
Poder Normativo, portanto, é a faculdade conferida à
Justiça do Trabalho pela Constituição Federal, para
editar regras jurídicas pertinentes e para solução dos
conflitos do trabalho de natureza econômica.
Como acentuava COQUEIJO COSTA, não se trata de delegação do Poder Legislativo, e sim de competência constitucional atribuída à Justiça obreira. Competência esta que permite aos tribunais trabalhistas não só aplicar normas preexistentes, como também criar normas e condições de trabalho.
ADROALDO MESQUITA DA COSTA deixou claro na sua declaração de voto, quando integrante da Constituinte de 1946, que:
"Se não se deixar expresso na Constituição que à Justiça do Trabalho compete estabelecer normas nos dissídios coletivos, tenho para mim que esta não terá tal competência. À Justiça, cabe aplicar a lei, de acordo com esta compete decidir os casos concretos, mas jamais terá a faculdade de criá-la, porque não é de juiz a função de legislar. A Justiça do Trabalho, porém, tem peculiaridades que não devem ser esquecidas no texto constitucional, precisamente por serem peculiaridades. Praticamente, ela ficará ineficiente e se tornara inoperante para julgar os dissídios coletivos se não se lhe desse a competência normativa". (original sem grifos) (4).
Também PONTES DE MIRANDA ensina:
"É a Constituição que lhe permite editar normas; não é a título de interpretação; é a título de legislação ou de captação técnica dos casos e costumes negociais (5).
Manifesta-se o poder normativo através das decisões de conflitos coletivos de natureza econômica, ou seja, que visam a fixação de novas condições de trabalho, envolvendo interesses abstratos, "ad futurum", consubstanciando-se na sentença normativa, que cria ou modifica condições de trabalho, e, por isso, é de natureza "constitutiva" (CHOVENDA), "dispositiva" (CARNELUTTI), ou "determinativa" (RASELLI), mas nunca "condenatória" (JAEGER). (6).
Ao prolatar uma sentença normativa o juiz exerce "uma atividade formalmente jurisdicional, e materialmente legislativa" (CARNELUTTI). É que ao decidirem dissídios coletivos de natureza econômica, os juízes não estão jungidos a regras preexistentes, podendo criar nova norma como se legisladores fossem.
No exercício da competência normativa os Tribunais consideram não só os interesses das partes litigantes, mas, também, e principalmente, os interesses gerais da coletividade.
Distingue-se a sentença normativa das demais, pela sua eficácia "erga omnes", que a aproxima ou equipara à lei, enquanto que as outras produzem efeitos somente "inter partes".
Unâmines são os doutrinadores em considerar a sentença normativa como fonte formal do Direito do Trabalho, afirmando JOSÉ ANCHIETA FALLEIROS ser a mesma "fonte original do Direito do Trabalho, verdadeira inovação, de características constitucional".(7).
Para EVARISTO DE MORAES FILHO, a sentença normativa "é misto de sentença e lei, abstrata, indeterminada e geral, como Direito aplicável à espécie. Tem conteúdo constitutivo".
DORVAL DE LACERDA a define como sendo fruto do "poder do Magistrado do Trabalho de emanar ordenanças destinadas a regular novas condições de trabalho".
Como a sentença normativa visa a fixação de norma geral e obrigatória "ad futurum" CRUET diz que em tais casos o juiz adquire a qualidade de "legislador suplente", e RIPERT, "de legislador de casos particulares". Tais sentenças criam Direito.
3.1 - DEGRADAÇÃO DO PODER NORMATIVO
O regime militar instalado no País em 1964, julgando-se acima do bem e do mal, houve por bem controlar todos os movimentos sociais, iniciando pelos sindicais. Os trabalhadores foram vendo direitos anteriormente conquistados se perderem. Atividade sindical, reuniões, nem pensar.
De certo que essa maléfica atuação dos homens instalados no poder refletiu diretamente no campo do Direito do Trabalho, cassando direitos individuais e reduzindo drasticamente o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, que passou a ser mera homologadora de índices de aumento de salários fixados pelo Poder Executivo, muitas vezes maquiados.
Assim é que no império da Lei número 4.725/65 a fixação do índice de aumento obedeceu a fórmula matemática, tendo determinado o seu artigo 1º que a "sentença tomará por base o índice resultante da reconstituição do salário real médio da categoria nos últimos vinte e quatro meses anteriores ao término da vigência do último acordo ou sentença normativa".
Posteriormente, foi editada a lei nº 6.147/74, modificada pela lei nº 6.205/75, ambas contendo normas rígidas de controle dos aumentos salariais, não deixando campo de aplicação e exercício do poder normativo, o que obrigou o Tribunal Superior do Trabalho a formular o Prejulgado 56, revogando todos os anteriores atinentes à matéria, estabelecendo normas a serem seguidas nos dissídios pertinentes, afirmando no seu item XV serem as suas normas as reguladoras da competência normativa da Justiça do Trabalho em matéria salarial.
Seqüencialmente, veio a lume a Lei nº 6.708/79, que introduziu o reajuste automático dos salários mediante a utilização do "Índice Nacional de Preços ao Consumidor" (INPC), que é aplicado com incidência de fatores diferenciados de acordo com a faixa salarial do empregado (0,8/1/1,1), independentemente de negociação coletiva, como afirma a Exposição de Motivos que acompanhou o projeto de lei.
Atualmente baliza a matéria a Lei nº 10.192/01, que veda a estipulação ou fixação de cláusula de reajuste ou correção salarial automática vinculada a índice de preços.
MUTATIS, MUTANDI, assim ainda procedem hoje os Tribunais, exercendo um arremedo de Poder Normativo agonizante desde a década de sessenta, como observaram GOMES - GOTTSCHALK já nos idos de 1968, no seu "Curso de Direito do Trabalho", portanto antes da edição das leis nos 6.147/74, 6.205/75 e 6.708/79:
"Com as novas diretrizes impostas ao poder normativo constitucional da Justiça do Trabalho, caracterizou-se, de forma inequívoca, a finalidade da sentença arbitral, como instrumento, não da formação do Direito Coletivo ou propiciador da convenção coletiva, como sucede alhures, mas, de execução da política econômica e de trabalho do Governo. As restrições àquele poder, a estrita predeterminação do percentual do aumento salarial, as exigências e ônus inovados para as empresas, e outras medidas criadas numa série de leis e decretos-leis e decretos estão a demonstrar que em regime inflacionário e de economia dirigida, o critério de equidade, inspirador das sentenças normativas, acaba por se degenerar em arbítrio legalizado, em holocausto dos interesses da comunidade inteira. Desfigurou-se tanto o poder normativo dos tribunais do trabalho que, dele, não resta, senão, a aparência; convertido como está em órgão homologatório de cálculos estatísticos, muitas vezes irreais".(8).
4. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 - A EXPRESSÃO "DE COMUM ACORDO"
À luz do novel texto constitucional, induvidosamente é condição de procedibilidade de dissídio coletivo de natureza jurídica o "comum acordo" entre as partes, o qual deve ser demonstrado de forma expressa e "a priori", tornando inequívoca a intenção das mesmas em eleger o Poder Judiciário para o desate da controvérsia instaurada.
Na falta da indeclinável prova ou em caso de expressa discordância, deve o processo ser extinto, de plano, sem julgamento do mérito (267, IV, CPC), antes mesmo da fase conciliatória, porquanto ausente uma das condições da ação, exatamente a criada pela nova redação do parágrafo 2º do artigo 114 da Emenda Constitucional nº 45/2004.
Inquestionavelmente, o legislador constituinte derivado extirpou do ordenamento jurídico função judiciária que constituía verdadeira usurpação ao Poder Legislativo, à vista da clássica teoria de freios e contrapesos de Montesquieu, que de tão atípica só existente em poucos países.
A este respeito merece nota o bem elaborado estudo de Marcos Neves Fava, publicado pela ANAMATRA em Nova Competênca da Justiça do Trabalho (Grijaldo Fernandes Coutinho, Marcos Neves Fava, coord. São Paulo. LTr, 2005, p. 276/291), no qual se rememora que a Constituição da República de 1988, em seu art. 2º, dispõe que os poderes são "independentes e harmônicos entre si", o que se aquilata como cláusula pétrea no art. 60, parágrafo 4º, III, e que "...cada um dos poderes da República realiza funções típicas ou atípicas. Ocorrerá o exercício destas últimas apenas quando qualquer dos Poderes receber expressa autorização do poder constituinte originário (...). Uma das expressivas exceções ao método de organização estatal da tripartição de poderes coincide com o "poder normativo" atribuído à Justiça do Trabalho para decisão dos litígios coletivos" (p. 279).
Não é demais recordar a nova redação conferida ao parágrafo 2º do art. 114 da Constituição da República de 1988:
"Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente".
O texto condiciona a instauração do dissídio de natureza econômica ao comum acordo entre as partes (interpretação lingüística ou gramatical).
Se quando uma das partes se recusa a negociar - hipótese em que resta caracterizado seu total desinteresse pela produção da norma autônoma e consequente indiferença ao aspecto social da negociação - não pode a Justiça do Trabalho, pelo chamado de só um órgão de classe, suprir o vazio normativo, s. m. j., e com a devida vênia aos respeitáveis entendimentos em sentido contrário, menos autorizada ainda está esta Justiça a pronunciar-se, quando os atores sociais tentaram negociação que malogrou (interpretação lógica).
Se no antigo ordenamento jurídico a "prestação jurisdicional normativa" se inspirava no princípio protetivo, pelo qual não se admitia que permanecesse sem instrumento coletivo uma categoria organizada, hoje percebeu-se que a sociedade globalizada e o chamado "neo-liberal" sistema de governo implicam nova leitura dos fatos sociais, sendo forçosa a conclusão de que suprir o vazio normativo não reflete mais o ideal de igualdade jurídica entre patrões e empregados, sendo mais eficiente, para este almejado fim, que o próprio sujeito de direito seja capaz de impor-se socialmente perante aqueles que se contrapõem a seus interesses (Occasio legis - circunstância histórica motivadora da lei).
Por esta razão é que a leitura que se faz da nova ordem constitucional deve estar inspirada na tentativa de trazer a maior concretude possível da liberdade sindical ao ordenamento jurídico brasileiro (interpretação sistemática), merecendo subsídio para a exegese o que dispõe a Convenção nº 98 da OIT, intitulada "Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva", aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 49, de 1952 e com vigência nacional a partir de 18 de novembro de 1953:
"art. 4º - Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego".
Conforme se observa, é conceito pacífico na doutrina internacional que a livre negociação traduz liberdade sindical, porquanto os convenentes, em igualdade jurídica, compõem-se ou, se não chegam a tanto, escolhem (o que também traduz liberdade) quem deve apresentar desfecho ao impasse.
Merece transcurso, também, trecho do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 226/91 e vigente a partir de 24-04-92:
"art. 8º - Os Estados-Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:
a) o direito de toda pessoa de fundar com outras sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias;".
Há que se ter em vista ser sindicato de empregados que vem sustentando a necessidade de mútuo consentimento (conforme ocorrido nos autos do DC 00318-2005-000-03-00-7, envolvendo as categorias econômica do transporte de passageiros de Belo Horizonte - SETRABH - e profissional dos rodoviários de Belo Horizonte - STTRBH -, bem como no DC - 00387-2005-000-03-00-0-DC, tendo como suscitado o mesmo STTRBH, o que deixa claro que o interesse é na forma autônoma de solução de conflitos e derroga por definitivo a falsa sensação que se tem, plantada no protecionismo getulista, de que julgar é garantir equilíbrio aos trabalhadores. Deixar de acolher a preliminar implicaria, com permisso, ser mais realista que o rei...
Nos casos referenciados, não há que se falar, pois, em concordância tácita pelo simples exercício de defesa, mas em discordância expressa, que vem sendo manifestada desde a negociação perante a DRT, com registro formal em ata.
Aliás, o argumento de que a
apresentação de defesa pelo suscitado implica em
tácita concordância, é, data vênia, sofismático,
porquanto citado para tanto, não há outra alternativa
processual que o atendimento ao chamamento
judicial...
O Ilustre e Respeitado jurista desta Casa, Juiz
Maurício Godinho Delgado, em artigo publicado no
Suplemento Especial "O Trabalho", abril/05, no. 98,
p.2666, comenta:
"REDUÇÃO DO PODER NORMATIVO DA
JUSTIÇA DO TRABALHO. Com a promulgação da Emenda
Constitucional no. 45/04, verifica-se que o Poder
Normativo atribuído à Justiça do Trabalho restou
quantitativamente reduzido e qualitativamente
alterado, na medida em que:
apenas de comum acordo, o dissídio coletivo poderá
ser ajuizado, o que faz das Cortes Trabalhistas
verdadeiras Cortes de Arbitragem, pois a
característica própria da arbitragem é a livre eleição
das partes (...)
os únicos dissídios coletivos genuínos serão
aqueles propostos pelo Ministério Público, nos casos
de greve em serviços essenciais, que comprometam o
interesse público.
A alteração constitucional parece salutar, na medida
em que se promove dentro do contexto de valorização da
composição dos conflitos coletivos, de preferência
diretamente pelas partes envolvidas, que são as que
melhor conhecem as condições de trabalho e a situação
por que passa o setor produtivo em questão".
Elemento expressivo de convicção é o teor das manifestações dos I. Parlamentares na condução de seus votos quando da apreciação da matéria na Câmara dos Deputados, quando por maioria de 334 votos, 53 contra e duas abstenções, a expressão "de comum acordo" foi mantida no texto da norma constitucional focalizada (Trabalhos preparatórios).
Em resumo, a minoria sustentou que a manutenção da expressão feriria o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, impedindo o acesso à Justiça e retirando desta a apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direitos, com espeque no pronunciamento do Em. Parlamentar Sérgio Miranda (voto condutor):
"Sr. Presidente, na condição de
autor do destaque, reitero que a expressão "de comum
acordo", constante do `PAR` 2º do art. 114 da Constituição
Federal, trata de situação em que uma parte se recusa à
negociação coletiva e à arbitragem. Recorrer à Justiça
só será possível, segundo o texto da Relatora, se
houver comum acordo.
Ora, Sr. Presidente, trata-se de profunda
contradição. Na nossa opinião, isso fere o inciso XXXV
do art. 5º, que impõe que nenhuma lesão ou ameaça de
lesão pode ser excluída da apreciação do Poder
Judiciário. Além de ser inconstitucional, reflete a
incompreensão de que todos os conflitos trabalhistas
podem ser resolvidos no âmbito da sociedade civil, sem
recorrer ao Estado, que, neste caso, dará garantia ao
mais fraco. A sociedade civil é o âmbito do domínio do
poder econômico e nela a parte mais fraca será sempre
prejudicada.
Por uma questão de
constitucionalidade, porque fere uma cláusula pétrea e
evita o recurso à Justiça da parte que se sente
prejudicada, pela compreensão de recuperarmos uma
parte mínima do poder normativo... E não se argumente,
Sr. Presidente, que o movimento sindical e os
trabalhadores poderão ser prejudicados, porque no texto
da Relatora está incluído, no fim do parágrafo, que a
Justiça do Trabalho poderá decidir o conflito,
respeitadas as disposições mínimas legais de proteção
ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Há um direito mínimo preservado no texto da Relatora:
o "de comum acordo" evita uma solução jurídica da
parte que se sente prejudicada e beneficia aquele que
quer manter o impasse a todo custo.
Nesse sentido, o PCdoB vota pela retirada da
expressão."
Entretanto, a questão é jurídica e técnica, esclarecendo-se a partir do estabelecimento da natureza jurídica da decisão normativa, que nunca foi propriamente jurisdicional, pois não está o Poder Judiciário, no julgamento do dissídio coletivo, a dirimir conflitos, aplicando o ordenamento jurídico a um caso concreto de pretensão resistida.
Quanto à natureza jurídica da arbitragem, ensina Amauri Mascaro Nascimento (Direito Sindical, 2ª ed. São Paul LTr, 1984, p. 325) que os juristas contemporâneos ora conferem-lhe natureza contratualista (Mattirolo e Chiovenda), realçando a espontaneidade como seu traço determinante, sob a forma de ajuste entre as partes para submeterem a questão a um árbitro, ora natureza jurisdicionalista (Mortara, Alcalá-Zamora y Castillo, Aroca e Carnellutti), tendo-a como autêntico processo jurisdicional, mas de juízes indicados pelas partes, sob o amparo da autorização estatal. Seja de uma forma ou de outra, "Na arbitragem intervém um ou vários terceiros escolhidos pelas partes, com o beneplácito da disposição legal, esgotando-se sua auctoritas com um único exercício, enquanto que na jurisdição o terceiro imparcial é determinado pelo próprio Estado para solucionar todos os conflitos que surjam, estando investido de auctoritas e de potestas".
Certo se faz que até para aqueles que perfilharem o entendimento de que a sentença normativa manterá, em esfera de criação de direito, natureza jurisdicionalista, a exigência de mútuo acordo entre os contendores para a instauração da instância não se afigura como cerceio de qualquer espécie de direito, conforme já se manifestou o Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251.989-AgR/SC - Rel. Ministro Celso de Mello, 26/10/99 (RTJ/STF, vol. 187, no. 03, p. 186ss):
"EMENTA: (...) O direito de petição, fundado no art. 5º, XXXIV, a, da Constituição não pode ser invocado, genericamente, para exonerar qualquer dos sujeitos processuais do dever de observar as exigências que condicionam o exercício do direito de ação, pois tratando-se de controvérsia judicial, cumpre respeitar os pressupostos e os requisitos fixados pela legislação processual comum".
Daí porque o raciocínio de que o "mútuo acordo"
ofende a liberdade de ação, data venia, é sofismático,
não havendo que se falar em ofensa ao princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional.
O Il. Vice-Procurador-Geral do Trabalho, Otávio
Brito Lopes, em recente artigo publicado na Revista
Jurídica Consulex (ano IX, no. 197), o com bastante
propriedade, afirma:
"Em se tratando, entretanto, de arbitragem judicial voluntária, como a nosso ver é a hipótese, não há que se falar em tal inconstitucionalidade, mesmo porque a arbitragem voluntária é de nossa tradição e decorre de nosso ordenamento jurídico (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996), haja vista que o Brasil não adota a arbitragem compulsória. A Lei nº 9.307, de 1996, quando disciplina a cláusula compromissória e afasta a jurisdicição para a solução de conflitos, é constitucional e não afeta o princípio do livre acesso ao Judiciário, conforme já declarado pelo Pleno do Supremo do Tribunal Federal (Processo SE noº 5206 AgR/EP, Espanha, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 30-04-04, p. 29)".
E a expressiva maioria dos parlamentares, induvidosamente, fixando a mens legis, o objetivo, o desiderato do constituinte derivado, impôs a permanência da inquinada expressão, com os seguintes referenciais:
Exmo. Deputado Inocêncio de Oliveria:
"Sr. Presidente, discutimos com o nobre Deputado Vivaldo Barbosa, que tem a melhor das intenções. Se olharmos o início do texto, para depois dizermos que só podemos fazer isso em comum acordo, vamos forçar sempre o entendimento. Vamos fazer com que as partes cheguem ao entendimento. Caso contrário, ao retirarmos isso, vai haver tantos litígios que a demanda na Justiça vai ser tão grande que não compensaria a retirada do texto. Por isso, o PFL, para a manutenção do texto, recomenda o voto "sim".
Exmo. Deputado Mendes Ribeiro Filh
"Sr. Presidente, vou inscrever esta sessão nos meus cadernos especiais. Durante o trabalho da Comissão, a grande discussão era o poder normativo da Justiça do Trabalho. Estavam tentando terminar com a Justiça do Trabalho, não queriam o poder normativo. Eu era uma das poucas vozes a defendê-lo. Buscou-se o Fórum Barelli, o poder normativo mitigado, as duas partes do entendimento, para buscar a intervenção da Justiça, a fim de aproximar e não para separar. O que se quer é que a Justiça do Trabalho fique com a participação, com o poder normativo, quando as partes se julgarem incapazes de encaminhar o diálogo. É um avanço. Agora, se retirarmos o "de comum acordo", teremos exatamente o poder normativo da Justiça do Trabalho, contra o qual tantas e tantas lideranças se manifestaram. Por isso, o PMDB mantém o texto da Relatora, porque entende que é um avanço termos esse poder normativo que está no texto. O PMDB vota "sim"."
Exmo. Deputado Ricardo Berzoini:
"Sr. Presidente, quero esclarecer que uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalhadores é a luta contra o poder normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos que a negociação coletiva se constrói pela vontade das partes. Ou seja, se não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos argumentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que vemos em muitos movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o recente caso dos metroviários, em que a empresa recorre ao poder normativo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na nossa avaliação, manter a expressão "de comum acordo" é uma forma de garantir que haja exaustão do processo de negociação coletiva. O Partido dos Trabalhadores vota pela manutenção da expressão, combatendo o poder normativo da Justiça do Trabalho, que hoje é um elemento de obstáculo à livre negociação coletiva. (Palmas.)"
Exmo. Deputado Avenzoar Arruda:
"Sr. Presidente, ouvi atentamente os argumentos