1) Introdução.
A proteção contra atos anti-sindicais está intimamente ligada à liberdade sindical; melhor, dela faz parte, compondo a sua própria idéia. Com efeito, os artigos 1º e 2º da Convenção Internacional do Trabalho nº 98, se referem à "adequada proteção contra todo ato de discriminação tendente a diminuir a liberdade sindical em relação ao seu emprego" (`PAR`1º, do art. 1º); à proteção contra a conduta patronal de condicionar o emprego à desfiliação ou a não filiação sindical (`PAR`2º, do art. 1º);à proibição contra a despedida por causa da filiação ou da afinidade sindical (`PAR`2º, do art. 1º); à garantia de que "as organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de ingerência de umas contra as outras" (`PAR`1º do art. 2º).
Assim, pode-se afirmar que a vigência efetiva da liberdade sindical depende diretamente das medidas de proteção contra atos anti-sindicais. Como já foi dito por eminente juslaboralista:
"O sistema de proteção da atividade sindical em seu conjunto, não é outra coisa, definitivamente, senão a "redução" ou "concreção" da noção abstrata de liberdade sindical ao meio concreto e real em que deve ser exercida;"
2) Proteção contra condutas anti-sindicais e discriminatórias.
A repressão à atividade anti-sindical açambarca todo um conjunto de medidas de proteção do dirigente sindical e do militante sindical com o intuito de resguardá-los de pressões e represálias do empregador e dos tomadores de serviços em geral e também daquelas porventura provenientes do Estado. Essa tutela compreende ainda os empregados e trabalhadores envolvidos em reivindicações trabalhistas mesmo que não diretamente relacionadas à prática sindical.
A garantia de que estamos a falar e os procedimentos outorgados para impedir sua violação, podem ser sintetizados em "foro sindical", vedação de práticas desleais, de discriminação anti-sindical e atos de ingerência. Analisaremos abaixo, de forma bastante simplificada, em que consistem esses meios e os direitos protegidos.
a) Foro sindical
A concepção de "foro sindical" se limitava à proteção do dirigente sindical contra a despedida. Posteriormente, passou a incluir o militante sindical, abrangendo uma série de medidas (proteção contra sanções imotivadas, transferências, facilitação do acesso ao local de serviço, meios concretos para divulgação da atividade sindical). Finalmente, esse foro sindical converteu-se na proteção de todo trabalhador sindicalizado ou que simplesmente realiza uma ação gremial ou coletiva.
No nosso ordenamento jurídico, o "foro sindical" é expressamente reconhecido e assegurado nos arts. 8º VIII, da CF e no `PAR` 3º do art. 543, da CLT, no tocante aos dirigentes sindicais; art. 10, II, a, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 165 da CLT quanto aos dirigentes de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes; na estabilidade provisória do representante dos empregados nas empresas com mais de duzentos empregados (art. 11 da CF) e Convenção 135 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1991; direito de afixar, no interior das empresas, publicações relativas à matéria sindical (art. 614, `PAR` 2º, da CLT) e Prec. DC 104 do TST; nos arts. 543 da CLT e no Precedente nº 83 do TSTsobre a freqüência livre dos dirigentes às assembléias devidamente convocadas.
b) Práticas desleais
A recusa à negociação coletiva e o uso da violência, intimidação e represálias contra trabalhadores a fim de impedir a criação de sindicatos, associações profissionais, núcleos de representação sindical e profissional, comissões internas, etc., configura o que se conhece como prática desleal. A CLT, art. 543, `PAR` 6º, coíbe esse tipo de proceder patronal, sujeitando o infrator a sanções administrativas, sem prejuízo da reparação a que tiver direito o empregado (verbas trabalhistas e indenização por danos patrimoniais e morais).
Outrossim, constitui-se em prática desleal a coação (física, moral ou econômica), ou a ameaça contra trabalhadores que estejam, ou desejam participar, de greveou de qualquer outro movimento reivindicativo, ou, ainda, a sugestão para que dele não participem. Do mesmo modo, ter-se-á essa conduta anti-sindical quando o empregador prometer vantagens para aqueles que renunciem à greve ou se afastem do movimento coletivo ou sindical.
c) Atos de discriminação
Reza o `PAR` 1º, do art. 1º, da Convenção nº 98 da OIT que: "os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de discriminação tendente a diminuir a liberdade sindical em relação ao seu emprego."
A legislação brasileira não olvida essa determinação, como provam os arts. 5º, I e VIII e 7º XXX, XXXI e XXXII da CF e Lei nº 9.029/95. Não apenas a discriminação contra os diretores, representantes e ativistas sindicais é vedada. Todo o empregado merece ser defendido de atos discriminatórios na esfera trabalhista. Por isso, no campo do direito coletivo, essa garantia preserva igualmente o grevista (sindicalizado ou não, militante ou simplesmente integrante da "massa"), as lideranças independentes e o trabalhador filiado a partidos políticos que não sejam da preferência (ou simpatia) do empregador e de seus prepostos.
Destarte, na contratação, formação profissional, remuneração e vantagens sociais, aplicação de penalidades, despedida, é expressamente interdito ao empregador levar em consideração a condição de sindicalizado, diretor, representante ou militante sindical, membro, ou ex-membro, de comissões internas, grupos de reivindicação ou assistência mútua ou, ainda, de grevista ou integrante de movimento reivindicatório (mesmo se de cunho político).
A proibição de atos discriminatórios é um princípio que se erige em regras jurídicas de natureza imperativa e de ordem pública, que acarretam a nulidade da conduta ilícita, além de gerar direito e pretensão de reparação por danos patrimoniais e morais e de reintegração no emprego, multas e obrigação de pagar verbas trabalhistas.
d) Atos de ingerência
O art. 2º, `PAR` 1º, da Convenção OIT nº 98 aborda diretamente a conduta anti-sindical de ingerência: "as organizações de trabalhadores e de empregadores devem gozar de adequada proteção contra todo ato de ingerência de umas contra as outras." No `PAR`2º o aludido art. 2º, dessa Convenção alude a alguns atos de ingerência do empregador (que também podem ser perpetrados pelo Estado): "criar ou estimular a constituição de organizações favoráveis; dirigir, influenciar ou sustentar economicamente entes sindicais, delegações, comissões ou grupos de representação." Em suma, todo procedimento que vise a dominação, controle ou interferência nas organizações obreiras são vistos como indevidos e ilícitos.
3) Agentes da conduta anti-sindical.
Em regra, a prática anti-sindical tem como agente ativo o empregador, seus prepostos e organizações. E como sujeito passivo o trabalhador e suas organizações. Outros agentes, contudo, podem cometer atos anti-sindicais.
Com efeito, o Estado viola a liberdade sindical quando realiza atos de ingerência nos sindicatos e organizações trabalhistas e persegue lideranças sindicais. Outra forma de conduta anti-sindical, verdadeiro ato de discriminação, assaz comum na atual fase histórica, ocorre quando governos e partidos políticos buscam favorecer diretamente os interesses dos empregadores, fazendo causa comum com estes, adotando políticas desfavoráveis à organização dos trabalhadores.
Não raro, o Estado leva a efeito práticas anti-sindicais ao assumir a posição de empregador, realizando atos idênticos àqueles perpetrados pela iniciativa privada.
Outra prática anti-sindical do Estado reside na elaboração de normas (leis, decretos, portarias) para estabelecer, ainda que veladamente, restrições à liberdade sindical, condicionando a existência e o funcionamento das entidades sindicais ao preenchimento de formalidades por demais onerosas, quando não impossíveis de serem atendidas.
Os próprios sindicatos dos trabalhadores estão, igualmente, sujeitos a efetivar atos anti-sindicais, impondo restrições e agressões aos direitos e interesses de empregadores e até de trabalhadores e outros agentes. No Brasil, por exemplo, encontramos entidades sindicais que inflacionam o número de diretores a fim de estender a estabilidade no emprego a vários trabalhadores, que dela normalmente não gozariam não fosse esse artifício.
4) Casos tipificadores de atos anti-sindicais.
Diversas situações podem ser apontadas como de conduta anti-sindical: (a) fomento de sindicatos comprometidos com os interesses de empregador e dominados ou influenciados por este; (b) a não contratação, despedida, suspensão, aplicação injusta de sanções, alterações de tarefas e de horário, rebaixamento, inclusão em "listas negras" ou no "index" do patrão, a redução do salário do associado ou do dirigente sindical, membro de comissão ou, simplesmente, porta-voz do grupo; (c) o isolamento ou "congelamento" funcional desses obreiros; (d) no plano da greve, procedimentos que desestimulam ou limitam esse direito (despedida, estagnação profissional, medidas disciplinares, transferências de grevistas, concessão de licença, férias maiores, gratificações e aumentos para "fura-greves`); (e) ameaças ou concreção de extinção de postos de trabalho ou de estabelecimentos, transferências destes para outro país ou região como represália por atividades sindicais ou de reivindicação coletiva; (f) delitos como ameaça, coação, lesão corporal, cárcere privado, assassinato de lideranças obreiras e sindicais; (g) recusa de negociação coletiva; (h) inviabilizar ou dificultar a criação de sindicatos ou comissões internas; (i) impedir ou criar obstáculos ao desempenho da atividade sindical que pressupõe: ingresso e deslocamento nos estabelecimentos empresariais, comunicação de fatos do interesse dos trabalhadores, recebimento das contribuições devidas à entidade classista, informações do empregador necessárias ao desempenho da atividade sindical; (j) apresentação, quando da contratação, de questionário sobre filiação oupassado sindical; (l) sugestão para abstenção em eleições sindicais ou para comissões internas; (m) proibição do empregador de realizar assembléia no seu estabelecimento ou interdição à participação de dirigentes externos nessas assembléias.
5) Mecanismos de Tutela
Múltiplas são as medidas de proteção contra atos anti-sindicais. Vão desde as preventivas até as reparatórias, sem excluir sanções administrativas e penais. Assim, a despedida de um dirigente sindical e de um membro de comissão interna pode gerar uma autuação pela autoridade competente e sanções de ordem penal, anulação de ato e reintegração no emprego e pagamento de indenização, inclusive por danos morais.
Doutrina significativa sistematiza os meios de tutela contra a conduta anti-sindical em: (a) medidas de proteção (b) mecanismos de reparação (c) outros meios de proteção, tais como publicidade, sanções penais e administrativas, nada impedindo que esses mecanismos, como já noticiado acima, se apresentem de forma cumulada.
Como medida de prevenção são arrolados: apreciação prévia de dispensa por órgão interno ou administrativo e as medidas judiciais preventivas (tutela inibitória, antecipada e até cautelares satisfativas para os países que não possuem essas duas primeiras modalidades de tutela de urgência).
No campo dos mecanismos de reparação, temos a demanda dirigida à reintegração do trabalhador, vítima de ato discriminatório e anti-sindical. Essa ação, que pressupõe a nulidade da despedida, por ser ajuizada pelo obreiro ou pelo sindicato na qualidade de substituto processual. Há inegável interesse coletivo legitimante da atuação do ente sindical (art. 8º, III, da CF), pois a garantia no emprego, a estabilidade, a proibição de despedidas injustificadas e discriminatórias de lideranças sindicais e obreiras, transcende o plano individual para alcançar toda a categoria, o que não será possível se o agente de suas reivindicações for afastado do emprego a qualquer momento.
A reparação também pode ser alcançada, de forma imperfeita e incompleta, via indenização. Em apenas casos extremos deve ser posta em lugar da reintegração (extinção da empresa e término da estabilidade sindical, por exemplo).
A reintegração e a excepcional indenização substitutiva dessa obrigação de fazer, não excluem o direito à indenização por danos morais porventura sofridos pelo trabalhador (art. 5º, X, da CF).
Entre os outros meios de proteção à atividade sindical, encontram-se os meios penais (multas e tipificação do ilícito como crime), publicitários (divulgação da prática anti-sindical em jornais, periódicos, etc.) e a autotutela (greves e movimentos afins).
6) Aspectos Processuais (competência, prova e onus probandi).
6.1 Competência.
As demandas resultantes de atos anti-sindicais perpetrados pelo empregador, inclusive se este é o Estado, são de competência da Justiça do Trabalho (art. 114 e 173, `PAR`1º, da CF), pouco importando a fonte do direito que dá suporte ao pedido (CLTou direito comum).
Pensamos que a competência da Justiça do Trabalho se afirma mesmo se relacionada à conduta anti-sindical ocorrida quando da admissão, seleção de pessoal e tratativas pré-contratuais. Aliás, são muito freqüentes os atos contrários à liberdade sindical quando da fase pré-contratual e logo no início do pacto empregatício.
6.2. Prova e onus probandi.
Para efetividade dos meios preventivos e de repressão da conduta anti-sindical, insuficientes, muitas vezes, são as formas materiais, as sanções administrativas e penais e até os provimentos de urgência. Isso porque a prova do ato de ingerência, retaliação e discriminatório, sobretudo este último, quase sempre são de fácil demonstração.
O princípio da inversão do ônus da prova - em favor do hiposuficiente, em detrimento daquele que melhor aptidão tem para a prova, acolhido no Código de Defesa do Consumidor* e que orienta o processo do trabalho - tem plena incidência nas hipóteses de demonstração de atos anti-sindicais. A Convenção OIT nº 158 (art. 9º), a Recomendação nº 143 da OIT (N.2, e, do art. 6º) e o comitê de liberdade sindical autorizam essa conclusão, conforme noticiam URIARTE e BARTOLOMEI DE LA GRUZ(apud URIARTE). Na doutrina brasileira, ALICE MONTEIRO DE BARROS, apoiada em YOLANDA VALDEOLIVAS GARCIA, esposa o mesmo entendimento.
7) Considerações Finais.
O ato anti-sindical deve encontrar pronta resposta, não podendo a parte infratora gozar de qualquer benesse, inclusive aquela gerada pela demora no processo.
ALICE MONTEIRO DE BARROS, citando doutrina e jurisprudência de outros países, sugere a contratação compulsória do candidato, vítima da conduta discriminatória contrária à liberdade sindical, punição que deveria constar de todos os acordos e convenções coletivas. Sustenta ainda a ilustre e culta professora, magistrada e jurista de Minas Gerais, a presunção do dano moral sempre que comprovada a lesão à liberdade sindical, com o que concordamos, conforme o exposto no item 5.
Concluindo, pensamos que, em tão relevante tema, todos os mecanismos devem ser utilizados, pois os atos discriminatórios de retaliação e de ingerência na organização e participação dos trabalhadores afrontam o cânone da liberdade sindical, que orienta o Direito do Trabalho.