O povo brasileiro tem sido surpreendido, a cada 24 horas, com novas denúncias de corrupção, vindas de diversas "fontes", desde cerca de 100 dias atrás, quando a primeira denúncia (a filmagem do funcionário dos Correios recebendo propina e dizendo ser a cobrança feita por obra e graça do Dep. Roberto Jefferson) veio a conhecimento do público pelos órgãos da imprensa.
A mais recente, vinda do dono da empresa que explora comercialmente o restaurante que funciona no prédio da Câmara dos Deputados, veiculada na quinta-feira, dia 8, pela televisão, e pela imprensa escrita, no dia 9, afirma que o Presidente da Câmara, ainda quando era o Secretário-Geral, lhe cobrara propina para manter a licença de exploração do restaurante no prédio. Como justificativa, o denunciante afirma que "não tinha escolha: ou pagava ou não trabalhava".
Pretendo chamar a atenção para duas circunstâncias gravíssimas pelas quais estamos passando, em meio a esse mar de denúncias.
A primeira é a de que os denunciantes vêm a público sem uma prova sequer do que afirmam. E, antes de continuar, entendo importante esclarecer que não pretendo me passar por defensor de quem, de fato, praticou atos de corrupção. Mas, da acusação sem provas à caracterização da culpa, há um caminho a ser percorrido. Ontem, já havia jornalistas na televisão dizendo que, depois do que disse o mais novo denunciante, Severino já estava condenado... sem uma prova sequer!
Caso se entenda o contrário, basta que amanhã alguma pessoa mal intencionada em relação a qualquer indivíduo (não necessariamente um político... de qualquer profissão!) resolva ir à imprensa e denunciar fatos que nunca aconteceram para que alguém seja considerado culpado, perca o emprego, ou os clientes... Isso pode acontecer a qualquer um!
A onda de denuncismo é perigosa, e pode atingir pessoas que nunca fizeram por onde serem chamadas de criminosas. Basta que "um bom artista" apareça perante a mídia e faça o seu show bem feito. Deve-se, sim, promover a mais profunda e eficaz investigação, e descobrir as provas que incriminem os que insistem em sujar de lama a política e de resto todas as relações que envolvem o Poder Público e os particulares, punindo-os de forma exemplar. Mas precisamos - inclusive os órgãos de imprensa - cuidar de não condenar os "denunciados" antes que as provas o façam.
A segunda grave circunstância é o tratamento dispensado aos denunciantes pela imprensa, e pela opinião pública, em certos casos. Veja-se o exemplo do dono da licença do restaurante e a propina paga, supostamente, ao Dep. Severino e a "justificativa" por ele apresentada: ele confessa que corrompeu (pagou propina) para obter proveito próprio! E fez isso "para poder trabalhar"! Então para poder trabalhar, é preciso pagar propina? Evidentemente que não. E quem paga propina é tão criminoso quanto quem recebe.
No caso, o restaurante é um espaço público (não é do denunciante do momento), dentro da Câmara dos Deputados, e quem o explora (uma empresa, da qual o denunciante de hoje é dono) deve concorrer com outras, num processo denominado licitação, para que vença a que fizer melhor oferta (ao Poder Público, num contrato), e não a que oferecer a maior propina (ao Deputado, "por fora"). Se o dono da empresa que explorava o restaurante quisesse "trabalhar" honestamente, deveria ter participado regularmente da licitação, e não "molhar a mão" de quem quer que seja.
Nunca é demais lembrar que a corrupção, tanto quanto o tráfico de drogas, só existe porque há quem pague pelo "produto". Não haveria corruptos, se não houvesse corruptores. Não haveria tráfico, se não existisse o viciado. A corrupção também vicia, e quem paga pelo vício somos todos nós. O que me faz lembrar que políticos que apareceram como corruptores (pelo fato de abrirem a boca) andam por aí dando entrevistas em programas de televisão (com direito a aplausos efusivos da platéia) e autógrafos em shopping centers...
Ao sofrido povo brasileiro cumpre abrir os olhos e analisar, com bastante cautela e crítica, as aparições desses "denunciantes" e lembrar que muitos dos que estão aí, e precisam ser extirpados do Poder, fomos nós mesmos que elegemos. O voto é a principal arma contra a corrupção e a falta de ética na política. Mas também pode ser uma arma contra nós, se não soubermos usar com inteligência e cuidado.