Inúmeros têm sido os recursos interpostos pelo INSS, em decorrência de acordos judiciais realizados na Justiça do Trabalho. Via de regra, pretende o órgão previdenciário o reconhecimento de nulidade das decisões homologatórias por entender que, no termo de conciliação, devem estar discriminadas todas as parcelas salariais postuladas na inicial.
Assim, no entender do referido órgão, uma vez postuladas parcelas de natureza salarial, as partes teriam de inclui-las no acordo firmado mesmo antes de uma decisão judicial. Seria esta a melhor interpretação dos dispositivos legais que regulam o recolhimento previdenciário decorrente de sentença e acordos judiciais?
Para melhor responder a esta indagação, faz-se mister, um exame dos dispositivos legais aplicáveis à matéria.
Inicialmente é importante ressaltar que o recolhimento de contribuição previdenciária sobre crédito decorrente de decisão judicial foi estabelecido pelo art. 43, da Lei nº 8.212/91 que assim dispõe:
"...Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
Por sua vez, a competência da Justiça do Trabalho, para executar este crédito da Previdência, foi fixada pela Emenda Constitucional nº 20 que inseriu no art. 114 da Constituição Federal o `PAR` 3º, cuja redação é a mesma que hoje consta do inciso VIII, após a Emenda Constitucional nº 45/05, in verbis:
ART. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Já o art. 195, I a e II da Constituição Federal dispõe que:
Art 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta a indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - de empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidente sobre:
a) a folhas de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social de que trata o art. 201.
Tais transcrições de textos legais são importantes porque, tendo a contribuição previdenciária natureza tributária, a fixação do fato gerador é fundamental para se verificar a base de incidência.
Constata-se que tanto o art. 195, I, a, da CF, quanto o art. 43 da Lei nº 8.212/91, se referem a valores pagos ou creditados.
Apenas o art. 28 da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe foi atribuída pela lei nº 9.528/97, faz referência a valores devidos como caracterizadores de salário de contribuição. Diz o dispositivo legal:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuiçã
I - para o empregado e trabalhador
avuls a remuneração auferida em uma ou mais empresas,
assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos,
devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês,
destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a
sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais
sob a forma de utilidades e os adiantamentos
decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços
efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do
empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou
do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo
de trabalho ou sentença normativa;".
Em se tratando de tributo, a existência do crédito
está condicionada à ocorrência do fato gerador.
Qual seria então o fato gerador da contribuição previdenciária decorrente de decisões e acordos judiciais? A resposta se encontra no art. 43 da Lei nº 8.212/91, ou seja, a existência de sentença transitada em julgado ou de acordo homologado em Juízo do qual decorra, para o autor, pagamento de direitos que constituam salário de contribuição.
A conseqüência prática desta conclusão consiste no fato de que a petição inicial na qual postula o reclamante parcelas salariais, não gera qualquer crédito para o órgão previdenciário, uma vez que ainda não existe nenhum título executivo judicial que crie direito de natureza salarial para o demandante, em outras palavras a petição inicial não constitui fato gerador do tributo.
Por outro lado, exige a lei nº 8.212/91, em seu art. 43, parágrafo único, que as partes discriminem as parcelas objeto da conciliação, sob pena de a contribuição previdenciária incidir sobre a totalidade do valor acordado.
Assim, data venia, são descabidos os recursos que buscam anular acordos homologados, quando estes atendem ao disposto no art. 43, parágrafo único da lei nº 8.212/91, porque, como salientado, a inicial não cria qualquer direito para a previdência social.
Situação distinta é aquela em que as partes não discriminam as parcelas ou superestimam valores de parcelas indenizatórias, apenas para não recolherem a contribuição previdenciária. Neste caso não se trata de anular a sentença homologatória do acordo porque este produzirá, sim, os efeitos em relação às partes acordantes. No entanto, como bem esclarece o parágrafo único do art. 831, da CLT, o acordo homologado não produz para a previdência social o efeito da coisa julgada. Logo, deve o juiz, de ofício, declarar a incorreção e determinar o recolhimento da contribuição sobre o total conciliado e, não o fazendo, legítima é a irresignação do órgão previdenciário, que, aí sim, deverá interpor o recurso cabível de sorte a ver assegurado o seu direito.
Tal entendimento tem sido relativamente pacífico na jurisprudência. A controvérsia maior ocorre quando o acordo é firmado após o trânsito em julgado da decisão judicial.
Como já anteriormente registrado, o termo de conciliação judicial vale como decisão irrecorrível para as partes. No entanto, não produz igual efeito para a previdência social.
Surge, então, a polêmica: Se a decisão judicial transitada em julgado deferiu ao autor parcelas salariais e indenizatórias, e na petição de acordo as partes discriminam apenas parcelas indenizatórias, ou não incluíram, em sua totalidade, as parcelas salariais deferidas, sobre quais parcelas deverá incidir a contribuição previdenciária, as deferidas na sentença ou as constantes do acordo?
A jurisprudência não é pacífica no particular. Isto porque, como já ressaltado anteriormente, o art. 28 da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe foi atribuída pela lei nº 9.528/97, fez incluir como salário de contribuição as parcelas devidas. Assim, uma considerável gama de julgadores entende que se a parcela foi reconhecida como devida em decisão transitada em julgado, ainda que não venha a ser paga ao autor da ação, porque este, no exercício de uma faculdade, dela abriu mão ao conciliar, não retira da previdência social o direito de receber o valor da contribuição social sobre ela incidente.
Entretanto, julgadores existem, e nestes me incluo juntamente com os componentes da Turma julgadora na qual estou a atuar, que entendem não haver para a previdência direito ao recolhimento sobre as parcelas deferidas na sentença, devendo este incidir sobre as parcelas salariais discriminadas no acordo. Tal entendimento decorre da interpretação sistemática da norma, e se fundamenta em duas premissas a saber: 1ª) O art. 28, I, da Lei nº 8.212/91 amplia o que se encontra expressamente limitado pelo art. 195, I, a, da Constituição Federal; 2ª) Em se tratando de crédito decorrente de demanda judicial, o dispositivo legal que criou o direito, art 43 da lei nº 8.212/91, é o mesmo que limita a base de incidência ao estabelecer que a contribuição é devida nas ações de que resultar pagamento de direitos sujeitos à contribuição previdenciária. Assim, o fato do crédito ser devido ainda não gera para a previdência qualquer direito. Este só existe se houver pagamento.
De tudo quanto exposto conclui-se que:
1º) A petição inicial não constitui fato gerador do crédito à contribuição previdenciária fixado no art. 43 da Lei nº 8.212/91;
2º) As partes podem incluir no acordo apenas algumas das parcelas postuladas, devendo discriminá-las de forma objetiva e indicando os efetivos valores;
3º) O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento de parcela fixada na decisão ou acordo que constitua salário de contribuição;
4º) A contribuição previdenciária incidirá apenas sobre as parcelas salariais discriminadas no acordo e pagas em decorrência deste.