O grandioso congresso da AMB, entre
anúncio de sorteios de vários prêmios - incluindo um
carro zero -, divulgou o resultado de pesquisa que
colheu impressões de cerca de 25% dos magistrados
brasileiros, a mesma que foi objeto de duras críticas
das associações de juízes trabalhistas do Rio de
Janeiro e do Rio Grande do Sul, logo quando de seu
lançamento, em junho desse ano.
A suposta opinião da magistratura brasileira aponta
caminhos perigosos. Em um momento de evidente crise de
paradigma, em que se trava luta por vezes inglória
contra a supremacia das leis de mercado sobre os
direitos constitucionais fundamentais, a AMB divulga
pesquisa apontando que as leis trabalhistas constituem
entrave ao "crescimento do emprego formal". A
pergunta, tal como formulada, já orienta a resposta,
evidenciando um trabalho ideologicamente comprometido
com o resultado perseguido e, enfim, obtido.
Divulga-se, pois, que devem ser criados "critérios
mais flexíveis para a demissão de funcionários
públicos". A quem servem tais proposições? Qual o
sentido de perguntas assim formuladas?
A incoerência do método adotado na pesquisa bem se
revela no fato de que mais de 70% dos juízes
consultados são contrários à retirada dos direitos
trabalhistas do texto constitucional. Paradoxalmente,
64% desses mesmos juízes entendem que a legislação
trabalhista é um entrave ao desenvolvimento do país.
Como é possível a ocorrência de respostas tão
contraditórias?
A pesquisa sugere, de modo
unilateral e dissociado do movimento massivo de
consolidação das garantias constitucionais, a
possibilidade de inadmissível flexibilização das
normas trabalhistas, na contramão da história do
direito do trabalho.
No recente Congresso Ibero-americano de Direito
Constitucional, realizado na mesma Curitiba, dias
antes, profissionais das mais diferentes áreas
reafirmaram a necessidade de garantir e tornar
eficazes as normas constitucionais, notadamente
aquelas que asseguram direitos sociais básicos. É
chocante, a partir disso, o fato de que justamente uma
associação de Juízes suscite dúvidas a propósito da
necessidade evidente de que os direitos trabalhistas
permaneçam consagrados em nosso pacto social.
Como salientou o Prof. Canotilho, durante a palestra
de abertura do evento da AMB, o Juiz é instrumento
essencial da democracia, compreendida como sistema de
garantia da efetividade dos direitos fundamentais,
dentre os quais merecem destaque aqueles que - como os
direitos trabalhistas - asseguram o chamado mínimo
existencial.
Em lugar de defender o papel político da
magistratura, como instrumento da democracia, a
pesquisa lança dúvidas quanto à indispensável
intervenção estatal nas relações de trabalho. E o faz
justamente em um momento histórico em que o direito
civil caminha - a passos largos - para a sua
constitucionalização. O faz em um evento em que Joaquim
Herrera Flores e J.J. Gomes Canotilho são chamados a
falar da importância da Constituição Federal como
garantia de um Estado Democrático de Direito.
Desconsiderando essa premissa, a AMB divulga
resultado de pesquisa que só tende a servir de
instrumento para fragilizar ainda mais os direitos
trabalhistas fundamentais. Não obstante o fato de que
apenas 25% dos juízes responderam aos questionamentos,
ainda que concorrendo a sorteio de pacotes de viagens,
não houve cortes na pesquisa que pudessem indicar o
pensamento dos juízes de acordo com as suas áreas de
atuação. As conseqüências da pesquisa divulgada não
podem ser mensuradas, sobretudo no contexto de
reformas em que estamos submersos. O fato é que a
pesquisa presta-se ao papel de instigadora de mais um
ataque contra os direitos trabalhistas. Afinal, se
parte dos juízes brasileiros (incluídos 213
trabalhistas, num universo de 3.500) acredita que a
legislação trabalhista é causa para o aumento do
trabalho informal, quem pode ser contra?
Ora, não é razoável que a magistratura brasileira se
divida, num momento em que a sua união é fundamental.
Não é admissível que questionamentos acerca de
elementos essenciais ao direito do trabalho, em nome
de um pretenso exercício de democracia, sejam lançados
de modo temerário, através de pesquisa fundada em
questionamentos capciosos, onde a simplificação é arma
para gerar dúvidas quando se deveriam reafirmar
certezas.
Se o desenvolvimento é uma questão de justiça - como
sugere o título do encontro da AMB - é preciso lembrar
que somente se pode falar em desenvolvimento justo
quando compreendemos o homem como destinatário e razão
de ser do sistema jurídico. Não o homem individualmente
considerado, mas o ser humano em sua relação com seus
pares. Isso implica compromisso social com o qual o
direito do trabalho está intimamente ligado. Um
pretenso desenvolvimento fundado na precarização dos
direitos trabalhistas serve apenas ao Mercado, cujas
regras de regulação, hoje em dia, são tão ou mais
valorizadas do que as regras afetas à relação de
trabalho. E de nada adianta florear a realidade com
prêmios valiosos. De nada adianta convidar palestrantes
do calibre de Canotilho, se na contramão do que o
ilustre professor português sustentou da tribuna, a
magistratura, através das ações de suas associações,
negam a mensagem do próprio discurso. Constituição
Federal não é carta de intenções. Direito do trabalho
não é resíduo descartado pelo mercado. Juízes não
querem, ou pelo menos não deveriam querer, brindes,
pacotes turísticos, carro zero ou geladeira nova.
Querem respeito aos direitos fundamentais do trabalho
e à Constituição Federal que os abriga.
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(*) Juíza do trabalho da Quarta Região