A dificuldade em conceituar com
exatidão os direitos fundamentais prende-se à
necessidade de identificar seus elementos definidores e
de reconhecer as propriedades a eles inerentes.
Ponto não só comum mas também unânime da
conceituação é a vinculação dos direitos fundamentais
à plena realização da dignidade humana. Isso equivale a
dizer que ?sem eles, ou na eventualidade de sua
supressão, é lícito supor que "a pessoa humana não se
realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo
sobrevive". (SILVA, 2003, p.88)
A dificuldade de conceituação dos direitos
fundamentais cedo se apresenta quando se tenta definir
o elemento caracterizador da fundamentalidade do
direito. Por que alguns direitos são fundamentais e
outros não? Qual é o elemento essencial que define a
especialidade desse direito como fundamental?
Reconhecem-se duas posições na doutrina, na tentativa
de responder a esta indagação.
Para a primeira corrente, a fundamentalidade do
direito está ligada à sua universalidade. Neste
sentido, Ferrajoli sustenta que os direitos são, ou
não, fundamentais conforme sejam assegurados por meio
da positivação jurídica a todos os indivíduos de um
determinado Estado na sua condição de pessoas.
Em sua definição, são direitos fundamentais:
[...] todos aqueles direitos
subjetivos que correspondem universalmente a todos os
seres humanos enquanto dotados do status de pessoas,
de cidadãos ou de pessoas com capacidade de obrar,
entendendo-se por direito subjetivo qualquer
expectativa positiva (de prestações) ou negativa (de
não sofrer lesões) atribuída a um sujeito por uma
norma jurídica e por status a condição de um sujeito,
prevista igualmente por uma norma jurídica positiva,
como pressuposto de sua idoneidade para ser titular de
situações jurídicas e/ou autor dos atos que
representam seu exercício. (FERRAJOLI In MARTINS NETO,
2003, p.92-93)
Para a segunda corrente, desponta como elemento
caracterizador da fundamentalidade do direito a
intangibilidade, remetendo-se a uma correspondência
entre os direitos fundamentais e as cláusulas pétreas
(art. 60, `PAR` 4º, da CR/88).
Nesse sentido, somente são direitos subjetivos
fundamentais aqueles tidos como intocáveis e
insuscetíveis de abolição legislativa.
Considerando a ordem jurídica nacional, verdadeiros direitos subjetivos fundamentais serão somente aqueles que porventura estiverem ao abrigo da cláusula de proteção prevista no art. 60, `PAR` 4º, da Constituição do Brasil. [...] Isso porque, em resumo, fundamental é a posição jurídica subjetiva da qual se entende que não é possível a alguém prescindir, e o modo pelo qual se faz a declaração dessa condição no Estado Constitucional de Direito consiste em estabilizar, para o futuro, as respectivas normas constitucionais atributivas, eternizando-as ao menos durante o tempo de vigência da mesma Constituição. (MARTINS NETO, 2003, p.93)
Quanto às cláusulas pétreas, é
interessante notar, como acentuam Viana, Godinho,
Coutinho e Melhado (http://www.anamatra.o
rg.br), que há normas que mesclam preceitos
protetivos e preceitos restritivos. Nessa hipótese,
apenas são pétreos os preceitos protetivos, como no
caso do dispositivo legal insculpido no art. 7º, inciso
VI, da CR/88, que proíbe a redução de salários, salvo
convenção ou acordo coletivo. No caso em tela, há
possibilidade de criação de emenda constitucional que
proíba a redução salarial, mas não de emenda que
autorize a redução em nível individual.
Esses mesmos juristas alertam para o fato de que é
preciso ficar atento ao que existe de pétreo em cada
norma, pois, muitas vezes, a norma possui uma parte
imutável e outra mutável. Nesse sentido, é inválida
qualquer emenda que reduza os direitos arrolados no
art. 7º da Constituição a normas disponíveis,
negociáveis mediante a autonomia da vontade.
Independentemente da característica alçada como
definidora da fundamentalidade do direito, a conclusão
final é que tanto o reconhecimento da universalidade
quanto o da intangilibilidade denotam, em verdade,
aspectos da inquestionável relevância dos direitos
humanos no cenário jurídico-mundial, dando, por
intermédio desses elementos, razões ainda mais fortes
para que estes direitos especiais sejam concretizados
em toda a sua plenitude.
Os direitos humanos, fundamentais que são, podem ser
vistos sob o aspecto formal e sob o aspecto material.
Denomina-se "fundamentalidade formal" a positivação
dos direitos fundamentais na Carta Constitucional de
determinado Estado. O caráter fundamental dos direitos
é conferido pela Constituição, que, expressamente,
atribui-lhes o status de direito essencial e encobre-os
de garantias que lhes assegurem a intangibilidade em
períodos de enfraquecimento da democracia e
conseqüente fragilização das garantias individuais.
A positivação dos direitos essenciais no ordenamento
jurídico implica obrigações de ordens positiva e
negativa.
Tem-se como obrigação positiva a aplicabilidade
imediata conferida ao interesse jurídico tutelado, que
impõe obrigação de fazer de tornar concreta a
efetivação do direito. Na Constituição brasileira de
1988, está insculpida no art. 5º, `PAR` 1º, que dispõe que
as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.
Já a obrigação negativa exige do Estado um dever de
não fazer, omissivo, como, v.g., o de tanto o
legislador ordinário quanto o poder constituinte
reformador não legislarem contrariamente às normas
postas na Constituição.
É o que se infere do texto do `PAR` 4º, inciso IV, do
art. 60 da CR/88, no qual fica o Estado impedido de
deliberar proposta de emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais (cláusula
pétrea).
Neste sentido a doutrina de Alexandre de Moraes
(2003, p.39):
Rígidas são as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 ? art. 60); por sua vez, as constituições flexíveis, em regra não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário. [...] Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, `PAR` 4º - cláusulas pétreas).
Ressalta-se que o mandamento
constitucional não reprime a ampliação do rol dos
direitos fundamentais ou a extensão de seus efeitos.
Pelo contrário, a elevação das garantias essenciais é
o objetivo permanentemente almejado para a
implementação de uma sociedade livre, justa e
solidária (art. 3º, I, da CR/88). O que se reprime é
tão-somente a proposta tendente a abolir os direitos e
garantias individuais, o que significa que qualquer
proposta ampliativa do rol destes interesses será
sempre objeto de feliz recepção constitucional.
Em outro compasso, a fundamentalidade material
dispensa o requisito da constitucionalização do
direito para atribuir-lhe o caráter de direito
essencial, admitindo que existem outras normas, não
constitucionais, que igualmente prevêem direitos
fundamentais. É o que se retira do mandamento do art.
5º, `PAR` 2º, da CR/88, que afirma que os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ele
adotados ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
O disposto no `PAR` 3º do art. 5º da Constituição de
1988, igualmente, reforça a teoria da
"fundamentalidade material", uma vez que são
reconhecidos direitos humanos fundamentais declarados
em tratados e convenções internacionais e, portanto,
fora do rol apresentado ao longo de todo o corpo
constitucional.
Como alerta Marinoni (2004, p.167), a Constituição
instituiu, em seu art. 5º, `PAR` 2º, um "sistema
constitucional aberto à fundamentalidade material",
isto porque o rol dos direitos fundamentais não se
restringe aos elencados no Título II (Dos direitos e
garantias fundamentais), espalhando-se ao longo de
vários dispositivos de diversos títulos da Carta Maior
ou, mesmo, fora dela.
O que define a fundamentalidade do direito é o seu
conteúdo, e não o instrumento jurídico que o declara.
Assim, conclui Marinoni (SARLET in MARINONI, 2004,
p.167) que, para a caracterização de um direito
fundamental a partir de sua fundamentabilidade
material:
[...] é imprescindível a análise de seu conteúdo, isto é, da "circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nesses ocupada pela pessoa humana".
A nosso ver, como nem sempre o aspecto formal abrange o material, é este último que deve prevalecer, pois amplia o rol dos direitos fundamentais, incluindo aqueles direitos previstos em normas infraconstitucionais ou, mesmo, sob a forma de princípios norteadores do Direito. (VIANA et al, http://www.anamatra.o rg.br)
_____________________________________ (*) Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG e analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (MG).