1. Introdução
A questão que se afigura trata da possibilidade dos AFT arrecadarem o FGTS e Contribuição Social, em prol dos empregados públicos contratados sem concurso público, onde, em inspeção física constata-se a relação de emprego, a despeito da forma irregular de ingresso dos mesmos, e, de não haver formalização de vínculo empregatício.
2.Cargo, Emprego e Função Pública na
Administração.
Nos termos da Constituição Federal de 1988, artigo 37 e incisos, o ingresso no serviço público se dá através de concurso público, ressalvados os casos expressos no próprio texto constitucional.
Ressalte-se que presta-se concurso para exercer cargo ou emprego públicos. O primeiro é encontrado na administração direta, autárquica e fundacional de direito público, sob o manto da Lei 8.112/90, e o último principalmente nas sociedades de economia mista e empresas públicas - empresas estatais, além de ser possível, diante da EC 19, onde o vínculo era exclusivamente estatutário.
Notadamente percebe-se não haver
cargo público nas entidades com personalidade jurídica
de direito privado da administração indireta. De igual
forma, também pode-se concluir não haver, naquelas
empresas estatais, a figura do cargo em comissão,
espécie do gênero cargo público, e/ou função de
confiança.
A denominação cargo em comissão indica que a CF/88
concebeu ao Executivo a possibilidade de valer-se (na
administração direta, autárquica e fundacional de
direito público, abrangida pela Lei 8.112/90), além
dos servidores ocupantes de cargo efetivo, daqueles
livremente nomeados para cargos em comissão de
direção, chefia e assessoramento. Desta feita a
expressão "cargo público", seja efetivo ou em
comissão, não se coaduna com o regime de pessoal das
empresas públicas e sociedades de economia mistas. Mais
ainda é o caso das funções de confiança, vez que as
mesmas somente podem ser exercidas por servidores já
ocupantes de cargo efetivo.
Neste sentido também é o entendimento de Celso Bandeira de Mello, senão vejamos:
"Este tópico propõe a questão relativa à natureza jurídica dos vínculos que intercedem entre as empresas estatais e seus agentes. Estes, quando dirigentes da pessoa, investidos em decorrência de providências governamentais exercidas em nome da supervisão ministerial, na forma do artigo 26, parágrafo único, "a", do Decreto lei 200, exercem mandatos, representantes que são do sujeito controlador da pessoa.
(...)
Todos os demais são empregados, submetidos às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (...)" In: Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, editora Malheiros, pág. 205.
3. A Atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho na Arrecadação do FGTS dos Empregados Públicos Contratados Irregularmente.
Conforme já exposto, salvo disposição constitucional, concurso público é a única via de acesso ao serviço público.
Não obstante, muitas empresas estatais, sobretudo algumas companhias de energia e de água nos Estados, admitirem empregados públicos mediante portarias administrativas sob a alegativa de que os mesmos seriam meros assessores, ou ocupantes de cargos e funções de confiança.
Ora, conforme já debatido não há que se falar em cargo (seja efetivo ou em comissão) nas empresas estatais, pior ainda em função de confiança.
O modus operandi acima descrito afronta o ordenamento jurídico e, por isso, deve ser repelido.
Diante deste quadro questiona-se sobre a possibilidade do Auditor-Fiscal do Trabalho - AFT arrecadar o fundo de garantia daqueles trabalhadores que, por não ingressarem regularmente na administração e serem nomeados via portaria administrativa, supostamente não seriam considerados empregados públicos e, por conseguinte não teriam direito ao depósito fundiário.
Primeiramente, cumpre abordamos a competência arrecadatória dos Auditores-Fiscais do trabalho.
Além de outras atribuições institucionais previstas no Regulamento de Inspeção do Trabalho (Decreto nº 4.552 de 27/12/2002), tais como: Inspeção das condições de saúde e segurança no trabalho, combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo; os Auditores-Fiscais do Trabalho possuem competência legal para a arrecadação do FGTS ex vi das leis 8.036/90, art.23 e 8.844/94, art. 1º.
Outrossim, com a promulgação da LC 110/01 foi atribuída aos AFT`s a competência para arrecadar as contribuições sociais mensal e rescisória para a União, vez que trata-se neste caso, notadamente, de tributo.
Concluindo, temos a arrecadação da contribuição sindical, também de natureza tributária, prevista no art.606, parágrafo primeiro da CLT. Esta, por força do princípio da liberdade sindical adotado na atual constituição, não pode mais ser arrecadada sem que haja necessariamente o enquadramento sindical, o que não mais é possível.
Em 2001 o Ministério do Trabalho e Emprego - MTE expediu a instrução normativa nº 25 que tem por objetivo baixar instruções para auditoria do FGTS e contribuições sociais já mencionadas.
Tal instrução trata do levantamento do débito, procedimento que guarda semelhança com o lançamento fiscal, instituindo a Notificação Fiscal para Recolhimento da Contribuição para o FGTS e Contribuição Social - NFGC, assim como a Notificação Fiscal para Recolhimento Rescisório do FGTS e das Contribuições Sociais - NRFC.
As NFGC e NRFC são os principais instrumentos utilizados pelos Auditores do Trabalho para o cumprimento de sua competência arrecadatória.
Sem perder de vista o presente tema, não resta dúvida que caberia lavratura de NFGC e, conforme o caso, de NRFC daqueles regularmente considerados empregados públicos que não tivessem sendo contemplados com os depósitos fundiários.
De igual forma podemos concluir para aqueles irregularmente contratados nas empresas estatais.
O fundamento de validade desta atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho está no Princípio da Primazia da Realidade, pois em inspeção física no local de trabalho constata-se a relação de emprego público daqueles trabalhadores, a despeito dos mesmos não terem se submetido a concurso público. No Direito do Trabalho a verdade real prevalece em detrimento da verdade formal.
Outro não é o entendimento do professor Godinho Delgado:
"(...) o interprete e aplicador do Direito deve investigar a aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação." In: Curso de Direito do Trabalho, 4ª edição, LTr, pág. 209.
Corroborando ainda neste sentido, o art. 8º da CLT prescreve que na falta de disposições legais e contratuais as autoridades administrativas do trabalho observarão primeiramente a jurisprudência, e o excelso TST, em entendimento sumulado, concebe que terão direito ao FGTS os empregados públicos irregularmente contratados.
"SÚMULA 363 do TST:
Contrato nulo. Efeitos
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art.37, II e parágrafo 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS."
Desta feita conclui-se que cabe aos
Auditores-Fiscais do Trabalho a arrecadação do FGTS em
benefício daqueles empregados públicos.
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(*) Auditor-Fiscal do Trabalho, pós-graduado em
Direito Público e com especialização em Direito
do Trabalho e Previdenciário e Saúde do Trabalhador,
professor de Direito Processual do Trabalho, Direito
Empresarial e Legislação Trabalhista.