O termo “sustentabilidade” pode ser definido como o equilíbrio entre desenvolvimento, proteção ambiental e melhoria da qualidade de vida das pessoas, de modo que as necessidades presentes sejam atendidas sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades. Em outras palavras, sustentabilidade é a busca da garantia do bem-estar da humanidade e do planeta agora e no futuro.
Embora recorrente, a associação de desenvolvimento à sustentabilidade, consolidada na expressão “desenvolvimento sustentável”, tem sido alvo de críticas em razão de sua ambiguidade e abrangência. Veiculada em sentidos diversos, em muitos casos contraditórios, a expressão foi rechaçada por autores como Alain Supiot e Gómez-Baggethun, que a consideram um oxímoro.
Sobre o tema, Supiot adverte que prosseguimos na ladeira escorregadia de conduzir as sociedades com base em indicadores econômicos, cada vez mais desconectados da realidade vivenciada pelas pessoas. O autor aponta para a conscientização sobre a insustentabilidade desse modelo, calcado no mito de crescimento indefinido.
A premissa é compartilhada por Gómez-Baggethun, para quem os conceitos de desenvolvimento sustentável e de economia verde devem transcender as noções de crescimento do produto interno bruto (PIB) e de desenvolvimento unidirecional para se transformar em noções que orientem de forma válida a transição para uma sociedade ecologicamente viável e socialmente justa. O alerta é pertinente e evidencia que a expressão “desenvolvimento sustentável” assume diferentes significados a depender do modelo de desenvolvimento adotado como paradigma.
A imprecisão terminológica foi reconhecida no relatório Caring for the Earth - a strategy for sustainable living, que a atribuiu ao uso intercambiável dos termos “desenvolvimento sustentável", "crescimento sustentável" e "uso sustentável”, de significados diversos. Segundo o relatório, "crescimento sustentável" é uma contradição em termos: nada físico pode crescer indefinidamente. "uso sustentável" é aplicável apenas a recursos renováveis: significa usá-los em quantidades compatíveis com sua capacidade de renovação. Por sua vez, a expressão "desenvolvimento sustentável" adotada no relatório corresponde à melhoria da qualidade da vida humana dentro da capacidade de suporte dos ecossistemas.
Para além do dissenso em relação ao termo “desenvolvimento sustentável”, qualquer projeto de transformação social comprometido com a preservação da natureza e o desenvolvimento humano deve abranger o direito ao trabalho digno para todas as pessoas, imbuído de conteúdo e sentido, com remuneração justa e proteção social, em ambiente seguro e saudável. É também fundamental a promoção do diálogo social efetivo, que inclua representantes de trabalhadores(as), empregadores(as) e governo na definição e consecução dos passos necessários à transição ecológica.
Ao contrário do que alardeia o discurso avesso à ecologização da economia, a adoção de práticas sustentáveis poderia gerar de 15 a 60 milhões de empregos no mundo nas próximas duas décadas e tirar dezenas de milhões de trabalhadores(as) da pobreza, segundo aponta o relatório Working towards sustainable development, publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
De fato, a sustentabilidade tem implicações significativas para os empregos, pois muitos setores estão mudando para assegurar ganhos de eficiência e preservar o meio ambiente. Isso pode resultar em novos empregos em áreas como energia renovável, eficiência energética, tecnologia verde, entre outras. A implementação de práticas sustentáveis nas empresas também pode representar a melhoria da qualidade de vida de trabalhadores(as).
De uma forma ainda mais específica para a moderna noção das atividades empresariais, desponta como campo de atenção para a teoria da administração e das relações corporativas a adoção de práticas “ESG”. Práticas ESG (ambientais, sociais e de governança), por sua vez, são uma parte importante do que se entende por sustentabilidade empresarial. As práticas ESG consubstanciam-se em medidas adotadas pelas empresas para avaliar e gerenciar os impactos ambientais, sociais e de governança de suas atividades de negócios. Isso inclui questões como emissões de carbono, direitos humanos, diversidade e inclusão, transparência e responsabilidade corporativa. Todos temas que possuem implicações concretas para as relações de trabalho.
Perceba-se que, na concepção moderna de atividades empresariais, a integração de práticas ESG na estratégia de negócios torna-se fundamental para a sustentabilidade, pois permite que as empresas identifiquem e gerenciem seus impactos e contribuam positivamente para a ecologização da economia. Além disso, as práticas ESG também têm despontado como importantes para investidores(as), pois ajudam a avaliar o risco e o potencial de desempenho das empresas com respaldo em informações verídicas, ao contrário do que ocorre na prática de greenwashing.
Com efeito, as práticas ESG parecem ser a ponte de conexão para que os movimentos produtivos econômicos se insiram em uma verdadeira ecologia com dimensões sociais e dentro de um equilíbrio de trocas positivas com a sociedade, em detrimento de uma concepção de maximização de lucros mediante a externalização oportunística de custos sociais não equacionáveis.
Nesse ponto, podemos aprofundar a reflexão sobre uma dessas dimensões da sustentabilidade que nos interessa mais particularmente – a dimensão social dessa sustentabilidade e, mais precisamente, as questões trabalhistas dessa dimensão social.
A dimensão trabalhista da sustentabilidade assim se refere ao impacto das atividades econômicas nas condições de trabalho e no próprio projeto de vida dos(as) trabalhadores(as). Ela abrange questões como compliance trabalhista em face dos direitos reconhecidos no ordenamento jurídico, saúde e segurança no trabalho, prevenção de todas as formas de assédio e discriminação, igualdade de gênero, diversidade e inclusão, entre outras.
Entendemos que pensar a dimensão trabalhista da sustentabilidade envolve reconhecer os(as) trabalhadores(as) como protagonistas da construção de um ambiente regulatório e de políticas públicas que, em última análise, redundam em condições mínimas de organização normativa e social necessárias ao trabalho decente, enquanto categoria preceituada nos compromissos internacionais da nação brasileira.
É preciso relembrar sempre que condições de trabalho desfavoráveis podem afetar negativamente a saúde de trabalhadores(as), bem como sua capacidade de contribuir para o bem-estar comum. Trabalhadores(as) sujeitos(as) a condições inseguras devem ser objeto de preocupação e atenção de toda a sociedade primordialmente em razão do reconhecimento de sua dignidade humana. Além de gerar danos imensuráveis à saúde e à vida, o descaso com medidas de proteção sobrecarrega o sistema de seguridade social, como evidencia levantamento realizado pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.
É também oportuno recordar a premissa histórica de que a justiça social se consubstancia em pressuposto necessário para a paz e a harmonia nacional e internacional. A garantia de trabalho decente a todas as pessoas, com a preservação de direitos no meio ambiente de trabalho, torna-se crucial para qualquer sociedade que se pretenda sustentável.
Converge a esse entendimento a definição de “segurança e saúde no trabalho” como quinta categoria de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, em decisão tomada na 110ª Conferência Internacional do Trabalho, no ano passado. A partir de então, a Convenção nº 155, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores, e a Convenção nº 187, sobre o Quadro Promocional para a Segurança e Saúde Ocupacional, passaram a ser consideradas convenções internacionais fundamentais e, portanto, de aplicação obrigatória aos Estados-membros, independentemente de ratificação.
Então surge a pergunta que se torna um ponto central da reflexão deste texto – como se projeta a categoria do trabalho decente dentro do prisma da sustentabilidade e de uma sociedade preocupada com o meio ambiente – ou mesmo um Estado de Direito do Ambiente. Entendemos que um caminho para essa resposta perpassa o conceito de “trabalhos verdes”, compreendidos pela OIT como empregos que protegem os ecossistemas e a biodiversidade; reduzem o consumo de energia, materiais e água através de estratégias de elevada eficiência; descarbonizam a economia; e minimizam ou evitam todas as formas de poluição ou produção de resíduos. Com efeito, uma política pública ambiental que promova a transição para uma Bioeconomia deverá estar vinculada à justiça social sob pena de inviabilizar sua própria estabilidade e continuidade.
Nesse particular, parece contraditório com a importância desses trabalhos verdes no plano teórico a verificação empírica de condições precárias e situação de vulnerabilidade de atividades como, por exemplo, dos catadores de materiais recicláveis. Chama-se aqui atenção para dado da OIT que estima que cerca de 4 milhões de trabalhadores(as) atuem na reciclagem de resíduos no setor formal, e de 15 a 20 milhões, no setor informal.
Invariável concluir que negligenciar a dimensão de inserção social desse contingente humano é, por si só, um impacto ambiental significativo. Todo este contingente populacional pode estar adequadamente se incorporando a um padrão de trabalho decente e sustentável, dentro de uma lógica de economia e trabalhos verdes ou, se negligenciado, passa a ser mais um fator estressor do uso de recursos ambientais.
Assim, parecem de todo louváveis e essenciais os recentes anúncios veiculados na mídia jornalística de que o Ministério do Meio Ambiente estaria envidando esforços para a constituição de grupos de trabalho e comitês para delinear políticas públicas voltadas à constituição de uma Bioeconomia.
De fato, pensar o desenvolvimento num paradigma sustentável e ecológico é também pensar os(as) trabalhadores(as) dessa nova realidade a partir de uma inserção efetiva de proteção e estímulo dos “trabalhos verdes” – e um ponto central desse cuidado inicial é exatamente resguardar a essas atividades o mesmo padrão de atenção para a saúde e segurança no trabalho.
Mais uma vez, parece acertado e oportuno reiterar a importância da proteção às condições de trabalho de todos(as) os(as) trabalhadores(as), inclusive daqueles(as) que atuam em empresas que já contribuem para a ecologização da economia. Nesse sentido dispõe a meta nº 8.8 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: “Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários”.
Importante ressalvar que a transição para uma economia sustentável também pode afetar negativamente alguns empregos em setores tradicionais, como a indústria de combustíveis fósseis. É importante que sejam implementadas políticas para ajudar a garantir uma transição justa para os trabalhadores(as) afetados(as) - o que se insere, mais uma vez, na essencialidade de se discutir o futuro do trabalho dentro de uma perspectiva ambiental.
A conclusão singela deste artigo é que se torna extremamente necessário que a comunidade jurídica passe a se debruçar sobre as discussões envolvendo a dimensão social da sustentabilidade, bem como amplie e aprofunde a pesquisa sobre os contornos, implicações e medidas necessárias para que os trabalhos verdes – tão necessários ao futuro da humanidade - possam se tornar uma realidade concreta e protegida no Brasil.
* Alberto Bastos Balazeiro é ministro do Tribunal Superior do Trabalho, coordenador nacional do Programa Trabalho Seguro, ex-procurador-geral do Trabalho, doutorando em Direito (IDP) e mestre em Direito (UCB).
Afonso de Paula Pinheiro Rocha é procurador do Trabalho, doutor em Direito Unifor, MBA em Direito Empresarial (FGV/Rio), pós-graduado em Controle na Administração Pública (ESMPU) e secretário jurídico adjunto do MPT.
Ananda Tostes Isoni é Juíza do Trabalho, gestora nacional do Programa Trabalho Seguro e coordenadora-geral do Capítulo Brasileiro do Comitê Pan-Americano de Juízas e Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana (COPAJU Brasil).