Que dinheiro é esse tão diferente?
Agenor Calazans da Silva Filho
Juiz do Trabalho TRT 5 e professor de Direito Processual do Trabalho
Dinheiro é uma ideia de valor. Dinheiro não passa de uma grande convenção da humanidade. A que serviriam aqueles papeis e moedas não fosse o fato da aceitação pelas pessoas de que os numerais neles grafados significam, efetivamente, valor? Decorre desse “pacto social” vigente no mundo inteiro que o dinheiro serve como instrumento monetário utilizado para realizar trocas comerciais de bens, serviços e todo o tipo de ação em razão da qual, pela qual ou para a qual, é preciso empregar um determinado valor. E, em se tratando de pacto, o que vale para um deve valer para todos. Assim, por exemplo, uma cédula de cem reais tem o mesmo valor monetário para todos os brasileiros e estrangeiros que se utilizem desse padrão monetário no território nacional. Tem que ser assim e se não for assim não se trata de pacto ou o pacto não está funcionando corretamente, resultando lesão para uns e vantagem indevida para outros.
Então, se alguém recebeu uma cédula de cem reais em determinado momento da vida em que outro alguém também recebeu cédula do mesmo valor, essa cédula tem que ter, para ambos, o mesmo valor dez dias depois ou dez anos depois. E se a cédula de cem reais, algum ou muito tempo depois, já não vale mais nada, não vale mais nada para ambos. Já se a cédula de cem reais agora representa algo equivalente a mil reais, assim deve ser para ambos. O dinheiro é o mesmo!
Intriga saber por que o crédito trabalhista deve ter critério de correção monetária distinto de outros créditos. Ora, se alguém tinha que receber os mesmos cem reais em determinada data que outro alguém também teria que receber o mesmo valor, por que a correção monetária de um deve ser diferente da do outro? O dinheiro é o mesmo!
O dinheiro é o mesmo? Não, o dinheiro é outro, pois, cada um recebeu a sua cédula. Novamente, a ideia do valor. O papel e a moeda não significariam nada sem a grande convenção da humanidade que lhes confere valor. O dinheiro, como papel ou moeda, configura bem fungível, bem que pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Há duas notas de cem reais. Tanto faz ao credor e ao devedor pagar ou receber o devido com qualquer das duas notas. Quem obtém de um amigo um empréstimo de cem reais não deve a restituição da mesma cédula, deve a restituição do mesmo valor. O dinheiro, como ideia de valor, é o mesmo.
Está em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal processo em que deve decidir se a correção monetária dos créditos trabalhistas seguirá ou não a taxa referencial (TR) divulgada pelo Banco Central do Brasil. Estando o Supremo atuando no exercício de controle concentrado de constitucionalidade dos atos normativos, sua decisão terá eficácia geral e, portanto, terá que ser seguida por todos os Tribunais e juízes investidos de jurisdição trabalhista no País.
O que é a TR (taxa referencial)? A Taxa Referencial é calculada pelo Banco Central diariamente e mensalmente e está disponível no site da instituição. O BC toma como base a média ponderada dos juros pagos, diariamente, por CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) das 30 maiores instituições financeiras do país – a chamada Taxa Básica Financeira (TBF). A taxa referencial mede os juros pagos por instituições financeiras. Juros prefixados, definidos, pois, pela atividade financeira. De todo modo, cuida de juros e não de correção monetária.
Os juros são devidos em razão da mora, da demora do pagamento. A correção monetária apenas tenta repor o valor da moeda. Aqueles cem reais já não representam o valor que os antigos cem reais de tempos atrás representavam. Correção monetária não é rendimento, pois, diferentemente, apenas pretende – como o nome sugere – a correção do valor nominal da moeda.
Bem, se a TR é uma medição de taxas prefixadas para incidência e pagamento no futuro (percentuais determinados pelas instituições financeiras para remunerar aplicações) ela não mede a perda do poder aquisitivo da moeda. A TR não olha pra trás para saber o valor de determinada soma de dinheiro em determinada época e indicar o valor atual da mesma soma. A TR afere o estímulo que os bancos oferecem aos aplicadores para que depositem em seus estabelecimentos os dinheiros de que dispõem. Os bancos oferecem juros. A TR mede juros, por isso não trata de correção.
Desde março de 2015 que o Supremo Tribunal, reconhecendo que a taxa referencial cuida apenas de juros, autorizou que a correção monetária passasse a considerar no cálculo da correção monetária o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Sim, é certo que o STF resolveu assim no julgamento de caso de incidência de correção monetária de débitos a serem pagos por meio de precatórios (dívidas da Fazenda Pública: União, Estados e Municípios, suas autarquias e Fundações), mas, como antes dito, dinheiro é meramente valor, que vale o mesmo para todos.
Desde 2017 que a taxa referencial vem sendo igual ou muito próxima a zero e, coincidentemente ou não, no mesmo ano de 2017 adveio reforma da legislação trabalhista que inseriu no artigo 879, da CLT, o § 7º, determinando que a atualização dos créditos trabalhistas seja feita pela TR. Esse dispositivo foi questionado perante o STF na expectativa de que a Corte, guardando coerência, reafirme o descabimento de aplicação da taxa referencial (que nada atualiza e, portanto, agride o patrimônio do credor) e elimine do cenário jurídico o dispositivo legal ofensivo à Constituição Federal.
Há quem defenda para a correção monetária dos créditos trabalhistas a incidência da taxa referencial (TR), há quem defenda o INPC, há quem defenda IPCA e IPCA-E e há quem defenda incidência da SELIC. Também há quem defenda nenhuma correção monetária.
Que dinheiro é esse tão diferente um do outro?