INTRODUÇÃO
A escravidão logrou 400 anos de longevidade no Brasil. O país passou por profundas mudanças econômicas, sociais e políticas na segunda metade do século XIX, as quais contribuíram para o fim do escravismo em diversas regiões. Foram os interesses econômicos ligados à escravidão que permitiram a sua continuidade e também um dos principais motivos para a sua extinção, podendo ser citadas três razões principais: a lógica do capitalismo na compra da força de trabalho livre com menor custo do que a manutenção de trabalhadores escravizados; a escassez de cativos a partir da efetiva abolição do tráfico de escravos e a intensa luta dos trabalhadores escravizados por liberdade, inclusive de libertos e dos que integravam as suas redes de sociabilidade.
O Brasil, assim como os demais países periféricos da América Latina, possui economia de dependência, atendendo aos interesses do capital central dominante. Nesse contexto, as suas contradições devem ser buscadas na conjugação de fatores internos e externos, pois a dependência é produto tanto da dominação político-econômico mundial, quanto das relações de classes e da ação ético-cultural dos agentes e grupos locais. (WOLKMER, 2001, p. 80-81)
Como aponta John D. French:
“Para resolver as falsas dicotomias entre escravidão e liberdade, temos que compreender os postulados estruturantes mais amplos que as envolvem essas alternativas: escravidão versus capitalismo e, mais importante ainda, o contraste entre relações de trabalho escravistas como ‘atraso’ e relações de trabalho assalariadas entendidas como ‘modernidade’”. (FRENCH, 2006, p. 77)
Para tanto, propõe-se estudo interdisciplinar, levando-se em conta não só os desafios que a história do trabalho enfrenta para romper, por exemplo, com o marco de 1888 e incluir os escravos e libertos, antes da abolição, na formação da classe trabalhadora brasileira, como também, a superação das mesmas dificuldades no Direito do Trabalho, ao tratar do trabalhador livre, como se não tivesse existido o trabalhador escravo ou escravizado, ainda que formalmente detentor de liberdade, mas sujeito a várias espécies de dominação.
Tais limitações analíticas têm permitido o desvirtuamento dos debates nas proposições legislativas reducionistas de direitos sociais ou que tentam impedir a punição de empregadores que ainda se utilizam da ameaça, engano, sofrimento, endividamento e da violência nas relações de trabalho, como se verifica dos Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional para a modificação da legislação do trabalho e alteração do conceito do crime de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
A escravidão contemporânea envolve situações muito mais complexas do que a mera coação física ou a restrição direta da liberdade de ir e vir, tais como: aliciamento, migração, endividamento, excesso de jornada, ausência de pagamentos e de condições dignas de trabalho, em face da miséria, escassez de oportunidades de trabalho e ausência de políticas públicas.
A forma como a escravidão foi oficialmente abolida no país e a passagem da antiga sociedade agrária para a urbana e industrial foi marcada pela ausência de padrões mínimos regulatórios, o que determinou a exclusão dos negros do mercado de trabalho e traçou o modo de vida peculiar a que foram submetidos. Os libertos foram jogados à própria sorte. Não houve preocupação com educação, distribuição igualitária da terra, formas de subsistência e moradia, apenas com a substituição da mão de obra escrava pelo trabalhador supostamente livre, relegando-os à marginalidade social e pobreza econômica.
Símbolo da violência endêmica no campo brasileiro e da persistência de condições análogas à escravidão foi o assassinato de três auditores fiscais do trabalho e de um motorista, em janeiro de 2004, em Unaí, Minas Gerais, quando inspecionavam as condições de trabalho em fazendas da região, sendo o principal motivo que possibilitou a votação e aprovação da PEC do Trabalho Escravo em primeiro turno na Câmara dos Deputados, devido a pressões políticas e de movimentos sociais.
A aprovação da PEC do Trabalho escravo em segundo turno na Câmara dos Deputados, em maio de 2012, só foi possível após acordo entre os lideres para a regulamentação do que se entende por condição análoga a de escravo e dos trâmites legais da expropriação das propriedades que forem flagradas com tal prática, com a intenção de alteração do conceito de trabalho análogo a de escravo do Art. 149 do Código Penal, principalmente com a retirada das condições degradantes de trabalho e da jornada exaustiva.
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(*) Juíza do Trabalho do TRT6, Diretora de Cidadania e Direitos Humanos da ANAMATRA, Doutoranda em Direito do Trabalho pela UnB.