As últimas semanas, a Justiça do Trabalho brasileira foi, por assim dizer, a “bola da vez” nos gládios da política e da grande imprensa. Para citar dois episódios bem conhecidos, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, pronunciando-se a respeito da Reforma Trabalhista (de que já tratamos aqui) – que considera “tímida” −, afirmou que “a Justiça do Trabalho nem deveria existir”, pela natureza supostamente “irresponsável” das suas decisões.
Pouco depois, o jornalista Ricardo Boechat − conhecido pela sua virulência verbal (inclusive nas barras dos tribunais, por ocasião, p. ex., da sua defesa da extinção do oficialato de justiça no país, por congregar “entregadores de papeis arrogantes”) − declarou que a Justiça do Trabalho, essa “jaboticaba” que custa “uma barbaridade” ao povo brasileiro, realmente já não teria qualquer papel a cumprir nos dias de hoje; a justiça comum poderia adequadamente cuidar das demandas trabalhistas do dia-a-dia. E a ladainha não é nova.
Poucos meses atrás, em sua coluna na Revista Veja, o jornalista J.R. Guzzo reproduzia as falas do atual prefeito de Porto Alegre, Nelson Marquezan Jr., para registrar que a Justiça do Trabalho “gerou”, em 2015, “apenas” 8 bilhões de reais, conquanto tenha custado aos cofres públicos 17 bilhões de reais; logo, seria mais razoável extingui-la: se o Estado simplesmente distribuísse esses 8 bilhões de reais entre os interessados, os reclamantes ficariam igualmente satisfeitos, o Estado economizaria 10 bilhões de reais e os empregadores não teriam qualquer despesa.
Vejamos por partes esse libelo acusatório. Trarei dados, leitor, e você formará o seu veredicto.
A Justiça do Trabalho é uma “jaboticaba”, i.e., algo que só existe nestas plagas tupiniquins? Não. Jurisdição trabalhista há em todo o mundo (ainda que, em vários países, seja prestada por juízes comuns). E mesmo o modelo brasileiro, de uma autonomia institucional construída sobre o tripé da diferenciação financeiro-estrutural (orçamento, prédios e pessoal próprios), da diferenciação funcional (corpo próprio de magistrados organizados em carreira autônoma) e da diferenciação instrumental (litígios regidos por regras específicas de processo/procedimento), encontra eco em modelos adotados por países do dito “primeiro mundo” (como se fosse isso, aliás, alguma garantia de virtudes). Assim se dá, p. ex., na Alemanha, na Dinamarca e na Grã-Bretanha.
Na Alemanha, como no Brasil, a jurisdição trabalhista é prestada por um corpo próprio de magistrados que se distribui entre juízos de primeiro grau, tribunais regionais (em cada Länder) e um tribunal federal do trabalho sediado em Kassel (oBundesarbeitsgericht). Ao lado dos juízes togados, há os “juízes benévolos” (correspondentes aos que, no Brasil, eram os “juízes classistas”, extintos com a EC n. 24/1999), que representam os empregados e os empregadores e são designados por um período de quatro anos a partir de listas formadas pelas associações representativas das duas classes (v.www.bundesarbeitsgericht.dfe/allgemein.html). A Justiça do Trabalho alemã julga basicamente os dissídios individuais de trabalho (lides entre empregadores e empregados), mas também tem competência para outros litígios, como os que se estabelecem entre o empregador e a comissão de empresa (algo similar ao que o PL n. 6.787/2016 quer regulamentar no Brasil, mas basicamente para homologar rescisões) ou entre parceiros sociais.
Na Dinamarca, a jurisdição trabalhista é igualmente acometida a uma organização judiciária especial. Em um país cuja taxa de sindicalização aproxima-se de 80% (contra menos de 20% no Brasil e menos de 10% nos Estados Unidos da América, p. ex.), a Corte do Trabalho dinamarquesa tem sede em Copenhagen e é constituída por quarenta e nove membros: um juiz presidente e cinco juízes vice-presidentes (o Presidium), geralmente oriundos da Suprema Corte dinamarquesa, além de doze juízes ordinários, designados pelas organizações sindicais dinamarquesas (seis pelos empregados e seis pelos empregadores), e mais trinta e um membros substitutos.
A Corte do Trabalho, com previsão na Lei n. 106, de 26.2.2008, não integra o sistema judicial ordinário e atua especialmente em sede de conflitos coletivos de trabalho, como nos casos de descumprimento de contratos coletivos. Já os litígios trabalhistas individuais são basicamente apreciados por órgãos extrajudiciais (atuam preventivamente os tribunais arbitrais industriais, ut Lei n. 343, de 17.4.2012), mas há hipóteses em que se reconduzem à Corte do Trabalho (p. ex., art. 32 da Lei n. 106/2008), cujas decisões são sempre irrecorríveis.
Também a Grã-Bretanha possui, desde 1964, uma jurisdição especial para os litígios laborais. Os órgãos jurisdicionais trabalhistas são compostos por um presidente, juiz profissional (na origem, solicitador ou advogado com ao menos sete anos de experiência), mais dois representantes classistas (pelos empregados e pelos empregadores). Os tribunais de trabalho constituem o primeiro grau de jurisdição para dirimir os dissídios entre empregadores e empregados e, em alguns casos, os litígios entre sindicatos e trabalhadores. Uma vez prolatadas as sentenças, admitem-se apelações para oEmployment Appeal Tribunal; adiante, há ainda a possibilidade de recursos para a Court of Appeal e para a própria House of Lords. O procedimento aplicável é essencialmente o civil, mas com alta flexibilidade e menores formalidades. Há possibilidade de conciliação prévia no Advisory Conciliation and Arbitration Service.
Para além disso, na Europa, também mantêm sistemas judiciais autônomos para a jurisdição trabalhista, como se dá no Brasil, a Finlândia e a França (embora a peculiaridade se resuma, no caso francês, ao primeiro grau de jurisdição, com os conseils de prud’hommes).
Na América Latina, por outro lado, vale bem citar o caso argentino. Há uma Justiça do Trabalho, autônoma, composta exclusivamente por juízes togados, aos quais compete apreciar as causas contenciosas ou os conflitos individuais de direito, quaisquer que forem as partes – inclusive a Nação, suas repartições autárquicas, a municipalidade da Cidade de Buenos Aires e qualquer ente público –, relativos a demandas ou reconvenções fundadas no contrato individual de trabalho, em convenções coletivas de trabalho, em laudos arbitrais com eficácia de convenções coletivas ou disposições legais ou regulamentares de direito do trabalho, e, para mais, as causas entre trabalhadores e empregadores que, relativas a um contrato de trabalho, fundem-se em disposições do direito comum. A legislação argentina tanto prevê a existência de tribunais locais (provinciais), com procedimentos e organizações muito próprias (inclusive com hipóteses de instância judicial única e procedimento oral), como também uma Justicia Nacional del Trabajo, com sede na capital federal, integrada pela Câmara Nacional de Apelações do Trabalho e por juízes nacionais do trabalho de primeira instância (há, portanto, duas instâncias nacionais para as lides trabalhistas). Há, ademais, as competências próprias da Corte Suprema de Justiça argentina, que analisa as causas trabalhistas na perspectiva constitucional, sejam oriundas das justiças provinciais ou da justiça nacional.
Tudo a demonstrar, portanto, que a Justiça do Trabalho brasileira não é “jaboticaba” alguma. Ao contrário, reflete realidade existente em vários outros países, com características bem semelhantes: (a) a autonomia institucional; (b) organização em carreira própria; e (c) a diferenciação competencial, a que se associam, não raro, pessoal e procedimentos especialmente adaptados à característica das demandas laborais.
E quanto ao custo da Justiça do Trabalho? Seria realmente mais simples e prático “distribuir” aos trabalhadores queixosos o que reclamam, economizando mais da metade do orçamento que se tem dedicado à Justiça do Trabalho? Amigo leitor, se você refletir minimamente a esse respeito, concluirá certamente tratar-se, no fim das contas, de um discurso demagógico e falso.
Isso porque, a uma, a Justiça do Trabalho não é uma empresa estatal. Não precisa – a rigor, nem deve – “dar lucros” ou gerar excedentes financeiros para a União. É que os serviços de justiça prestam-se basicamente àqueles papeis que o grande C. R. DINAMARCO (v. Instrumentalidade do Processo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pp. 159 e ss.) apontava como sendo os escopos do processo judicial (que, por sinédoque, tomamos aqui como os escopos do Poder Judiciário):
(i) os escopos sociais do processo e, portanto, da jurisdição: pacificar com justiça (que é, aliás, a “missão” do Judiciário, nos termos da Resolução CNJ n. 70/2009) e, secundariamente, educar para a cidadania (conscientizando os jurisdicionados para exercício de seus direitos, deveres e obrigações);
(ii) os escopos políticos do processo e, portanto, da jurisdição (que pode se resumir na tríade poder/liberdade/participação): afirmar a capacidade do Estado de decidir imperativamente (= afirmar aautoridade do Estado e do seu direito objetivo), concretizar o valor constitucional da liberdade (assegurando as liberdades públicas – inclusive negativamente, pelo devido processo legal − e delimitando os espaços de ação do cidadão, onde o Estado não interfere, como ainda as várias dimensões da sua dignidade) e assegurar aparticipação dos cidadãos, por si mesmos ou por suas associações, nos destinos da sociedade política (e aqui se compreende a visão “cooperativa” do processo, em que as partes podem e devem colaborar para com o teor da decisão final – veja-se os arts. 6º e 369 do CPC/2015[1] −, mas também se compreendem os instrumentos processuais de coletivização/democratização da jurisdição, como as ações populares, as ações civis públicas, as ações de controle abstrato de constitucionalidade etc.); e
(iii) o escopo jurídico do processo e, portanto, da jurisdição (e aqui apenas registro minha parcial discordância, pois creio que o juiz também “cria” o Direito, em vários sentidos): atuar a “vontade concreta” do Direito (CHIOVENDA), i.e., o direito substantivo; e, por esse caminho, promover a segurança jurídica.
Portanto, o que a Justiça do Trabalho “gera” – ou deve gerar – é, a uma, pacificação social e consciência cidadã (inclusive para patrões que sonegam direitos trabalhistas, mas também para empregados que se prestam a aventuras jurídicas); a duas – e, a meu ver, fundamentalmente −, afirmação do Estado de Direito (que, no particular, é o Estado Social), concretização das liberdades (de patrões e empregados) e espaços para o exercício da cidadania (inclusive na reclamação de direitos sociais sonegados, para si ou – nas substituições processuais − para outrem); e, a três, a atuação do direito substantivo, sinalizando para a segurança jurídica (e para isto, no sentido da interpretação “estabilizada” da lei trabalhista, citem-se as súmulas e orientações do Tribunal Superior do Trabalho, as súmulas regionais – vide Lei n. 13.015/2014 -, as teses prevalecentes, os “precedentes” do art. 489/CPC e do art. 15 da Instrução Normativa TST n. 39/2015, e assim sucessivamente). Nada disto tem “preço”. Nada disso é mensurável em reais, dólares ou euros. Do contrário, teríamos de igualmente extinguir os juízos criminais, porque tampouco “geram” riquezas, mas apenas consomem orçamento; o mesmo se diga das varas de família, das varas de infância e juventude, de toda a Justiça Eleitoral, de toda a Justiça Militar (da União e dos Estados) etc. O “argumento” de que a Justiça do Trabalho não se paga é, para sintetizar, simplesmente idiota.
A rigor, valendo tal critério de “custo/benefício”, caberia extinguir não apenas a Justiça do Trabalho, mas todo o Poder Judiciário brasileiro, à exceção da Justiça Federal comum. Com efeito, somente a Justiça Federal comum – porque cuida exatamente de cobrar e executar tributos e outros créditos federais, a par das custas e emolumentos que arrecada (enquanto que na Justiça do Trabalho, ao revés, a regra processual é a da gratuidade processual)− arrecada mais do que gasta. Em 2013, o Justiça em Números detectou que as despesas totais da Justiça Federal, considerados os orçamentos dos cinco Tribunais Regionais Federais existentes, somaram cerca de R$ 7,8 bilhões (crescimento de 2,7% em relação a 2012), enquanto que os seus órgãos arrecadaram, no mesmo ano, aproximadamente R$ 15,7 bilhões para o erário da União e de suas autarquias e empresas públicas (art. 109, I, CF). Da mesma forma, em 2015, a Justiça Federal arrecadou aproximadamente 24 bilhões, para despesas totais de 9,9 bilhões (não se computando, aqui, valores provenientes de ativos recuperadas em ações criminais e de improbidade administrativa, como nos processos da “Operação Lavajato”).
Na verdade, a Justiça Federal foi responsável, em 2015, por 53,7% do total de arrecadações do Poder Judiciário nacional, o que decorre das características das suas competências constitucionais (art. 109/CF). Mas – e é este o ponto – arrecadar não é função do Poder Judiciário.Suas funções são aquelas acima apontadas acima, imensuráveis em pecúnia. Do contrário − repito-me −, apenas a Justiça Federal haveria de ser preservada. Isto porque todos os demais ramos da Justiça nacional não são, nesse sentido, “superavitários”. Na Justiça do Trabalho, entre 2009 e 2015, a arrecadação diminuiu 47% entre 2009 e 2015, chegando a R$ 2,7 bilhões em 2015, i.e., cerca de 16,3% das despesas daquele ano. Na Justiça Estadual, ao revés, a receita dobrou entre 2009 e 2015; no entanto, as despesas aumentaram à taxa de 42% (bem mais que na Justiça do Trabalho, onde a elevação de despesas girou em torno de apenas 9%), sendo certo que, em 2015, os gastos dos Tribunais de Justiça somaram, em toda a Federação, R$ 44,7 bilhões, enquanto as receitas somaram apenas 18 bilhões (i.e., cerca de 40% das despesas, embora a Justiça Estadual seja responsável por mais da metade – 56% − de toda a despesa do Judiciário). A Justiça Militar estadual traz, por fim, o pior de todos os cenários: em 2015, sua receita correspondeu a apenas 1,1% de tudo o que efetivamente gastou (R$ 132,8 milhões).
Extinguiremos, então, todos os outros ramos do Poder Judiciário, inclusive a Justiça do Trabalho e as Justiças estaduais? Consegue imaginar esse cenário, querido leitor? Provavelmente não. E por razões óbvias: provavelmente, a maioria das demandas judiciais que você tem (ou já teve), ou de que tem conhecimento (p. ex., as de amigos ou parentes próximos), tramitam (ou tramitaram) pela Justiça do Trabalho e/ou pela Justiça Estadual. Nessas duas justiças, concentram-se os litígios mais “comuns”, aqueles pertencentes ao dia-a-dia do cidadão. Extingui-las é impensável. A não ser que se queira retornar à Idade Média, às justiças dos feudos e às autotutelas.
Seguindo-se esse raciocínio, ademais, teríamos de extinguir a Câmara dos Deputados, que custa cerca de R$ 86 milhões/mês ao contribuinte (i.e., cerca de um bilhão de reais por ano), sem qualquer “arrecadação” sensível (logo, participação de 0,0% para fazer frente às próprias despesas). Haveríamos de extinguir, ainda, as nossas Forças Armadas, que em 2015 obtiveram, no Brasil, o 11º maior orçamento em um ranking de 171 países (foram R$ 31,9 bilhões em 2014; para 2015, a previsão chegou a R$ 81,5 bilhões, para todo o Ministério da Defesa), sem tampouco “retornar” centavo algum para o erário. Vamos extinguir essas instituições? É evidente que não.
Ademais, a “utilidade” da Justiça do Trabalho revela-se por outros dados, igualmente disponíveis no Justiça em Números. Em 2014, a Justiça do Trabalho “baixou” (i.e., encerrou) 4,2 milhões de processos, tendo recebido para julgar cerca de 4 milhões de processos. Julgou, portanto, mais casos do que recebeu, diminuindo seu estoque de processos pendentes de julgamento. A isto se chama pacificação social (um dos seus escopos sociais, como vimos). O Índice de Produtividade de Magistrados (IPM) apresentou alta de 18,3% no sexênio (2009-2014). E a tendência é que o “custo” desses serviços tenda a cair: a Justiça do Trabalho é a mais informatizada dentre todas as justiças, sendo certo que, ainda em 2014, o percentual de casos que ingressaram por meio eletrônico já ultrapassava a metade das ações ajuizadas (57%), o que significa economia de recursos materiais e humanos. A Magistratura do Trabalho também atende com excelência ao princípio da duração razoável dos processos (art. 5º, LXXVIII, CF), já que, no mesmo ano de 2014, a sua taxa de congestionamento (= medição do percentual de processos em tramitação que não foi baixado durante determinado ano) foi 21 pontos percentuais inferior à média geral do Poder Judiciário. É seguramente a Justiça mais rápida do país. E a mais produtiva: basta ver que, em relação a 2009 – e a despeito do forte crescimento no número de ações novas −, o total de processos baixados na JT aumentou ainda mais (= 26% de elevação), de modo que o Índice de Atendimento à Demanda (IAD), em 2014, fosse de 105,5% (o maior desde 2009). Em 19 de 24 tribunais trabalhistas, o IAD superou o patamar de 100% em, pelo menos, uma das instâncias. Em média, cada magistrado baixou o equivalente a 1.238 processos (média de 103 casos resolvidos por mês, por magistrado).
Não foi diferente em 2015: a Justiça do Trabalho foi praticamente a única a experimentar aumento percentual do número de casos novos em relação ao ano anterior (= alta de 1,7%); mas foi também o único ramo da Justiça a aumentar o seu número de processos baixados (= alta de 1,2%).
E o que, basicamente, decide-se na Justiça do Trabalho? Verbas rescisórias. Esses dados têm sido segmentados desde 2014, a partir das classes e assuntos das Tabelas Processuais Unificadas (Resolução CNJ n. 46/2007). E, dentro do universo de 187 grupos de assuntos analisados, o maior número de processos refere-se diretamente ao Direito do Trabalho (as outras classes predominantes são as relativas ao Direito Processual Civil e ao Direito Processual do Trabalho), sendo que, daqueles, a maioria diz respeito à rescisão do contrato de trabalho (5,2 milhões de processos em 2014, ou seja, 43,99% das ações que tramitam na Justiça do Trabalho). Em 2015, os pedidos relativos a verbas rescisórias chegaram ao percentual espantoso de 11,75% da demanda total do Poder Judiciário, sendo praticamente a metade (49%) de todos os casos novos ingressados na Justiça do Trabalho. Ora, verbas rescisórias são o que há de mais básico em uma relação de emprego: demitido o empregado, deve receber as suas verbas trabalhistas de rescisão nos prazos do art. 477, §6º, da CLT, sob pena de multa (§8º). Entre essas verbas estão o saldo salarial, o aviso prévio indenizado, as férias proporcionais e seu terço constitucional, o décimo terceiro salário proporcional, a indenização de 40% sobre o FGTS… Direitos básicos, insista-se. E são esses direitos básicos que, sonegados, têm levado à imensa procura pela jurisdição trabalhista.
Diante disso tudo, vale recuperar e perguntar: têm razão o deputado e o jornalista que afirmam ser a Justiça do Trabalho um “monstrengo burocrático e lento”, que atravanca o progresso porque toma decisões “absurdas”? Deferir verbas rescisórias quase culturalmente sonegadas é deferir o “absurdo”? As taxas de produtividade e de congestionamento processual apuradas em 2014 e 2015 indicam um “monstrengo lento”? O que você acha, amigo leitor?
Finalmente, observo que a “conta” feita por J.R. Guzzo e outros – os R$ 17 bilhões de custo contra R$ 8 bilhões “gerados” − considera apenas o que a Justiça do Trabalho deferiu aos seus reclamantes. Quem conhece a realidade forense sabe bem que a regra, nas sentenças e acórdãos trabalhistas, são as procedências parciais; dito de outro modo, milhões e milhões de reais anualmente reclamados na Justiça do Trabalho são indeferidos pelas varas e tribunais do trabalho, ante o entendimento do juiz natural da causa (seja o juízo “a quo” – i.e., a autoridade judicial originária –, seja o juízo “ad quem” – i.e., a autoridade judicial recursal) de que os direitos respectivos não seriam devidos e, por consequência, os pedidos assim formulados resultam improcedentes. Daí porque se deve considerar rigorosamente ridícula – uma anedota, mesmo − a “alternativa” de se distribuir aos reclamantes os importes reclamados….
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Para mais, prezado leitor, deixo a você a questão inicial: o Brasil ficaria melhor sem a Justiça do Trabalho?
Questione-se, no seu foro íntimo, e responda-nos neste foro coletivo. Você é réu do seu juízo.
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[1] Especialmente o último, que trata do direito de “empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (g.n.).
* Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, professor associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Doutor em Direito Penal pela USP e em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Livre-docente em Direito do Trabalho pela USP. Vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), gestão 2015-2017