Todos nós temos uma opinião formada sobre Cuba.
Todos nós sabemos um pouco de sua história, de seus governantes, de sua economia, de seus sucessos e de seus fracassos.
Quase nada sabemos sobre a Guatemala. Contudo, ela tem praticamente a mesma dimensão territorial de Cuba, mais ou menos a mesma população, também está situada na América Central e lá igualmente se fala o idioma espanhol.
A diferença reside na proposta política cubana. Cuba tem uma proposta política socialista. Não interessa aqui averiguar se esta proposta é real ou ilusória, sincera ou insincera, boa ou ruim, se deu certo ou deu errado. Apenas registrar o fato incontestável de que a proposta existe. E, pelo só fato de existir, ela incomoda muita gente em todo o continente.
Assim, o que existe não é propriamente um medo ou receio de Cuba, pequena e distante ilha, há décadas economicamente isolada, mas sim um medo ou receio de que sua proposta de sociedade se espalhe América afora.
Mutatis Mutandis, algo similar se passa em relação à Justiça do Trabalho.
Dela se diz ser desproporcionalmente ativista, que ignora a Lei para fazer Justiça Social (como se o propósito da norma trabalhista não fosse, precisamente, conduzir à Justiça Social), que passa por cima das regras de procedimento, e por aí vai.
Porém, quando se analisa a Justiça do Trabalho mais de perto, algumas constatações parecem paradoxais.
Primeiro, ela é estruturalmente pequena para a quantidade de desafios que enfrenta e para o volume de causas que julga. Em grandes centros, o estonteante e complexo número de audiências que os juízes trabalhistas brasileiros diariamente realizam não tem medida ou paralelo em nenhum outro lugar do mundo.
Segundo, ela é claramente conservadora em certos temas: basta citar, no plano do direito material, o entendimento jurisprudencial segundo o qual a responsabilidade da tomadora dos serviços, em casos de intermediação de mão de obra, será meramente subsidiária (quando há preceitos legais de sobejo indicando a solidariedade) e, no plano do direito processual, a posição que não admite a penhora de dinheiro em sede de execução provisória (quando mesmo o CPC - tanto o atual como o vindouro - diz que a execução provisória processar-se-á da mesma maneira que a definitiva).
Terceiro, sua eficiência prática na etapa de execução dos julgados – quiçá, primordialmente, por conta dos dois fatores antecedentes - é deveras discutível. Segundo dados oficiais, a taxa de congestionamento nesta fase processual – conquanto seja a menor dentre todos os ramos do Poder Judiciário – foi, no ano de 2014, da ordem de 70%. Ou seja, de cada 10 sentenças prolatadas, apenas 03 lograram atingir a plena efetividade, entregando ao credor o seu direito.
Então, ela é uma Justiça estruturalmente pequena, com entendimentos por vezes nada ousados, e que não consegue executar sequer a metade dos processos que sentencia. Mas, ainda assim, ela assusta.
Qual seria a razão?
É que a Justiça do Trabalho, no Brasil e no mundo, se bem não possua uma proposta socialista, tem, sim, uma proposta social. Ela assusta, assim, não tanto por aquilo que já é, mas pelo que poderia porventura vir a ser. Imagine-se o que ocorreria se a sua estrutura organizacional fosse ampliada, seus entendimentos conservadores abandonados, e se, como corolário, sua eficiência executória passasse de 07 para cada 10 sentenças prolatadas.
Seria uma revolução. Talvez, quem sabe, o artigo 7° da Constituição Federal saísse do plano do dever ser, meramente teórico, tornando-se uma realidade e, com isso, ocorresse um genuíno e consistente movimento de redistribuição da renda nacional. Talvez o Brasil se tornasse um País mais justo e equilibrado. Claro que, para tanto, quem hoje tem muito ou demais acabaria em algum momento tendo de abrir mão de alguma coisa. E é isso o que realmente amedronta.
Bem, mas então, por que ao invés de se seguir atacando a Justiça do Trabalho, e mais, ao invés de se criarem instrumentos anômalos de regulação pela via indireta da reforma processual civil – veja-se, a propósito, o estrambótico incidente de desconsideração da personalidade jurídica trazido pelo novo CPC, que, segundo se comenta, teria sido criado para e em função da Justiça do Trabalho – simplesmente não se altera diretamente o processo do trabalho?
Por quê?
Por que uma proposta assim não lograria vencer a etapa da discussão parlamentar?
Por que o debate democrático adequadamente situado colocaria as coisas em seus devidos termos e proporções?
Por que a setorização da discussão talvez viesse a desnudar um desejo exacerbado de proteção do patrimônio de devedores renitentes, mesmo que ao preço do sacrifício integral de direitos fundamentais de matriz constitucional?
Por que, ao fim e ao cabo, o que no Brasil verdadeiramente se almeja são direitos trabalhistas apenas de papel, sem uma completa viabilização prática ou repercussão real efetiva, ou, como outrora se dizia, exclusivamente para inglês ver?
Logo, se o que realmente se pretende é aprimorar a prestação jurisdicional trabalhista, se é isso mesmo o que se deseja discutir, vamos então todos fazê-lo de modo direto, às claras, sem rebuços ou dissimulações. A Justiça, o direito e o processo do trabalho agradecerão, penhorados, a coragem e a sinceridade.